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PARTE I: (RE)CONHECENDO AS PEÇAS DO MOSAICO

CAPÍTULO 2. CONCEITOS DA PESQUISA

3. C OOPERAÇÃO E C ONFLITO : EM BUSCA DE ENTENDER AS RELAÇÕES SOCIAIS DAS MICRO E PEQUENAS

3.4. Um mosaico de teorias

Apegar-se a uma teoria é como escolher uma lente para olhar a realidade. Portanto, com o intuito de diversificar as lentes através das quais observa o campo empírico, foram levadas em conta várias teorias, mais ou menos convergentes. As teorias abordadas, quando postas em diálogo, conformam um mosaico interpretativo, mostrando que as relações sociais de cooperação e de conflito operam em contexto que as emulam e limitam. Tal contexto é formado por uma diversidade de questões intercomunicantes:

• Normativo-legais — um arcabouço formal de regras que permitem e proíbem determinadas atuações, sujeitando os transgressores à penalidade legal;

• Regras sociais — regras delineadas, muitas vezes informalmente, que comunicam o que é moral e socialmente aceito naquele contexto, bem como formas de punição aos desvios;

• Histórico-sociais — compreende os laços historicamente construídos que ligam as pessoas entre si e a determinados locais, conformando posturas sociais e regras;

• Estratégicas — no âmbito empresarial, compreende o arcabouço racional que permite à organização atingir seus objetivos de sobrevivência ou expansão por meio de suas relações e maximizar sua utilidade enquanto atende a seus interesses gerenciais; • Características e valores pessoais — não somente o interesse e a racionalidade estão

presentes nas relações sociais, mas também escolhas valorativas e ligadas às características e às escolhas do sujeito.

Cada teoria abordada, entendida como uma peça na composição do mosaico teórico do trabalho, mostra contribuições e limitações.

A Teoria dos Jogos oferece uma abordagem interessante para interpretar a coexistência entre cooperação e conflito. Dentro dessa perspectiva a cooperação surge como uma saída para o conflito, em que as utilidades individuais são maximizadas, encontrando uma solução ótima para cada envolvido. Um dos elementos mais interessantes que emerge com essa teoria é a consideração da reciprocidade – e não necessariamente da confiança – e das interações repetidas como fundamentais para emergir a cooperação entre indivíduos. Contudo, a teoria oferece limitações, tais como: a falta de informações perfeitas do mundo real; as possibilidades de coalizão; os jogos se darem com uma enorme multiplicidade de atores, no lugar de apenas dois; os interesses não serem sempre claros para os indivíduos, e a falta de consideração de quaisquer outras motivações que não os interesses racionais. Ademais, mostra que os resultados ótimos para os indivíduos podem ser diferentes dos resultados coletivos considerados ótimos, o que afeta diretamente a preocupação com resultados favoráveis à sustentabilidade.

A Teoria da Ação Coletiva de Olson (1999) contribui sobremaneira, ao oferecer uma análise de problemas que indivíduos enfrentam para cooperar ou encarar o conflito de modo organizado e alcançar benefícios coletivos. Contribui para a abordagem do trabalho, ao considerar que a existência do free rider e os tamanhos de grupos afetam as relações sociais. Interessante pensar que as MPE formam um grupo grande, logo, com dificuldades e poucos recursos para pressionar outros a participarem por meio da seletividade dos benefícios. Isso fica dificultado em face dos resultados favoráveis à sustentabilidade, considerados como difusos ou coletivamente partilhados pelas empresas, comunidades e outros atores. Contudo, uma das limitações da teoria é a consideração exclusiva do mesmo pressuposto da Teoria dos Jogos: a completa racionalidade dos indivíduos no que diz respeito à maximização de seus interesses.

A Teoria das Instituições contribui para esta pesquisa ao discutir regras e normas na

regulação das relações sociais, complementares ao Estado e alternativas ao mercado,

quando entendido no sentido restrito das células empresariais isoladas que interagem de modo antagônico em uma arena impessoal. Nesse contexto, a abordagem abre o espectro de análise para novas formas de governança, nas quais poderiam ser situadas as ações

conjuntas entre MPE, que têm potencial de gerenciar bens coletivos, tais como as áreas naturais onde ocorre o turismo na Costa Norte. A necessidade de regular as interações de distintas maneiras está fortemente ligada à preocupação deste trabalho: promover resultados coletivamente positivos, tendo em vista que a ação racional de cada indivíduo não assegura que resultados favoráveis à sustentabilidade sejam alcançados. Portanto, esta abordagem contribui ao incluir no espectro de análise não só uma perspectiva mais ampla do que interesses individuais, mas também interesses coletivos difusos.

