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MOMENTO DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA Como é cediço, existe muita controvérsia, tanto na doutrina, quanto na

jurisprudência, no tocante ao momento processual adequado para o juiz declarar a inversão do ônus da prova, conforme o disposto no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor.

Isso ocorre porque a lei 8.078/90, como já mencionado, estabeleceu a possibilidade de o magistrado, desde que observados os requisitos legais, inverter o ônus da prova, como o intuito de facilitar a defesa dos direitos do consumidor. Entretanto, a referida lei não determinou qual o momento adequado para que seja efetivada a inversão do ônus.

Na doutrina, existem três posicionamentos com relação ao momento adequado para o magistrado manifestar-se acerca da inversão do ônus da prova: 1º) Por ocasião do despacho inicial, de conteúdo positivo; 2º) a inversão do ônus da prova deve ocorrer no despacho saneador; 3º) na sentença.

Parte dos doutrinadores defendem que a inversão do ônus da prova deve se dá no despacho inicial. Para estes, diante das alegações do consumidor na demanda, o magistrado deve verificar se estão presentes os requisitos legais que autorizam a inversão, e em caso positivo, decretá-la.

Todavia, esse não parece ser o melhor entendimento, uma vez que ainda não se definiram os pontos controvertidos sobre os quais se desenvolverá a instrução probatória. Nesse momento processual sequer houve a manifestação da parte ré, ou seja, não existe ainda contestação, motivo pelo qual torna-se impossível para o magistrado precisar quais os pontos controversos da demanda. Ademais, poderia até mesmo haver o

reconhecimento da procedência do pedido, hipótese em que não haveria sentido a inversão do ônus da prova.

Diante do exposto, tal posicionamento não parece ser o mais adequado para que seja efetivada a inversão do onus probandi.

Há autores que sustentam que o momento mais adequado para decretar a inversão do ônus da prova é o anterior ao início da fase instrutória, em observância ao princípio do contraditório e ampla defesa. Desse modo, se a demanda ajuizada estiver sob o procedimento ordinário, a decretação da inversão do ônus da prova, se presentes os requisitos, deverá ocorrer no despacho saneador proferido pelo juiz, pois esta é a ocasião em que o magistrado fixa os pontos controvertidos. Por outro lado, se a ação estiver sob o procedimento sumário, a inversão do ônus deverá ser efetivada na audiência de conciliação prevista no artigo 278, do Código de Processo Civil, após a entrega da contestação.

Com efeito, este parece ser o melhor posicionamento, posto que sendo o instituto processual da inversão do ônus probante um facilitador à defesa do consumidor e, em consequência, onerar a defesa do fornecedor, revela-se mais justo que este tenha conhecimento, já que não existe uma certeza legal, se a incumbência do ônus da prova é sua ou não, antes que se realize a instrução e julgamento da lide, de modo a evitar que haja o cerceamento de seu direito de defesa.

A respeito do tema, a jurisprudência, em sua maioria, entende que a inversão do onus probandi em favor do consumidor deve ser efetivada antes da instrução e julgamento do feito.

“PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - CONSUMIDOR - NVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - MOMENTO OPORTUNO - INSTÂNCIA DE ORIGEM QUE CONCRETIZOU A INVERSÃO, NO MOMENTO DA SENTENÇA - PRETENDIDA REFORMA - ACOLHIMENTO - RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO.

- A inversão do ônus da prova, prevista no artigo 6º, inciso

VIII, do Código de Defesa do Consumidor, como exceção à regra do artigo 333 do Código de Processo Civil, sempre

deve vir acompanhada de decisão devidamente

fundamentada, e o momento apropriado para tal reconhecimento se dá antes do término da instrução processual, inadmitida a aplicação da regra só quando da sentença proferida.

- O recurso deve ser parcialmente acolhido, anulando-se o processo desde o julgado de primeiro grau, a fim de que retornem os autos à origem, para retomada da fase probatória, com o magistrado, se reconhecer que é o caso de inversão do ônus, avalie a necessidade de novas provas e, se for o caso, defira as provas requeridas pelas partes.

- Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, provido. (grifei).

(REsp 881.651/BA, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 10/04/2007, DJ 21/05/2007, p. 592)

No mesmo sentido, colaciono os seguintes arestos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de janeiro:

0477806-24.2012.8.19.0001 – APELACAO. 1ª Ementa. DES. ROBERTO GUIMARAES - Julgamento: 19/11/2013 - DECIMA PRIMEIRA CAMARA CIVEL. APELAÇÃO CÍVEL. RITO SUMÁRIO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ALEGA O AUTOR QUE TEVE O SEU FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA INDEVIDAMENTE SUSPENSO PELA RÉ. ALEGA, AINDA, A NEGATIVAÇÃO, TAMBÉM INDEVIDA, DE SEU NOME. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO AUTORAL. INCONFORMISMO. PRETENDE O DEMANDANTE A REFORMA DO JULGADO. DEPREENDE-SE DA LEITURA DOS AUTOS QUE A INSTÂNCIA DE ORIGEM SOMENTE APRECIOU (E INDEFERIU) O PEDIDO DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA, EXPRESSAMENTE FORMULADO PELO AUTOR (FLS. 7 E 12) NO MOMENTO DA PROLAÇÃO SENTENÇA. MANIFESTO CERCEAMENTO DE DEFESA. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E

