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CAPÍTULO 3 – Cerâmicas e religião

3.4 Morfologia

Com base em todas as análises acima descritas, inferiu-se que há, ao menos, 230 indivíduos na coleção da PCB. Esse estudo foi necessário pelo fato de que a praça é constituída, em quase sua totalidade, por camadas de aterro sobrepostas, as quais podiam já conter materiais da área de onde eram oriundas – principalmente em casos de sedimentos reutilizados de alguma obra em área urbana. Além disso, devido a arborização da praça por espécies de grande porte, suas raízes são responsáveis por deslocar o material em sub-superfície, afastando fragmentos que seriam oriundos de uma mesma peça.

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Gráfico 2: Quantidade de fragmentos e indivíduos cerâmicos por sondagem

* Mon.: Material recolhido durante o monitoramento das obras

* Dup.: Indivíduos que os fragmentos foram identificados em mais de uma sondagem

Desses 230 indivíduos foi possível inferir o formato original de 109 deles (restando 121 não identificados). As formas puderam ser atribuídas principalmente naqueles casos em que havia a presença de borda ou base com parte do corpo. Porém, assim como no caso das louças, os objetos estavam muito fragmentados e em alguns casos nada mais restava do que um único fragmento de bojo ou de base. Maior detalhamento sobre cada um desses indivíduos de forma identificada pode ser visto no Anexo 1.

Através da medição do diâmetro de borda ou base (ou ambos, quando fosse possível) e da espessura média dos fragmentos dos indivíduos, bem como pela análise da morfologia de base, borda e lábio, foi possível inferir sobre o formato original de alguns dos fragmentos. Para definição de morfologia de base, boca e lábio, foram utilizados como suporte modelos apresentados por Chmyz (1976), o qual apresenta uma listagem de possibilidades morfológicas auxiliadas por esboços ilustrativos. 0 10 20 30 40 50 60 70 1.1 1.4 1.5 2.3 3.1 3.2 3.5 4.2 4.3 4.4 5.2 5.3 5.4 6.3 6.4 6.5 6.6 7.3 7.4 7.5 7.6 M on .* T1 T2 T3 D up .* Indivíduos Fragmentos

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Gráfico 3: Forma original de 109 indivíduos.

Numa rápida observação, podemos assumir que pelo menos 72 objetos estariam diretamente ligados a alimentação, são suas formas: bacia, bule, caçarola, fôrma, garrafa, jarra, malga, panela, prato e tigela. Embora os casos de bacias e tigelas devam ser analisados caso a caso, uma vez que a não presença de esmalte interno pode delegar a eles outras funções que não de uso culinário.

Abaixo serão descritos algumas das formas identificadas e seus possíveis usos.

Bacia e tigela: Bacias e tigelas são utensílios de uso e forma bastante similar, sua diferença consiste basicamente na curvatura da peça e, em muitos casos, os termos são tratados como sinônimos. Na coleção aqui analisada somam-se 21 bacias, com diâmetro de boca médio de 24cm, e 10 tigelas com diâmetro médio de boca de 16cm. A distinção entre as duas formas, além do diâmetro da abertura, se deu da seguinte maneira: bacias com fundo levemente curvo e tigelas com fundo mais plano. Nos dois casos os vasilhames apresentam diâmetro da boca maior que da base e corpo extrovertido, com borda reta em relação a este.

Estes objetos apresentam uso genérico, podendo estar associado a alimentação (preparar, cozinhar, servir), decoração ou mesmo religião. Duas bacias aqui analisadas apresentavam, no esmalte interno, bolinhas provenientes da

21 1 2 1 4 3 10 4 10 2 4 6 10 25 4

106 utilização da peça em fogo de altas temperaturas, ao mesmo tempo em que possuíam marcas de queima e depósitos carbônicos em sua parte externa. O que indica que eram utilizadas como panelas. Fora estes dois casos, outros 12 indivíduos apresentaram esmalte em sua face interna (mas não na externa), sendo possível associar seu uso também a alimentação.

