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Motivos Relacionados à Formação Inicial/Contínua no Campo da

3.1 A Formação Inicial Universitária dos(as) Professores(as) de Arte e os

3.2.1 Motivos Relacionados à Formação Inicial/Contínua no Campo da

Uma das justificativas apresentadas por professores e professoras para continuarem trabalhando com arte na escola indicou o investimento não só na formação em nível superior na área de arte, mas também em cursos e especializações, demonstrando um desejo de serem legitimados por meio de um capital cultural institucionalizado (BOURDIEU, 2007), ou seja, a presença de um diploma que pudesse distinguir os docentes no campo, como profissionais que possuem um certificado, imprimindo credibilidade a seus discursos e ganhando o reconhecimento de seus pares.

Nas discussões e pesquisas sobre saberes docentes desenvolvidas nos últimos anos, conforme (TARDIF, 2006; BORGES, 2004), a formação inicial e contínua se enquadra como fonte significativa que constitui a base dos saberes dos professores. Contudo, tal fonte não deve ser considerada a mais importante nem a única credenciada a capacitar plenamente os professores para o exercício de sua profissão. Pelo contrário, muitos estudos apontam que a formação inicial universitária, por exemplo, é fonte de críticas contundentes por parte dos professores, que se queixam da distância que a formação universitária estabelece

entre teoria e prática. Cecília Maria Borges (2004, p.123), em sua pesquisa sobre o Professor da Educação Básica e seus Saberes Profissionais, apresenta os três níveis de avaliação dos professores sobre sua formação inicial: a avaliação positiva, em que os professores reconhecem a importância da formação inicial; a negação da formação, em que o aprendizado do ofício se deu na prática; e a avaliação intermediária, em que a formação inicial serviu em parte.

Alguns professores e professoras que integram esta pesquisa também reconhecem que a formação universitária foi útil para sua prática docente; inclusive, muitos(as) professores(as) buscam a formação universitária na área de arte. Mobilizam também conhecimentos adquiridos na formação de sua área de origem, aproveitando e transformando esses conhecimentos em sua prática como professores(as) de arte. Para além de um olhar que nos remeta apenas a uma situação de improvisação e precariedade, as estratégias que os docentes criam para lidar com seus desafios cotidianos produzem, neste caso, um tipo de saber que, construído na experiência, ou seja, no dia a dia da sala de aula com seus alunos, potencializa os conhecimentos universitários, mesmo de área diversa, transformando o “pouco”, no “muito”, construindo significados para sua atuação em sala de aula. Tal aspecto também aponta para a compreensão da escola não como um espaço em que se reduzem os conhecimentos de forma automática para que possam ser transmitidos aos alunos. Nessa perspectiva, a escola teria um caráter exclusivamente passivo e apenas se configuraria como espaço reprodutor de subprodutos culturais da sociedade. Num outro sentido, a escola pode ser considerada em sua dimensão criativa, em que os saberes produzidos em seu interior tanto pela própria lógica da constituição das disciplinas, ou componentes curriculares, quanto pela prática docente, se delineiam como outro campo de produção de conhecimentos, em que o teatro se constitui como um teatro escolarizado. Sobre esse aspecto Chervel comenta:

[...] Se pode atribuir um papel “estruturante” à função educativa da escola na história do ensino, é devido a uma propriedade das disciplinas escolares. O estudo dessas leva a pôr em evidência o caráter eminentemente criativo do sistema escolar, e, portanto a classificar no estatuto dos acessórios a imagem de uma escola encerrada na passividade, de uma escola receptáculo dos subprodutos culturais da sociedade. Porque são criações espontâneas e originais do sistema escolar é que as disciplinas merecem um interesse todo particular. (CHERVEL, 1990, p.184)

Sobre a relação entre a arte como disciplina escolar e a prática docente, escrevem os professores em seus depoimentos:

-Sou professor de História e vejo que arte é história também; gosto da disciplina e vejo que ela contribui para minha formação.

-Me identifico com a área, e por este motivo estou cursando nova graduação para poder atender às necessidades curriculares e extracurriculares.

-Porque é uma disciplina que a maioria dos alunos gosta e há grande interação entre nós (professor/aluno). A maior dificuldade enfrentada é a carência de material para o aluno e de suporte para a professora, temos que tirar do bolso se quiser [sic] fazer um trabalho de melhor qualidade.

-Porque por meio da disciplina é possível desenvolver no aluno competências nas diversas linguagens da área de artes, fazendo

com que o educando desfrute, valorize e entenda os bens artísticos, povos e culturas produzidos ao longo da história.

Percebe-se nos depoimentos a justificativa para a presença da arte no trabalho do(a) professor(a). A necessidade de indicar objetivos relacionados à formação geral revela também a possível desvalorização desse componente curricular em relação às outras disciplinas na escola. Tal prática é visível também no espaço social, em que o desinteresse pela arte é geralmente demonstrado na pouca ocupação de espaços públicos, tais como galerias, teatros e museus, pela população. O fato de existirem “portas abertas” para a fruição de bens culturais necessariamente não garante a frequência do público em tais espaços. Nem sempre a facilidade de acesso, representada por meio de gratuidade ou posição geográfica estratégica, é condição suficiente para que, de forma natural, as pessoas possam adquirir o gosto pela arte ao ponto de frequentá-la, pois, numa sociedade globalizada e utilitarista como a nossa, a arte ocupa um lugar pouco produtivo economicamente para as

camadas populares e simbolicamente lucrativo para as camadas mais favorecidas, como nos diz Nogueira & Nogueira comentando Bourdieu:

[...] Bourdieu observa que essas diferenças nas condições de existência se refletem na linguagem, nos valores, nos gostos e nas práticas culturais de cada uma das classes. Os membros das classes populares valorizariam os bens materiais ou simbólicos vistos como úteis, práticos ou funcionais e rejeitariam tudo o que parece supérfluo, teórico ou abstrato. Os membros das classes dominantes, por sua vez, valorizariam os bens supérfluos, sem utilidade prática, puramente estéticos, ou seja, tudo o que atesta um distanciamento em relação ao mundo concreto e às necessidades materiais. (NOGUEIRA & NOGUEIRA, 2006, p.44)

Quando a arte é escolarizada, tal situação não difere tanto, pois são deslocadas para esse campo as relações de poder existentes no campo social. Em outras palavras, aprender a ler e contar tornam-se práticas hierarquicamente superiores a fazer arte na escola, desconsiderando as relações significativas entre os múltiplos processos de leitura presentes no campo social. Mesmo países que a princípio possuem uma tradição no campo dos bens simbólicos sofrem o impacto do desinteresse pela arte na educação, como comenta Hernadez sobre a realidade espanhola:

Há alguns anos, visitando uma escola em Columbus, Ohio, assistindo a uma sessão de supervisão das práticas dos estudantes que se preparavam para ser professores, um dos tutores comentou comigo que a educação artística em Barcelona deveria ter muita aceitação com tantos monumentos e obras de arte ao nosso redor. Devo confessar que, de início, essa observação me deixou um tanto perplexo, e lhe respondi que ter um fácil acesso a essas manifestações artísticas não era uma garantia de interesse por elas; que às vezes acontece de não prestarmos atenção ao próximo, precisamente, porque o temos diante de nossos olhos e não lhe damos muito valor. (HERNANDEZ, 2000, p.84)