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Um outro desafio para as explicações políticas da tributação é o de conciliar as tradicionais variáveis encontradas na literatura de políticas públicas com a noção de tax morale e de cumprimento voluntário das normas (voluntary compliance), algo central para um sistema de tributação moderno e eficiente. Pensar sobre tax morale e voluntary compliance significa pensar também sobre questões como a legitimidade política e o apoio político.

Tax morale pode ser definida como a “motivação intrínseca

para pagar tributos” (Bird et al., 2004), conceito que tem sido muito utilizado na literatura sobre tributação, principalmente porque uma tax morale mais alta está associada a um pagamento voluntário de tributos (voluntary compliance) também maior. Enquanto em épocas passadas os governos poderiam se apoiar em táticas coercitivas para levantar receitas, numerosos pesquisadores apontaram que um sistema tributário moderno, eficaz e eficiente requer algum grau de cumprimento espontâneo das normas tributárias, uma vez que reduziria os custos de monitoramento e coerção do Estado (FJEDSTAD, 2001; LEVI, 1998; LIEBERMAN, 2001).

Essas noções de relações cooperativas entre o Estado e a sociedade e a voluntary compliance, apesar de central para a literatura sobre tributação, permanece subteorizada e pouco testada. De forma geral, há três correntes dentro dessa literatura que ainda não foram bem exploradas. A primeira delas diz que é a percepção de justiça do próprio sistema tributário que importa; outra afirma que é a popularidade da administração no poder o

fator crítico; e a última sugere que a legitimidade do sistema político como um todo é o que prevalece ao se verificar a

voluntary compliance dos contribuintes.

Um teste rigoroso requereria medidas para cada uma dessas alternativas, de maneira a testá-las de forma separada para verificar qual delas carrega o maior poder explicativo (TORGLER, 2007, p. 64-65).

A primeira corrente da literatura sugere que a percepção de justiça e de transparência no sistema tributário importa mais do que a percepção geral da legitimidade do sistema político. A justiça, por sua vez, é muitas vezes uma função da equidade horizontal e vertical do desenho do sistema tributário, da capacidade do Estado em limitar o free-riding29 e do peso da carga tributária em relação aos bens e serviços proporcionados.

Em outras palavras, se o sistema proporciona favores tributários a grupos de interesses específicos, falha em punir sonegadores tributários, não proporciona uma divisão equitativa ou progressiva da carga tributária, ou está marcada por corrupção; os contribuintes estariam até menos propensos a pagar de forma voluntária ou a permanecer dóceis politicamente (LEWIS, 1982, p. 47). Nesse sentido, a voluntary compliance tende a ser menor, na medida em que o sistema tributário é pouco transparente, não

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Para a economia e a ciência política, free riders são aqueles que consomem mais do que a justa parte de um recurso, ou que suportam menos do que deveriam de seus custos de produção. O problema do free rider envolve basicamente a questão de como se evitar que ele aconteça, ou pelo menos de limitar seus efeitos negativos. Já que a noção de justiça é algo controverso, o free riding só é visto como um problema econômico quando provoca uma não produção ou uma sub-produção de um determinado bem público, e daí ao que se denomina de ineficiência de Pareto, ou quando leva a um uso excessivo de um bem coletivo. Um exemplo bastante comum do problema do free rider é o das despesas com a defesa de um país: ninguém pode ser excluído de ser defendido pelas forças militares de seu país, e daí que os free riders podem recusar-se ou deixar de pagar pelo fato de estarem sendo protegidos, mesmo que estejam tão bem protegidos quanto aqueles que contribuem para os esforços de defesa. Por conseguinte, é comum que os governos não fiquem restritos, nesse caso, a doações voluntárias, impondo tributos e, em muitos países, o serviço militar obrigatório.

empreende medidas antissonegação nem oferece um código de defesa dos contribuintes.

De uma maneira geral, os argumentos que veem a voluntary

compliance, primariamente, como uma função da justiça do sistema

tributário sugerem a necessidade do componente informacional da tributação – quanto mais transparente, justo e confiável parece ser um sistema tributário, aumenta a probabilidade de uma tax

morale maior. Na verdade, uma dependência maior em ear-marked taxes (tributos cuja arrecadação tem um destino certo),

característica dos sistemas tributários em países em transição, pode ser vista como uma tentativa dos governos em aumentar tanto as receitas como a percepção de justiça do sistema tributário, associando diretamente a arrecadação tributária aos gastos públicos30.