DESTE TRIBUNAL. SENTENÇA ANULADA DE OFICIO. 1. "A

inversão do ônus da prova, prevista no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, como exceção à regra do artigo 333 do Código de Processo Civil, sempre

deve vir acompanhada de decisão devidamente

fundamentada, e o momento apropriado para tal reconhecimento se dá antes do término da instrução processual, inadmitida a aplicação da regra só quando da sentença proferida". (REsp 881.651/BA, Rel. Ministro HÉLIO

QUAGLIA BARBOSA, Quarta Turma, julgado em 10/04/2007, DJ 21/05/2007, p. 592) 2. "Acerca da inversão do ônus da prova, deve ser manifestada antes da sentença. Regra de instrução. Proibição da não surpresa. Deve ser resguardada à parte a possibilidade real de produzir a prova do fato constitutivo do seu direito. Cerceamento de defesa operado". (Apelação Cível nº 0173993-96.2011.8.19.0001 - TJRJ). 3. Registre-se que conforme se depreende dos autos, o pedido de inversão do ônus da prova formulado expressamente pelo Autor/Apelante às fls. 7 e 12 somente foi apreciado, e indeferido, no momento da prolação da sentença. 4. Saliente-se que uma vez requerida à inversão do ônus da prova, caberá ao magistrado, ao seu juízo, analisar o pedido, deferindo ou indeferindo-a, mediante decisão fundamentada (art. 93, IX, da CRFB/88). 5. Como visto acima, a análise de tal pedido deve ser feita o quanto antes, sendo imprescindível a sua realização antes do término da dilação probatória, de forma que as partes tenham conhecimento do ônus probatório de cada uma, evitando-se, portanto, violação à ampla defesa e ao contraditório. 6. O princípio da ampla defesa consiste em garantia, constitucionalmente assegurada no art. 5º, LV, da CRFB/88, de forma que a sua inobservância acarreta nulidade insanável, a qual pode ser decretada de ofício, a qualquer tempo ou grau de jurisdição. 7. Dessa forma, ante a existência de violação ao princípio da ampla defesa, acarretada pela inexistência de manifestação fundamentada do juízo "a quo" acerca do pedido de inversão do ônus da prova, mostra-se necessário decretar a nulidade da sentença alvejada. 8. Incidência do verbete n° 168, da Súmula deste Tribunal: "O relator pode, em decisão monocrática, declarar a nulidade de sentença ou decisão interlocutória". 9. Cerceamento de defesa evidente. Sentença que se anula de ofício. Recurso prejudicado. (grifei)

0450878-70.2011.8.19.0001 – APELACAO. 1ª Ementa. DES. ALCIDES DA FONSECA NETO - Julgamento: 02/07/2014 - VIGESIMA TERCEIRA CAMARA CIVEL CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. COBRANÇA INDEVIDA. SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTES OS PEDIDOS, SOB A FUNDAMENTAÇÃO DE QUE NÃO RESTARAM COMPROVADAS AS ALEGAÇÕES AUTORAIS. A apelante trouxe aos autos

documentos que comprovam o pagamento efetuado e as cobranças realizadas. Requerimento expresso de inversão do ônus da prova não apreciado na fase instrutória. A inversão

ope judicis não pode ocorrer quando do julgamento do

feito, a fim de respeitar os princípios do contraditório e da ampla defesa. Cerceamento de defesa caracterizado.

Anulação da sentença que se impõe. Recurso prejudicado. (grifei)

I) Ação de obrigação de fazer c/c indenizatória por danos materiais e morais. Falha na prestação de serviço. Sentença de improcedência.

- II) Indeferimento da inversão do ônus da prova apenas na

sentença. Impossibilidade. Cerceamento de defesa caracterizado.

- III) Sentença anulada. Recurso Provido liminarmente. Art. 557, § 1º-A, CPC.

(Apelação Cível nº 0001945-96.2008.8.19.0079 – Relator: DES. PAULO MAURICIO PEREIRA - Julgamento: 05/07/2011 – 4ª C.C.) (grifei)

“AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM DECLARATÓRIA E INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS DIREITO DO CONSUMIDOR - INSTÂNCIA DE ORIGEM QUE

SOMENTE APRECIOU O PEDIDO DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO MOMENTO DE PROLATAR A SENTENÇA

IMPOSSIBILIDADE - CERCEAMENTO DE DEFESA

CARACTERIZADO - PRECEDENTES DO SUPERIOR

TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTE TRIBUNAL. "A inversão do ônus da prova, prevista no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, como exceção à regra do artigo 333 do Código de Processo Civil, sempre deve vir acompanhada de decisão devidamente fundamentada, e o momento apropriado para tal reconhecimento se dá antes do término da instrução processual, inadmitida a aplicação da regra só quando da sentença proferida". Sentença cassada de ofício. Incidência do verbete n° 168, da Súmula deste Tribunal. Recurso prejudicado.

