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2. Ética da vida

2.2 O momento moral-formal

O princípio universal formal moral compreende a comunidade de sujeitos todos eles com os direitos paritariamente respeitados, dentre os quais o direito à fala, ao discurso, ao ponto de vista responsável, posto que todos na comunidade são afetados pelas situações comunitária e subjetivas de opressão ou libertação. É a partir, portanto, da responsabilidade intersubjetiva pela vida humana que esta será produzida, re-produzida e desenvolvida comunitariamente.

Assim como a produção, a reprodução e o desenvolvimento da vida se dão desde que seja considerado o momento material, também a argumentação é aqui necessária, sem o quê não será possível o desenvolvimento da vida comunitário-crítica com justiça e ética, com liberdade e estética. Uma ética que anseia pela universalidade e pela libertação exige a comunicação ético-crítica de todos e todas. O princípio universal formal da Ética da

Libertação compreende, pois, que somente em comunidade e tendo o direito à “voz e vez”

72 “(...) a razão é apenas a ‘astúcia da vida’ do sujeito humano”. De tal forma que os fundamentos éticos (e estéticos) não podem ter sua gênese e sua finalidade na razão, mas nas vidas concretas e concretizadas dos sujeitos. (Dussel, 2002: 94)

73 Corresponde ao momento da validade formal dos acordos feitos em/ma comunidade ético-crítica: é “(...) procedimental, da validade moral intersubjetiva e comunitária, que se cumpre a partir da simetria dos participantes afetados; é o âmbito do exercício da razão discursiva referente a enunciados normativos com pretensão de validade universal.” (Ibidem: 238)

48 respeitado será possível uma ética que queira ser crítica:

Quem argumenta com pretensão de validade prática, a partir do reconhecimento recíproco como iguais de todos os participantes que por isso mantêm simetria na comunidade de comunicação, aceita as exigências morais procedimentais pelas quais todos os afetados (afetados em suas necessidades, em suas conseqüências ou pelas questões eticamente relevantes74 que se abordam) devem participar facticamente na

discussão argumentativa, dispostos a chegar a acordos sem outra coação a não ser a do argumento melhor, enquadrando esse procedimento e as decisões dentro do horizonte das orientações que emanam do princípio ético-material já definido75. (DUSSEL, 2002: 216)

É o princípio que exige que todos os envolvidos e afetados em todas as instâncias76

tenham reconhecidos os seus direitos à fala e tenham reconhecidas as suas falas e, ainda mais, trata-se de uma fala comprometida com a situação coletiva: fala-se porque é exigido que se fale; não é possível calar-se quando se con-vive.

Diferentemente dos procedimentos da Ética do Discurso77, os quais priorizam o discurso diante do princípio ético-material e se dão no interior de uma comunidade de comunicação auto-referente, sem espaço para o discurso dos excluídos, que não têm direito à comunicação78, a Ética da Libertação exige que a própria comunidade vitimada pela hegemonia do princípio ético vigente, consensual e criticamente79, construa o discurso a

74 “O ‘critério de relevância’ – inexistente na ética do Discurso – é o critério de verdade: é mais relevante o que mais se aproxima das exigências peremptórias da produção, reprodução e desenvolvimento da vida humana de cada sujeito ético”, afirma Dussel (2002: 236 – nota 310)

75 Neste trabalho, nas linhas anteriores. 76 Comunitárias, humanas, da vida, enfim.

77 Crítica a Karl-Otto Apel e Jürgen Habermas (Ibidem: 182-203). 78

Neste sentido é que, por exemplo, na discussão em torno de um Estatuto do Índio, de uma política de saúde indígena, de uma política educacional indígena etc., no Brasil, constantemente ocorre que os indígenas, as comunidades essencialmente afetadas pelo discurso, não estão presentes. Não só o discurso é auto-referente como os principais afetados são excluídos do discurso. Tal coisa fere o princípio ético formal, da Ética da

Libertação, na medida em que os mesmos discutem as práticas necessárias para os mesmos. “(...) deve-se ter consciência de que é necessário reconhecer cada ‘participante’ [no nosso caso, o indígena é participante por ser afetado] como sujeito ético dis-tinto (não só igual), como outro que o sistema auto-referente: outro que todo o resto, princípio sempre possível de ‘dissenso’ (ou origem de novo discurso). Esta possibilidade do ‘dissenso’ do outro é um permitir-lhe ‘participar’ na comunidade com o direito à ‘irrupção’ fáctica desse outro como novo outro, sujeito dis-tinto de enunciação.” (2002: 418)

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Assim Dussel inicia o Quinto Capítulo de sua Ética da Libertação: “Esta é uma ética da vida. A consensualidade crítica das vítimas promove o desenvolvimento da vida humana. Trata-se, então, de um novo critério de validade discursiva, a validade crítica da razão libertadora.” (Ibidem: 415). É compreendendo este

49 partir das vítimas, dos excluídos, levando em consideração sempre a necessidade de irrupção do outro (também afetado) que não a própria comunidade. Daí que a primeira pergunta que uma comunidade de comunicação deva fazer para si mesma e sempre seja: “a quem estamos excluindo?”, afirma Enrique Dussel (2002: 417)

Por fim, também a Ética da Libertação não poderá ser uma bula, um receituário, mas uma “consensualidade crítica das vítimas”. Não será também o discurso a partir das relações simétricas, posto que não há simetria real, mas apenas formal, e posto que o próprio sujeito ético-crítico será dis-tinto; do contrário, não haverá diá-logo, mas representatividade simples, e a ética não será crítica, mas uma mera ética discursiva.80

Não poderá ser nem a adaptação do sujeito a um argumento, momento, conceito ou regimento ético universal, a-criticamente, nem apenas a sua assinatura no “abaixo- assinado” da comunidade em favor ou contra algo que ele (o sujeito ético) sequer sabe do que se trata, o que também será a-criticamente.

Somente será possível a Ética da Libertação com o reconhecimento do sujeito ético-crítico individual e coletivo (dis-tintos), numa afirmação positiva de seu próprio ethos (individual e cultural).

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