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2.1 A fotografia nas vanguardas históricas

2.1.2 Moholy-Nagy e a Neues Sehen

Em 1925, após experimentações com tipografia e fotografia, Moholy-Nagy inventa o que denomina “typophoto” (Figura 8) e publica Malerei

Fotografie Film (Pintura Fotografia Filme). Este livro tornou-se referência com

teorias do uso futuro da fotografia143 e para André Rouillé (2009) marcaria o nascimento do movimento modernista na fotografia. Nele, o artista buscaria

identificar as ambiguidades da criação óptica atual. Os meios utilizados pela fotografia exercem uma parte importante, embora é a que a maioria das pessoas hoje falham em reconhecer: estender os limites da representação-da-natureza [NaturDarstellung] e o uso da luz como um agente criativo [GestaltungsFaktor]: claro-escuro [HellDunkel] no lugar do pigmento. (MOHOLY-NAGY, 1927, p.5, tradução nossa144)

143 Com implicações, sobretudo na publicidade e design exploradas por artistas como Jan Tschichold, El Lissitzky, Herbert Bayer, Herbert Matter, Elfer, dentre outros (GERNSHEIN, 1991).

144 In diesem Buch versuche ich die Problematik der heutigen optischen Gestaltung zu fassen. Die Mittel, die uns die Fotografie in die Hand gegeben hat, spielen darin eine wichtige und von den meisten heute noch verkannte Rolle: in der Erweiterung der Grenzen der Natur Darstellung ebenso wie in der Verwendung des Lichtes alsGestaltungs faktor: Helldunkel an Stelle des Pigments.

Figura 8 - Lazlo Moholy-Nagy (fotografo) - "Typophoto" - Malerei Photographie Film (1925) Como consequência, teria lançado a tendência vanguardista Neues

Sehen (Nova Visão) que segundo afirma Olivier Lugon (1997)

Este movimento, frequentemente próximo da vanguarda artística, do construtivismo em particular, desenvolve um vocabulário inédito na fotografia de arte, devido às técnicas experimentais como o fotograma –impressão luminosa obtida sem aparelho -, a sobreimpressão, a prova negativa, bem como as formas mais espetaculares de disparo com aparelho: ângulos inclinados, plongée e contra-plongée, aproximações extremas e tomadas aéreas. (LUGON, 1997, p. 10, tradução nossa145)

Para a Neues Sehen todas estas formas parecem valorar uma fotografia que se transformou numa das principais formas de visão objetiva, alterando a maneira como se observava, criando novas relações sensórias com o mundo, das paisagens aos retratos, ou mesmo das vistas aéreas de um barco, a ampliação da imagem de um tecido. Isto é, buscando criar uma nova experiência do espaço, onde a humanidade poderia adquirir a capacidade de perceber seus arredores e sua própria existência com “olhos novos”, por assim

145 Ce mouvement, souvent proche de l’avant-garde artistique, du construtivisme en particulier, développe un vocabulaire inédit dans la photographie d’art, fait de techniques expérimentales comme le photogramme – empreinte lumineuse obtenue sans appareil -, la surimpression, l’epreuve négative, ainsi que de formes le plus spectaculaires de la prise de vue avec appareil : angles basculés, plongées et contre-plngées, extreme gros plans et vues aériennes.

dizer estendendo o olhar do homem ocidental (MOHOLY-NAGY146, 1936 apud FONTCUBERTA, 2004; LUGON, 1997). Para o artista a “verdadeira importância da película não será evidente até uma época mais tardia [...]. Os analfabetos do futuro serão aqueles que ignorarem o uso da câmara e da pluma”(MOHOLY-NAGY, 1936 apud FONTCUBERTA, 2004, 197, tradução nossa147). Moholy-Nagy dessa maneira dá atenção a uma maneira de se produzir e mostrar fotografia que para o modernismo não é mais o espaço da galeria de arte, pois para ele a produção deve ser privilegiada em relação à reprodução. Desta maneira parece esperar que o aparelho produtor crie novas relações com o desconhecido e, portanto, amplie as capacidades humanas, pois a reprodução sem enriquecer novos pontos de vista apenas teria ganho de virtuosidade. Adicione-se que para o artista a produção não ocorreria apenas na fotografia, mas também em meios de reprodução do som, onde espera que um dia ao invés de apenas reproduzir uma orquestra o ouvinte poderá inventar sua própria sonoridade criando novas possibilidades composicionais (MOHOLY-NAGY, 1927). No caso da fotografia ela poderia ser explorada em meios como jornais, revistas, livros, publicidades, criando mais que descrições: atos de fala; por isso, a seu ver, a ignorância do uso da câmera seria um problema.