(APELAÇÃO CÍVEL 0152177-29.2009.8.19.0001 RELATORA: DES. MARIA HENRIQUETA LOBO - Julgamento: 20/09/2011 - SETIMA CAMARA CIVEL) – (grifei)

Assim, de acordo com a jurisprudência supracitada, cabe ao magistrado dar a devida oportunidade às partes para propiciar todos os meios de prova, sob pena de cerceamento de defesa. Desta forma, o momento adequado para inversão do ônus da prova é na fase de saneamento do processo.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, inclusive, editou a Súmula nº 91, a respeito do tema, que ora transcrevo:

DIREITO DO CONSUMIDOR INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA DETERMINAÇÃO NA SENTENÇA IMPOSSIBILIDADE

PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

A inversão do ônus da prova, prevista na legislação consumerista, não pode ser determinada na sentença.

Referência : Súmula da Jurisprudência Predominante nº 2005.146.00006 - Julgamento em 10/10/2005 - Votação: unânime - Relator: Desembargador Silvio Teixeira - Registro de Acórdão em 29/12/2005 - fls. 011317/011323.

Destarte, a declaração pelo Juiz da inversão do ônus da prova somente na sentença afasta qualquer possibilidade de reação do fornecedor, uma vez que, em grau de recurso, não seria mais possível a produção de prova e, fatalmente o resultado lhe seria desfavorável, mitigando os princípios do contraditório e ampla defesa assegurado às partes.

Existem, ainda, doutrinadores que entendem que é na sentença o momento correto para que ocorra a inversão do ônus da prova. Nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco (2001, p.81), “o momento adequado à inversão judicial do ônus da prova é aquele em que o juiz decide a causa”.

Os defensores desta corrente, consideram a inversão do ônus da prova como regra de julgamento, razão pela qual aplicação da inversão deve ocorrer na fixação da sentença. Sustentam que, através da leitura do artigo 6º, inciso VIII, do CDC, o fornecedor tem plena ciência de que, em tese, as regras do ônus da prova serão invertidas, na hipótese de o juiz considerar verossímeis as alegações do autor ou se for demonstrada sua hipossuficiência, motivo pelo qual não pode o fornecedor alegar surpresa.

Entretanto, diferentemente do que ocorre na doutrina, e de acordo com os arestos acima colacionados, verifica-se que a jurisprudência não se encontra tão dividida, havendo um entendimento preponderante de que o momento adequado para decretar a inversão do ônus da prova é antes do término da instrução probatória.

CONCLUSÃO

Através do presente trabalho, podemos concluir que o direito à prova é indispensável à instrumentalização processual. Isso porque, através da produção da prova, as partes podem demonstrar a ocorrência ou não dos pontos controvertidos de fatos considerados relevantes, para o julgamento de uma demanda. Ademais, é fundamental para a consecução de uma prestação jurisdicional adequada, uma vez que permite as partes provar suas alegações trazidas em juízo, de modo a garantir a efetividade do processo.

Como é cediço, a regra geral em relação ao ônus da prova, encontra-se definida no artigo 333, do CPC, encontra-segundo qual incumbe ao autor provar o fato constitutivo de seu direito e ao réu a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Assim, cabe a cada parte comprovar o fato que lhe seja pertinente.

Ocorre que, o Código de Defesa do Consumidor reconhecendo que o consumidor é a parte mais fraca da relação de consumo, posto que encontra-se em patente desvantagem em relação ao fornecedor, estabeleceu a facilitação da defesa dos direitos desse sujeito vulnerável.

Assim, a fim de estabelecer o equilíbrio entre as partes na relação de consumo, com base na vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor, a Lei 8.078/90 inovou ao estabelecer em seu artigo 6º, inciso VIII, a possibilidade de o juiz inverter o ônus da prova.

Para ocorrer a inversão do ônus da prova ope judicis se faz necessário a verossimilhança das alegações do autor ou sua hipossuficiência. Desta forma, diante de uma relação de consumo, presentes um dos pressupostos legais, o juiz não pode deixar de aplicar a inversão do ônus da prova, que é um

direito público subjetivo do consumidor e dever imposto ao juiz, face a natureza da ordem pública e interesse social das normas do CDC.

Como já visto, a inversão do ônus da parte na relação de consumo pode ocorrer em três momentos, no despacho inicial, no despacho saneador e na sentença.

Podemos concluir que o momento processual adequado para que ocorra a inversão do ônus da prova é antes do início da instrução da causa. Isso porque, sendo o instituto processual da inversão do ônus probante um facilitador à defesa do consumidor e, por onerar a defesa do fornecedor, revela-se mais razoável e justo que este tenha conhecimento de que a incumbência do ônus da prova é sua, antes do julgamento da lide, em respeito ao contraditório e ampla defesa, além de evitar que haja o cerceamento de seu direito de defesa.

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