Outros estudos sugerem que o que mais importa na explicação para uma dependência de um país na tributação, mais especificamente na tributação direta, é o apoio político dos contribuintes em relação a uma administração particular que faz a proposta. Níveis elevados de apoio político normalmente acontecem logo após as eleições, quando a recém-eleita (ou reeleita) administração tem um mandato. Por exemplo, Mahon (2004) concluiu que reformas tributárias de vulto e politicamente conflituosas são mais prováveis de passar imediatamente após a chegada ao poder de uma nova administração. Quanto mais tempo estiver no poder, menos provável uma administração será capaz de fazer passar uma grande reforma.

Finalmente, Levi (1988), Lieberman (2003) e Fauvelle-Aymar (1999) acreditam que a voluntary compliance está fortemente

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De uma forma parecida, um argumento que vem avançando na explicação para uma baixa arrecadação de tributos diretos em países em transição é que o seu vasto setor informal acaba por empurrar a carga tributária para os empregados das grandes empresas ou do setor público, já que eles não têm opção de fuga (TOYE, 2000; BIRD; ZOLT, 2005).

associada às relações cooperativas Estado-sociedade e à percepção de legitimidade dos governos. Numa variação dessa lógica, Lieberman (2003) argumenta que o sucesso na reforma tributária vai depender se o Estado tem relações adversárias ou cooperativas com a sociedade.

De acordo com Lieberman (2003, p. 59), se um Estado tem relações de cooperação com a elite, pode depender de apenas alguns tributos, e mais de tributos diretos, enquanto um Estado que mantém uma relação adversária vai requerer uma multiplicidade de bases tributárias e níveis maiores de ilusão fiscal31.

Fauvelle-Aymar (1999, p. 398-399) sugere que a voluntary

compliance por parte dos contribuintes deveria ser vista como uma

função da percepção do povo acerca da legitimidade, da eficiência e da credibilidade do governo. A voluntary compliance e, consequentemente, as receitas tributárias tenderiam a ser maiores quando os contribuintes aceitam a autoridade política (legitimidade); quando o governo proporciona benefícios para os cidadãos em troca da tributação (eficiência) e quando as ações governamentais são previsíveis e duráveis (credibilidade).

Apesar dessa linha teórica ser bem difundida na literatura, ela se depara com dificuldades inerentes à sua operacionalização, pois nada mais é do que uma mensuração da legitimidade de um regime, o que é notoriamente um conceito difícil de aferir. As melhores medidas poderiam ser dadas a nível micro, como as atitudes em relação ao sistema político, ao sistema tributário e à administração corrente antes de um processo de reforma tributária,

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Lieberman (2003) argumenta que as alianças raciais entre o Estado e as elites econômicas na África do Sul estabeleceram o fundamento para a tributação sobre a renda ali: “A construção de uma união racial na África do Sul levou a níveis elevados de solidariedade inter e intraclasses, o que, por sua vez, motivou os grupos mais abastados a pagar, enquanto uma federação oficialmente não racial como o Brasil levou a uma polarização interclasse, a uma fragmentação intraclasse e, finalmente, a uma resistência ao pagamento”.

mas tal medida é compreensivelmente difícil de coletar tanto entre países como longitudinalmente.

Fauvelle-Aymar (1999) utiliza medidas macro, como a taxa anual de protestos contra o governo para aferir a legitimidade governamental e a frequência de golpes como medida de eficiência, encontrando uma relação estatisticamente significante.

Outra variante da teoria sugere que a tax morale e a

voluntary compliance tendem a ser maiores em Estados

corporativistas e onde sindicatos e associações comerciais negociam diretamente com o Estado – indicação de uma relação Estado-sociedade mais cooperativa. Numa análise sobre reforma tributária na Polônia durante a transição para a economia de mercado, Easter (2002, p. 600) observou que o governo polonês conseguiu implementar um imposto sobre a renda das famílias, tratando diretamente com os sindicatos, que então encorajaram seus membros a cumprirem o acordado.