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2.3 O Sistema Metafórico da Moralidade

2.3.5 Moralidade da família

As responsabilidades morais definidas pela hipótese da hierarquia da autoridade moral estão inscritas nos princípios morais da família. Lakoff e Johnson (1999) argumentam que, ao sistema moral, integram-se os fundamentos de que as crianças têm direitos e seus pais têm a responsabilidades com a criação das mesmas. Eximir-se desse dever é uma ação imoral.

Levantando o questionamento sobre onde está o ponto central que une todas as metáforas da moralidade, os estudiosos apontam o modelo de família como locus provedor das metáforas do sistema moral.

Para justificar essa hipótese, recorrem à investigação de dois modelos idealizados de família, cada sendo orientada por diferentes preceitos morais: a moralidade da família do pai

severo e a moralidade da família do pai cuidadoso.

Lakoff e Johson (1999, p. 313) explicam que, na circunstância de família de pai severo, o pai é a autoridade moral absoluta, consequentemente, ele impõe regras morais as quais devem ser obedecidas por todos os membros da família. Em caso de obediência dos filhos, gratificação; do contrário, punição.

Como responsabilidade moral, o pai severo prioriza a força moral; o cuidado e o carinho são subservientes a ela. Tem a função de sustentar e proteger a família. Cabe à mãe criar os filhos respeitando a autoridade do pai.

No modelo de família de pai carinhoso, imperam o apoio e o cuidado incondicional aos filhos. As crianças não obedecem por medo da ameaça da punição, mas porque aprendem a amar e respeitar seus pais. Aqui, os pais podem ser questionados pelos filhos.

Desse modo, com base em Lakoff (1995, p.16), podemos resumir da seguinte forma as prioridades morais nas perspectivas do pai severo e pai carinhoso, vejamos:

PAI SEVERO PAI CUIDADOSO

1 º Complexo de força --- 1º Complexo de cuidado 2º Complexo de cuidado --- 2º Complexo de força

Assumindo, em seus pressupostos, a família como fonte experienciável para a emergência das várias metáforas do sistema moral, Lakoff e Johson (1999, p. 317) levantam mais uma metáfora da moralidade; a metáfora da família do homem, na qual a humanidade

é evidenciada como parte de uma grande família. Essa metáfora pode ser esquematizada pelos seguintes mapeamentos:

Família --- Toda humanidade Cada criança --- Cada ser humano

Relações morais da família --- Relações morais universais Autoridade moral da família --- Autoridade moral universal Proteção da família --- Proteção moral universal

Integrada ao sistema de metáforas morais, a metáfora da família do homem mapeia, entre outros aspectos, a figura de um pai, decorrendo daí, alguns candidatos a pai da família do homem. Pela perspectiva religiosa, Deus desponta como pai da humanidade, repercutindo a metáfora DEUS É PAI, sobre quem, consecutivamente, recaem algumas das posições dispostas até aqui, especialmente no tocante à força moral, autoridade moral,

ordem moral e cuidado moral evocadas na figura paterna situada dentro de algum dos modelos idealizados de pai já observados por nós.

Considerando essa conjuntura que envolve uma série de elementos que concorrem à estruturação da metáfora DEUS-PAI, os autores lançam alguns direcionamentos para a explicação desse conceito metafórico pelo viés da hipótese do sistema moral.

Nesse sentido, Lakoff e Johnson (1999, p. 318) argumentam que, dentro da categoria religião, Deus, enquanto pai, é tomado como a autoridade moral suprema. Imbuído da autoridade moral de pai-severo da humanidade, DEUS-PAI SEVERO estabelece as regras que devem ser obedecidas pelos seus filhos (os homens). Estes, por sua vez, ao obedecer à doutrina (Leis Divinas), recebem recompensas que lhes trazem bem-estar. Caso caiam na imoralidade da desobediência (Pecado), Deus faz uso de sua força moral para puni-los com castigos. Na condição de Pai severo, com base na contabilidade moral, configura-se como um juiz avaliando cada ato imoral dos filhos, advindo que, “No julgamento final, Deus vai punir os maus e recompensar o moralmente bom e obediente”23 (Ibid, 318).

Lakoff e Johnson (1999) ressaltam também que do modelo de pai severo advém a definição “Deus todo-poderoso”.

Por outro viés, a concepção de Deus construída a partir do modelo de pai cuidadoso (protetor), conforme as proposições dos autores, exime a dicotomia recompensa versus punição. Na relação com os filhos (toda a humanidade), dá-se prioridade ao amor e carinho dispensados incondicionalmente. Nesse quadro, emergem expressões metafóricas como: Deus

todo-amoroso, Deus todo-misericordioso. Expressões reveladoras da metáfora DEUS É

AMOR. Na tradição cristã, Jesus é a prova do amor de Deus para com os homens, ele foi capaz de sacrifica-se para redimir a humanidade (LAKOFF; JOHNSON, 1999).

Os autores salientam, ainda, para o fato de que os modelos de pai severo e pai cuidadoso não dão conta de todas as concepções de pai. Embora sejam dados como modelos prototípicos, há uma gama de variações e misturas entre modelos de pai (Ibid, p. 316-17). Assim como mãe, o modelo de pai se configura como uma rede de modelos variados conectados entre si constituindo uma categoria radial, lançando, portanto, uma variedade de significações. Retomando o exposto por Lakoff (1987) a respeito da radialidade conceitual do termo mãe, já que, também experienciamos socialmente a figura paterna em perspectivas diferentes, podendo, assim, além de pai severo ou pai cuidadoso, conceptualizar-se como pai genitor, pai adotivo e pai de criação.

É importante dizer que o delineamento teórico esboçado aqui a respeito dos Modelos Cognitivos Idealizados e da hipótese do Sistema Metafórico da Moralidade suscitados por Lakoff e Johnson (1999), constituem um importante conjunto de dispositivos analíticos a serem acionados à investigação sobre a estruturação do sentido de diversos termos.

Os pressupostos desses pesquisadores têm se mostrado bastante produtivos à análise conceitual no âmbito da semântica cognitiva, inclusive fomentando a extensão da teoria a partir do trabalho de outros estudiosos. A título de exemplo, citamos as hipóteses da radialidade da categoria religião e do modelo materialista, tratados por Feltes (2007). Discorreremos suscintamente sobre esses estudos no item a seguir.

3 DESDOBRAMENTOS TEÓRICOS E ALGUMAS CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO DISCURSO RELIGIOSO

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