Assume-se que é forte a presença do componente interesse na decisão de cooperar ou de entrar em conflito, sejam eles interesses individuais ou coletivos, recaindo em um tipo de jogo misto de que trata Rapoport (1998). Dentro do foco de análise da pesquisa, se por um lado espera-se que o empresário do turismo tenha interesse em maximizar sua lucratividade, por outro imagina-se que esse mesmo ator participe do objetivo coletivo, compartilhado por muitos outros atores, de manter o destino atrativo, competitivo no mercado do turismo e sustentável em seus aspectos não só econômicos, mas sociais e ambientais. Isso poderia assegurar o objetivo individual a longo prazo, bem como responder à persecução de um suposto interesse da sociedade como um todo. Então, é coerente conceber que categorias de interesses diferentes, individuais e coletivos, interajam e levem os atores a assumir posicionamentos distintos, resultando em consensos ou dissensos que, por sua vez, potencializam relações de cooperação e conflito. Possivelmente, a configuração entre interesses e motivações distintos obtenham resultados também distintos. Admite-se também que a construção das normas sociais se dá dentro de um contexto próprio e condiciona o desenvolvimento do território, mostrando interface da economia institucional com a Teoria do Capital Social, que é possivelmente a teoria apresentada que mais desperta seguidores e rivais. Pensar em capital social contribui para o trabalho, na medida em que traz relações de cooperação e confiança alinhadas com a preocupação com o desenvolvimento local. Essa perspectiva é bastante influente nas discussões de sustentabilidade. Entretanto, vê-se que, dentre as teorias revisadas, é a que menos dá conta da coexistência entre cooperação e conflito como faces da mesma moeda e que atribui fortemente uma conotação positiva aos resultados que a cooperação possibilita, descartando o conflito.

A teoria da escolha racional oferece subsídios para pensar relações entre empresas, como é foco da pesquisa, já que elas são entes do mercado possivelmente mais conectados à dimensão econômica. Ela não vai além do interesse como atributo causador das relações, além de assumir sempre a intencionalidade e a consciência na ação dos atores, resultando em um espectro limitado para entender ações coletivas atuais (BOSCHI, 1987; BIRNBAUM, 1995). Entretanto, considera-se ser necessário absorver outros padrões de relacionamento. O que torna a visão racionalista do mundo insuficiente é a existência de fatores emocionais,

riscos, incertezas e informação limitada por parte dos atores ou jogadores envolvidos (HARSANYI, 1977). Na busca por compreender as relações sociais entre micro e pequenas empresas e delas com outros entes, a Teoria da Dádiva permite ampliar o espectro de análise para além da teoria da escolha racional, alcançando outros componentes não- econômicos como parte das interações.

A Teoria da Aglomeração é a que mais se dedica à consideração de relações sociais entre empresas, e de suas interações com o desenvolvimento local. Não por acaso essa é a teoria de fundo em políticas públicas orientadas para estímulo de ações cooperativas entre MPE, com intenção de gerar externalidades positivas. Ainda que a teoria em suas origens considere a organicidade de cooperação e competição no mesmo território, imprescindível para a análise aqui empreendida, as suas aplicações práticas e discussões recentes têm subestimado o conflito.

As diferentes abordagens que tratam da cooperação e do conflito indicam uma diversidade de fatores a influenciar o modo como essas relações são estabelecidas e, por corolário, os resultados que podem ser obtidos delas. Cada uma das teorias supracitadas contribui para identificar uma das facetas que constituem o objeto de estudo da tese. No entanto, nenhuma delas dá conta da totalidade dos aspectos contidos neste objeto, o que leva a apontar que, isoladamente, elas são limitadas. Assim, cada uma das teorias tem de ser acionadas, e todas têm de estar presentes. No seu conjunto, elas criam as condições para identificação e análise das diversas partes que compõem o mosaico das relações sociais entre empresas de destinos turísticos, no intuito de entender em que medida suas ações contribuem, ou não, para a construção da sustentabilidade onde estão inseridas.