Como afirma Magilow (2012, p. 19, tradução nossa148), “ato de fala porque alguém raramente separa a fotografia da intenção pragmática que seu contexto dita. Fotografias publicitárias e séries fotográficas são os exemplos mais óbvios”, sobre as séries, nos termos de Moholy-Nagy (1936 apud FONTCUBERTA, 2004), não haveria nada mais surpreendente que elas por conta de uma naturalidade e sequência orgânica, uma culminação lógica da fotografia, cujos preceitos da estética pictórica não se aplicariam. As imagens

146 MOHOLY-NAGY, Laszlo. From Pigment to Light. Telehor nº 2, 1936.

147 La verdadera importancia de la película no será evidente hasta una época más tardía, menos confusa, menos a tientas que la nuestra. El prerrequisito para esta revelación es, desde luego, darse cuenta de que el conocimiento de la fotografía es tan importante como el del alfabeto. Los analfabetos del futuro serán aquellos que ignoren el uso de la cámara y de la pluma.

148 speech act because one rarely separates a photograph from the pragmatic intentions that its context dictates. Advertising photographs and journalistic photo stories are the most obvious examples, but Moholy-Nagy's theory of productive photography also reflected a broader desire: to use photography to revolutionize the senses and, eventually, to revolutionize society and politics.

separadas perderiam identidade, tornar-se-iam apenas um detalhe da montagem, apenas em sucessão é que se converteriam para ele na arma mais “potente e na poesia mais terna”. Não poderia ser de outra maneira, pois o produtivo da fotografia parecia refletir um desejo mais amplo, além de revolucionar os sentidos, poderia eventualmente revolucionar a sociedade e a política (MAGILOW, 2012).

O apogeu do movimento Neues Sehen teria acontecido ao final dos anos 1920, ultrapassando seus limites do círculo vanguardista. De modo geral, é dito (FREUND, 2006; LUGON, 1997; ROUILLÉ, 2009) que a fotografia teria se tornado tão popular entre os anos 1928 e 1929 que seus contemporâneos começam a dizer sobre um “estouro”, e não por menos ocorrem exposições, publicações e diversos debates a fim de celebrar o meio fotográfico. Todavia, logo após este apogeu de 1929, depois da grande exposição Film und Foto (Figuras 9-10), a grande realização de Moholy-Nagy149 na Deutscher Werkbund (Associação de artesãos alemães) em Stuttgart, o movimento experimenta seu declínio.

Figura 9 - Cartaz da exposição Film und Foto (FiFo) ocorrida em Stuttgart em 1929

149 Olivier Lugon (2011) conta-nos que Moholy-Nagy não apenas tinha uma sala privada, mas mais de uma centena de suas obras expostas, além de haver organizado a sala introdutória segundo os preceitos da Neues Sehen, com valor programático.

Figura 10 - Espaço expositivo da FiFo

Afirma Olivier Lugon (2011, p.63, tradução nossa150) que “muitos elementos contribuíram para a falta de fôlego. De maneira geral, o entusiasmo pela tecnologia que tinha suportado a utopia de uma renovação da visão pela máquina deu lugar a uma certa desilusão”. Especificamente, a popularização de seus procedimentos converteu-se em receitas formais, de teor academista e mesmo uma forma moderna do pictorialismo, isto é, uma saturação acelerada até mesmo por conta de replicação programática da diversidade de pontos de vista que buscava aprofundar o olhar humano.

A desilusão com a fotografia não teria implicado a rejeição pura da câmera, mas um retorno ao objeto, à materialidade do mundo das coisas, uma “sobriedade”. Na Alemanha, o modelo que teria se tornado hegemônico, então, parece ter sido aquele identificado à produção artística da Neue Sachlichkeit de Albert Renger-Patzsch.