Vaso: Foram identificados, ao todo, 25 vasos. O diâmetro médio de borda que eles apresentaram foi de 15cm. Devido à presença de um furo de fabricação nas bases desses vasos, sugere-se que sua função seja o acondicionamento de flores e plantas. Estes furos são utilizados para escoar o excedente de água despejado na terra quando a planta ali existente é regada. Evidente que nenhum deles possuía esmalte interno, apenas alisamento e, em sete casos, observou-se engobo na superfície interna. Como será visto mais adiante, a presença deste tipo de vasilha na PCB pode não estar necessariamente associada ao cultivo de plantas, mas a rituais de religiões de matriz africana.

Figuras 41 e 42: A esquerda, esboço genérico de vaso de flor; a direita, vaso de flor proveniente da

sondagem 2.3. Autora: Letícia Maciel, 2017.

Jarra: Ao menos 10 jarras foram identificadas na coleção. Sua presença é especialmente interessante se levarmos em conta que, conforme visto no Capítulo 2, nenhuma jarra de louça foi identificada na amostra de louças selecionadas e, quando não adquirido de forma avulsa, este utensílio só estaria presente em jogos de jantar

107 de 125 peças. Apenas três, dos 10 indivíduos, possuíam esmalte em sua face externa, os demais eram apenas alisados ou com engobo.

Figura 43: Fragmentos de uma mesma jarra com esmalte externo. Autora: Letícia Maciel, 2017. Panela: Utilizadas diretamente no fogo, ao menos cinco delas (de 10) possuíam esmalte interno, indicando possível uso para cozimentos com líquidos. Os demais indivíduos sem esmalte tiveram uso inferido inicialmente devido às marcas de queima em seu fundo e porção inferior e também a partir do formato da borda (ver no desenho abaixo), a qual, a partir de Chmyz (1976), pode ser definida como introvertida (com diâmetro médio de abertura de 17cm) e expandida.

Em panelas esmaltadas foi possível observar marcas de raspagem contínua e frequente de objetos contra esmalte, de forma circular contra a base e as laterais, o que se supõe que tenham sido de colheres utilizadas ao longo do preparo dos alimentos. Em dois casos, no esmalte formaram-se bolinhas provenientes da utilização da peça em fogo de altas temperaturas.

Figuras 44 e 45: A esquerda, esboço genérico de panela; a direita, panela com esmalte interno. Autora:

108 Quartinha: Quartinhas são objetos não esmaltados e de uso geralmente associado à religião. Foram encontradas seis dessas formas. Conforme nomenclatura proposta por Chmyz (1976), quartinhas poderiam ser classificadas como vasos de contorno complexo.

Figuras 46 e 47: A esquerda, esboço genérico de quartinha sem tampa; a direita, fragmento de

tampa de quartinha em detalhe. Autora: Letícia Maciel, 2017.

Fôrma: Apenas quatro fôrmas foram identificadas e nenhuma delas possuía esmaltação. Duas delas, provavelmente oriundas de um mesmo fabricante devido ao tipo de queima que sofreram em sua manufatura e também ao tipo de pasta, possuíam números em baixo relevo gravados em sua porção inferior, são eles: “1” e “2”. É possível que estes números estejam associados ao tamanho das fôrmas.

Figuras 48 e 49: A esquerda, fôrma de bolo; a direita, números 1 e 2 gravados nas fôrmas. Autora:

109 Malga: Identificada principalmente devido à base em pedestal, esta forma também foi identificada nas louças. Trata-se de uma pequena cumbuca de uso geral, podendo ser utilizada tanto no preparo dos alimentos quanto para servi-los, sendo ainda possível utiliza-la para ingerir caldos e sopas. Das quatro malgas identificadas na coleção, uma delas apresentava bolinhas no esmalte decorrentes de uso contínuo em fermentação. O que poderia indicar que ela estivesse sendo utilizada como panela.

Figura 50: Esboço genérico de malga. Autora: Letícia Maciel, 2017.

Garrafa: Foram identificadas apenas três garrafas em toda coleção. Apesar de se caracterizarem como recipientes para armazenamento e transporte de água, nenhum dos três indivíduos possuía esmaltação interna. Isso provavelmente se dê porque a parte interna das garrafas é visualmente inacessível, o que explica o acabamento grosseiro delas, conforme imagem abaixo:

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