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2. Um olhar sobre a história da motivação

2.1. Perspetiva sociocognitiva da motivação

2.1.2. Contributos de Carol Dweck

2.1.2.1. Motivação para a realização ou motivação

Sendo claro que a perspetiva sociocognitiva da motivação é produto da perspetiva da motivação para a realização, por que razão este trabalho se intitula Motivação para a competência e não Motivação para a realização?

Em 2005, Elliot e Dweck publicam a obra Handbook of competence and motivation, onde refletem sobre a perspetiva da motivação para a realização, propondo a sua reconcetualização do ponto de vista da competência, substituindo motivação para a realização por motivação para a competência. Porquê? Os autores identificaram duas fragilidades particulares na perspetiva da motivação para a realização, começando pela definição do próprio conceito realização, que não parece clara. Efetivamente, não existe uma concetualização inequívoca e partilhada de realização, pecando pela falta de coerência e de parâmetros estruturais que sustentem esta perspetiva, tendo implicações negativas a nível empírico e teórico: if the precise nature of “achievement” is not clear, then the precise nature of what should and should not be included under the “achievement motivation” rubric will be unclear as well (Elliot & Dweck, 2005, p. 4). Empiricamente, torna-se complicado operacionalizar os construtos a avaliar. Ainda que numa investigação os construtos possam estar bem definidos e operacionalizados, o mais certo é esta definição e operacionalização variar consoante a investigação e o investigador, resultando num conjunto vasto de estudos de difícil interpretação como um todo. Teoricamente, não é possível construir modelos quando não existe um sólido sustento concetual que abarque o domínio teórico sob consideração, originando a emergência de construtos e relações supérfluos e irrelevantes que impedem o cumprimento do critério da parcimónia (Elliot & Dweck, 2005).

A segunda fragilidade da perspetiva da motivação para a realização prende-se com a limitação do seu alcance, uma vez que, na inexistência de uma definição clara de realização, os investigadores guiam-se pela sua intuição ou definição genérica deste conceito. Como resultado, já que grande parte da investigação se desenvolveu em sociedades ocidentais e individualistas que tendem a concetualizar a realização como sucesso individual, os estudos da motivação para a realização situam-se essencialmente nos domínios escolares, profissionais e desportivos (Elliot & Dweck, 2005). Contudo, Elliot e Dweck (2005) referem que esta é uma visão redutora, limitadora e que isola o conceito de realização e de motivação para a realização, defendendo que estes podem ser concetualizados de forma mais abrangente, integrando todos os domínios de

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realização que impliquem processos como criatividade, estratégias cognitivas, de autorregulação, de aprendizagem e de coping, entre outros. Isto é, não só situações de realização individual mas de cooperação e de interdependência e mesmo tarefas do dia a dia, como o agricultor que se esforça por fazer crescer um tomateiro, um adolescente que luta por ser mais sociável ou um adulto que tenta ser um bom pai.

Assim, de forma a delinear o domínio concetual da motivação para a realização e a alargar o seu campo de investigação, Elliot e Dweck (2005) propõem a competência como epicentro das perspetivas da motivação em geral, podendo-se falar de motivação para a competência. Ao contrário da realização, a competência está concretamente definida como condição ou qualidade de eficácia, capacidade, sucesso; no âmbito da motivação, a competência relaciona-se com o modo como o comportamento humano é energizado (instigado) e direcionado (Elliot & Dweck, 2005; Faria 2008). Estes autores baseiam-se na premissa biológica de que a competência constitui uma necessidade psicológica inerente ao ser humano, sendo responsável pela instigação e ativação do comportamento que é orientado em direção à competência, com o objetivo último de desenvolvimento e adaptação pessoal (Dweck & Elliott, 1983; Dweck & Molden, 2005; Elliot & Dweck, 2005). Porém, ao longo do tempo o sujeito vai aprendendo a canalizar esta energia motivacional de desejo por competência em geral para objetivos e resultados específicos, através de processos autorregulatórios e de estratégias, construídos cognitivamente, que satisfazem uma necessidade de competência em particular.

Um aspeto importante salientado pela perspetiva da motivação para a realização e que Elliot e Dweck (2005) também adotam, é o facto de o ser humano não ser apenas motivado pelo lado positivo da competência mas também pelo lado negativo e aversivo da incompetência. Tal significa que apesar de o ser humano estar naturalmente orientado para a busca da competência, devido a variados fatores (como experiências, personalidade, socialização), pode existir uma reorientação para o evitamento de situações que possam dar origem a resultados de realização negativos, ou de incompetência. Este aspeto está diretamente relacionado com os objetivos e padrões de realização, também estudados por Dweck e colaboradores como vimos, a que o sujeito se autopropõe, pois se tiver medo da incompetência, provavelmente apresentará objetivos mais centrados no resultado do que na aprendizagem e padrões de realização mais de evitamento do que de persistência. Ou seja, o evitamento da incompetência pode, por um lado, ter uma função autoprotetora mas, por outro lado, pode ser ineficaz

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ou mesmo prejudicar o desenvolvimento da competência (Elliot & Dweck, 2005). Assim, apesar de objetivamente a competência ser definida no sentido positivo, Dweck e colaboradores, assim como Atkinson e colaboradores (Atkinson, 1957, in Faria 1995b; Atkinson & Reitman, 1956), defendem que uma perspetiva global e integradora da motivação deve contemplar o seu lado positivo (competência - eficiência, capacidade e sucesso) mas também o seu lado negativo (incompetência - ineficiência, incapacidade e insucesso).

Assim, a (in)competência (a) está constantemente presente no nosso dia a dia guiando, consciente ou inconscientemente, o nosso comportamento; (b) tem um impacto substancial nas nossas emoções e bem-estar – sentimentos de competência normalmente originam alegria e orgulho, enquanto sentimentos de incompetência tendem a originar vergonha, culpa e ansiedade; (c) está presente ao longo da vida, desde o nascimento à morte, embora com diferentes manifestações; e (d) é transversal a todas as culturas, tendo diversas manifestações.

Efetivamente, através da sua perspetiva sociocognitiva da motivação e do respetivo papel central da competência, Dweck e colaboradores inspiraram inúmeras investigações no domínio motivacional que se guiaram pelas suas orientações teóricas e metodológicas.

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