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3.7 Mosteiro de São Bento da Saúde

4.1.2 Mosteiro de Santa Maria da Vitória, Batalha

A simplicidade das superfícies e dos elementos estruturais recupera as formas geométricas simples patentes no refeitório do Mosteiro da Batalha, talvez o melhor antecedente desta vertente despojada do Tardo-Gótico. Igualmente coberto com uma abóbada de berço quebrado, embora com arcos torais mais elegantes, o refeitório batalhino terá sido construído durante a segunda metade da década de 1430. O claustro real do Mosteiro de Santa Maria da Vitória encosta-se, como é de tradição nestas construções monásticas, ao lado norte do templo. É na galeria norte, para onde estaria o dormitório primitivo, e na galeria poente, que dá acesso ao refeitório, as últimas a serem concluídas, devido a David Huguet.

O refeitório é um espaço muito vasto, apesar das dimensões, o que mais impressiona, é a sua nudez austera. Está coberto uma grande abóbada de berço quebrado, ritmada por poderosos arcos torais, que acentuam o ar grave desta dependência. A iluminação, com excepção de uma grande janela de dois lumes aberta na parede nascente, fica a cargo

de simples vãos rectangulares colocados a um nível elevado e que, no seu despojamento formal e no seu inédito recorte, aprofundam a gravidade contida deste espaço.

A solução encontrada para cobrir esta dependência monástica – uma abóbada de berço quebrado de grandes dimensões – denuncia, mais do que uma opção técnica algo arcaizante, particularmente uma economia de meios. Um espaço estruturado em duas ou mais naves, com

Figura 4-5 - Refeitório do Mosteiro da Batalha. Actual Sala do Museu de

abóbadas e suportes mais complexos, necessitaria, de meios económicos mais avultados. Precede-o, como é de uso, o lavabo, pequena galeria quadrangular, com uma fonte ao centro, disposta no ângulo das correspondentes galerias.

A presença da água neste espaço do lavabo assume um valor ritual e simbólico, uma vez que a lavagem das mãos antes da entrada no refeitório constitui verdadeiramente um símbolo que apela à limpeza do coração e à pureza do viver. É também por isso um espaço que, apesar das suas reduzidas dimensões, ganha geralmente um valor estético acrescido, senão mesmo um espaço para algumas experimentações arquitectónicas, como o prova o lavabo deste claustro régio do Mosteiro de Santa Maria da Vitória, onde a qualidade sobressai quer na abóbada quase plana de múltiplas nervuras, de composição original, quer no movimentado desenho das delicadas bandeiras das suas arcadas.

O refeitório é uma dependência em tudo semelhante ao dormitório, ou seja, espaçoso mas igualmente muito austero. Cobre-se também com um abóbada de berço quebrado cujos arcos torais, no entanto, são muito menos espessos que a maioria dos do dormitório.

No que diz respeito à iluminação, ela é obtida, porém, de forma semelhante, isto é, através de janelas rectangulares colocadas a um nível elevado do solo. Pode dizer-se que esta solução, para além de introduzir uma iluminação muito contida nestas duas grandes dependências do Mosteiro, é responsável também pela imposição de um recolhimento e retiro totais, impedindo qualquer tentativa de assomo de quem quer que seja às janelas.

Na parede de poente insere-se um púlpito alto, destinado, de acordo com a tradição monástica, ao leitor que, enquanto duravam as refeições, ia ocupando a mente dos frades com leituras do Martirológio ou do Santoral ou de outras fontes de elevação religiosa. No seu anteparo (que é uma réplica do original, conservado no Mosteiro) estão esculpidos os brasões de armas do rei D. Duarte e da sua mulher, a rainha D. Leonor de Aragão. Tal facto, para além de afirmar claramente que o púlpito se deve ao mecenato deste casal régio, pode indicar também que a conclusão do dormitório e a construção do refeitório na sua totalidade, se poderão ter efectuado também já nesse mesmo reinado.

Figura 4-6 - Lavabo do Mosteiro da Batalha.

A vida quotidiana neste edifício monástico, seguindo a Regra de Santo Agostinho, marcada pelo domínio da oração e do louvor a Deus. Todos os fiéis são chamados a essa prece contínua, mas, adentro dos claustros regulares, esse objectivo domina totalmente a vida dos religiosos.

No convento era chamado à celebração das oito horas canónicas, à participação nas missas que nela se diziam ou cantavam, à assistência no capítulo de hora tercia, a partilhar a refeição do final da manhã e a escutar, durante o “jantar”, as leituras adequadas muito em especial a repetida enunciação diária de um capítulo da regra, de lições das epístolas paulinas dos exemplos de vida de mártires.

Do trabalho manual

ocupavam-se, os frades conversos, sem acesso à ordenação presbiteral, mas zelosos no cumprimento das suas obrigações de serviço nas oficinas conventuais, nos serviços de assistência e de saúde (enfermaria, botica e hospedaria), bem como nas hortas e pomares da cerca, celeiros, adegas, moinhos e largares integrados ou anexos ao claustro.

