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2.3 Dimensão afetiva

2.3.1 Motivação

Esta seção descreve os fundamentos e modelos relacionados ao estado afetivo da motivação, em uma abordagem associada à resolução de problemas. Na literatura é possível encontrar diferentes conceituações para a motivação. De acordo com Parellada e Rufini (2013, p. 744):

A motivação humana é um constructo interno, complexo e multideterminado. Diversas teorias elaboradas nos últimos 40 anos colocaram-se diante do desafio de compreendê-la, explicá-la e propor estratégias para intervenção, visando seu incremento.

Keller (1987) estabelece uma reflexão sobre a motivação em um contexto educacional, que, segundo o autor na maioria dos casos é associada com o controle e as regras definidas na sala de aula, o reforço na aprendizagem e nos aspectos afetivos decorrentes do processo instrucional. Na visão do autor, a motivação para compreensão e resolução de problemas deve focar em quatro elementos fundamentais: atenção, que é pré-requisito para o aprendizado, a relevância, aspecto essencial para manter o foco e atenção do aluno no problema, a confiança, que consiste na capacidade do estudante em acreditar que é capaz e a satisfação.

Outra perspectiva é apresentada no trabalho de Canto (2015), no qual são descritos os princípios que associam a motivação com a autodeterminação e com níveis de intensidade, que

permitem obter indicativos crescentes de motivação derivados de um controle externo ou interno (Figura 7). A teoria foi proposta por Ryan e Deci (2000) e avalia a motivação sob o ponto de vista da regulação, origem e relevância do processo regulatório.

Figura 7 - Níveis de motivação e autodeterminação

Ambiente Autodeterminação Motivação Sem motivação

Motivação extrínseca Motivação intrínseca Estilo regulatório Não regulado Externo Introjetado Identificado Integrado Regulação intrínseca Percepção da origem

Impessoal Externa Relativamente externa Relativamente interna Interna Interna Relevância do processo regulatório Não intencional Sem valor Incompetência Sem controle Submissão, recompensas e punições externas Controle próprio, ego. Recompensas e punições internas. Importância pessoal, valorização consciente. Congruência, consciência, identificação consigo. Interesse, apreciação, satisfação inerente.

Fonte: Adaptado de (CANTO, 2015; RYAN, DECI, 2000)

Na ótica dos autores, a motivação intrínseca é uma situação na qual o interesse é interno e a regulação é dada pela própria pessoa, sem uma necessidade maior de interferência externa. A motivação extrínseca por outro lado pode ser incremental, iniciando por um estilo regulatório externo, composto por recompensas, punições, passando por estágios em que cresce a capacidade do indivíduo de se autorregular, de perceber a importância e relevância dos eventos, objetos ou atividades que estão sendo realizadas (CANTO, 2015; RYAN, DECI, 2000).

Em um contexto educacional, estudantes que se apresentam sem motivação não percebem qualquer importância ou não exibem interesse no processo de ensino. A motivação intrínseca ocorre quando o objeto de estudo é percebido como algo que lhe dá satisfação pessoal, neste caso não há uma necessidade de regulação externa. Os demais níveis ocorrem em situações em que há uma influência externa, seja pelo objeto de estudo, pelo professor ou qualquer outro fator que impacte de forma positiva ou negativa. Segundo os autores, punições, recompensas, desafios ou a valorização podem influenciar na motivação extrínseca (RYAN e DECI, 2000).

É possível estabelecer uma relação entre a motivação e a complexidade das tarefas que serão desenvolvidas pelos estudantes. Em uma abordagem definida como superficial, estudantes podem visualizar a tarefa simplesmente como um obstáculo que deve ser vencido e,

desta forma utilizam estratégias básicas como a simples memorização. De maneira oposta, ao aumentar a complexidade ou os requisitos de uma atividade é utilizada uma abordagem profunda de aprendizagem o que pode levar ao aumento ou redução da motivação, de acordo com o perfil do estudante e da percepção deste em relação à atividade (CANTO, 2015).

Segundo De Vicente e Pain (1998), a detecção do estado motivacional do aluno é importante, por exemplo para a implementação de ambientes de apoio ao ensino, de Sistemas Tutores Inteligentes (STI). Alguns exemplos de modelos propostos para identificar a motivação são o ARCS (Attention, Relevance, Confidence and Satisfaction) proposto por Keller (1987) e o MSLQ (Motivated Strategies for Learning Quetionnaire) definido por Pintrich et al., (1991). Além desses, tem-se o modelo Esforço (E), Independência (I) e Confiança (C) (ECI), o qual foi escolhido como base para este trabalho (BERCHT, 2001; DEL SOLDATO e DU BOULAY, 1995, 2016).

No modelo ECI, a motivação é definida de forma pragmática, em uma combinação do esforço empreendido para o aprendizado, da confiança que o aluno demonstra em sua habilidade de aprender ou resolver um problema em um contexto específico com um mínimo de auxílio o que caracteriza um comportamento mais independente (DEL SOLDATO e DU BOULAY, 1995). Na visão dos autores, o esforço pode ser medido a partir da dedicação e perseverança do estudante, e de uma análise de como ele enfrenta dificuldades e obstáculos. A confiança e a independência podem ser obtidas pela observação da quantidade de auxílio demandada durante a atividade. Alunos desmotivados na maioria das situações não se esforçam ou não acreditam que podem ter sucesso na resolução das tarefas (DU BOULAY e DEL SOLDATO, 2016).

Para Serres (1993) apud Bercht (2001), a motivação está relacionada ao esforço, à independência e confiança demonstradas pelo aluno. O esforço é um indicativo de motivação intrínseca e a sua utilização na maioria dos casos é mais indicada do que outros aspectos, como o desempenho, por exemplo (DEL SOLDATO e DU BOULAY, 1995). Uma revisão do modelo foi descrita pelos autores em (DU BOULAY e DEL SOLDATO, 2016).

Considerando uma perspectiva pedagógica, é possível utilizar sistemas computacionais que capturem informações sobre o comportamento do aluno, tais como o número de erros cometidos em uma atividade, o tempo de dedicado à tarefa, ou ainda o número de tentativas para resolver o problema (LONGHI, BEHAR e BERCHT, 2010; Iepsen, 2013). As estratégias de coleta de dados podem combinar indicadores oriundos de coletas automáticas com informações observadas e registradas manualmente por um professor ou pesquisador.

Entre as pesquisas que visam identificar os aspectos essenciais para identificar a motivação na resolução de problemas, é possível citar o trabalho desenvolvido por Dundunmaya, Banawan e Rodrigo (2018). Entre as variáveis usadas no estudo para medir a persistência, destacam-se as relacionadas aos tempos associados a tutoria, explanações sobre o problema, leitura de dicas ou ainda quantidade de dicas requisitadas. O trabalho citado será descrito com detalhes na seção 2.5, pois a partir dele foi possível estabelecer uma relação entre os tempos e quantidades de acessos à persistência e por consequência ao esforço do estudante.

No contexto da investigação descrita nesta tese, a motivação foi definida como uma combinação dos fatores de esforço, confiança e independência, seguindo a definição de Del soldato e Du boulay (1995, 2016). São adotados ainda os princípios da motivação extrínseca e da autodeterminação, que é importante para que os estudantes sejam capazes de resolver os problemas propostos.(RYAN e DECI, 2000; CANTO, 2015).

A utilização do modelo ECI neste trabalho se deveu a simplicidade do mesmo, a possibilidade de trabalhar com diferentes fatores, como esforço e confiança e principalmente pela ideia de associar a motivação a um conjunto de dados coletados durante a realização das atividades. Outro aspecto importante é que os indicadores descritos por Del Soldato e Du Boulay (1995) são claros e não dependem de uma autoavaliação do estudante, pois podem ser coletados durante a interação com um sistema computacional de apoio ao ensino.

O ECI (Esforço, Confiança e Independência) foi escolhido também por permitir uma análise da motivação com base em três fatores que podem ser considerados essenciais no aprendizado de programação. O esforço para compreender um problema e elaborar uma solução influi diretamente no desempenho do estudante. Além disso problemas relacionados a confiança e independência do aluno podem fazer com que este não se sinta seguro para realizar uma tarefa e desta forma impactar na motivação como um todo. Cabe ressaltar que dentre os fatores que compõe o modelo, apenas o esforço e a confiança foram representados no modelo, uma vez que as variáveis que determinam a confiança podem indicar indiretamente também a indpendêcia.