O pavilhão do lavabo, marcando o limite de bancos, onde, após o ritual de lava-mãos, os frades aguardavam o toque de sineta para darem entrada no refeitório: “Serve a fonte n’este sítio, porque lhe fica defronte a hum canto do corredor do claustro a porta do Refeitorio: e offerece aos que vão entrar n‘elle lavatorio pera as mãos, e recreação pera a vista, em quanto se espera sinal da mesa no poio, que fica no mesmo corredor, e encostado de huma, e outra banda da porta com seus assentos altos e respaldos de madeira” (FR. L. SOUSA. I, 1977: 649).

Outros rituais associados às refeições, comuns a todos os conventos, foram registados por James Murphy, na legenda da planta do Mosteiro que publicou em 1792, nomeadamente uma “Procissão do Coro para o Refeitório e vice-versa em ação de graças antes e depois do jantar” e o uso do “Púlpito onde um dos Noviços lê as Sagradas Escrituras enquanto os Frades tomam as suas refeições”. A uma daquelas procissões foi William Beckford convidado a se juntar, no dia 9 de junho de Figura 4-7 – Púlpito do Refeitório do Mosteiro da Batalha, Actual Sala do

1794, pelo meio-dia, após lhe ter sido servido o jantar, no Capítulo velho (Beckford, Alcobaça e Batalha. Recordações de Viagem, 1998, p. 81).

A vida quotidiana dos frades batalhenses pautava-se pelo exercício da oração, da celebração das horas canónicas e das missas, marcadas por toques de sino, com especial relevância para as matinas, e pelo trabalho intelectual. Observavam uma alimentação frugal. Da Páscoa até à festa da Santa Cruz comiam duas refeições por dia, o “prandium” e a “cenam”, exceto se fossem dias de rogações, sextas-feiras, vigílias de Pentecostes, de S. João Baptista e dos Santos Pedro, Paulo, Tiago, Lourenço e Bartolomeu e na festa da Assunção de Santa Maria. O jejum era contínuo entre a festa da Santa Cruz e a Páscoa, comendo-se uma vez apenas e após a hora de noa (15 horas), com exceção dos domingos. Havia lugar a jejum contínuo no tempo do advento, da quadragésima, dos jejuns das quatro têmporas, das vigílias da Ascensão, Pentecostes, dos Santos João, Pedro, Paulo, Mateus, Simão, Judas Tadeu, André e de Todos os Santos, no Natal do Senhor e nas sextas-feiras em que se tomava apenas uma refeição ou algum alimento gorduroso (“cibus”), ficando dispensados os frades de o fazer por razões de trabalho ou que estivessem em itinerância.

As refeições tomavam-se no refeitório às horas competentes que eram devidamente assinaladas por toques de sinos. Chegando junto ao refeitório, os frades lavavam as mãos após o que entravam no refeitório e ocupavam os seus lugares. Dada a bênção pelo prior, iniciavam o repasto. A comida era levada para as mesas, começando das mais afastadas e subindo dessas para a mesa do prior. Todos comeriam por igual, partilhando uma dieta alimentar em que dominava a sopa ou caldo, o peixe e as leguminosas, ovos, pão, fruta e vinho aguado, exceção feita aos doentes que, na enfermaria, teriam direito a refeição mais adequada, geralmente carne, à sua recuperação. A comida servida era predominantemente cozida, podendo assar-se ou grelhar-se alguns dos alimentos.

Acompanhamentos (“pulmenta”) de carne cozida poderiam ser servidos a visitantes ilustres posto que extra claustrum. Na Batalha, aliás, evidenciava-se o cuidado higienista com o bem-estar da comunidade mormente pela construção de infraestruturas de escoamento de esgotos ou de canalização de água potável bem como de escoamento de águas pluviais. Ainda no domínio das práticas de higiene e de saúde, sabemos que os frades poderiam fazer-se sangrar (“minuciones”) quatro vezes ao ano (setembro, Natal, após Páscoa e em S. João Batista), sendo-lhes permitido comer, nestes casos, fora do refeitório mas com interdição de ingerirem carne. Tratava-se de práticas terapêuticas medicinais a que os frades batalhenses associavam uma prestigiada botica farmacêutica, comum entre os conventos dominicanos portugueses, aliás, sendo a da Batalha muito procurada pela população, em pleno século XVIII, sem que se dispensassem de idas a termas (mormente às vizinhas

Caldas das Rainha), a retiros em quintas de repouso ou a itinerâncias, mormente para estudos, que os levavam a conhecer outros conventos, outras cidades e outros países e continentes. Durante a refeição, ouvia-se a leitura de trechos evangélicos, especialmente paulianos, ou patrísticos adequados. Acabada aquela, poderia passar-se à colação e completório, dado o sinal adequado pelo sacristão, no claustro ou na igreja, assistindo a comunidade, em silêncio, às leituras, terminando a colação com as bênçãos e orações pertinentes. As culpas, leves, graves e gravíssimas, deveriam ser confessadas, muitas vezes em capítulo, aplicando-se as penitências, geralmente corporais, consideradas mais adequadas.