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3. A PERFORMANCE AFRO-BRASILEIRA DO TERNO DE CONGO

3.1.2. Motrizes culturais, liminaridade e communitas

Ao propor a noção das motrizes culturais, Ligiéro (2011) se arvorou nos estudos da performance recorrendo ao conceito de “comportamento restaurado”, e às relações entre “play” e “ritual”, de Richard Schechner (1995 e 2011). Contudo, diante das especificidades desta pesquisa, apesar das contribuições e proposições de Schechner, trazidas por Ligiéro (2011) para a sua fundamentação da noção de motrizes culturais, opto pela aproximação da discussão sobre, as noções de liminaridade e communitas, sendo ambos os conceitos discutidos por Victor Turner (2008 e 2013). Este autor também produzira em parceria com Schechner (2011), entre outros autores, enriquecendo os estudos sobre as fronteiras e interfaces entre o teatro e a antropologia, ou seja, entre o cênico e o ritual.

Assim, de forma análoga ao que Ligiéro (2011) fez com o conceito de comportamento restaurado, é possível refletir sobre como as noções de liminaridade e communitas, ambas pertencentes à seara dos estudos da performance, (TURNER, 2008, 2013) para as reflexões acerca dos processos de permanência e transformação da performance do Terno de Congo Verde e Preto.

Por se referir aos processos de transformação que operam nos indivíduos e nos grupos, a partir da liminaridade dos processos rituais, Turner (2013) se apropriara do conceito de liminaridade proposto por Arnold Van Gennep (2011). A partir de sua visão estruturalista sobre os ritos de passagem, Van Gennep apresentara três fases para a sequência total do ritual, dentre elas: separação, transição e incorporação. Turner avançara na discussão de Van Gennep propondo uma subdivisão na fase de transição (crise e ação reparadora), reconfigurando o processo ritual, denominado, então, como drama social tendo como suas fases: a separação; a crise; a ação reparadora e a reintegração (TURNER, 2008).

Turner (2008), partindo da noção de liminaridade de Gennep, elaborou a noção de experiências liminóides. O liminar para Van Gennep se refere aos aspectos da cultura, dos rituais, que contribuem com a permanência, a coesão, a manutenção de determinado grupo social que a realiza. Turner (2008) concorda com Van Gennep (2011), contudo, elabora o

conceito de ações liminóides, sugerindo possíveis adequações do conceito “liminar”, este último, mais apropriado para o estudo de comunidades tribais, do que de grupos pertencentes a contextos urbanizados, onde o fluxo da cultura possibilita também a mudança e não apenas a permanência dos códigos culturais compartilhados pelas sociedades especiais.

(...) Turner sugere que as novas formas de ação simbólica têm suas origens em fontes da experiência liminar. Elas evocam o liminar. Turner as chama de liminóides. Assim como os rituais, trata-se de espelhos mágicos. E, podem, tal como no caso do teatro, proporcionar experiências de communitas (DAWSEY, 2007, p. 9).

Neste caso, ao pensar a liminaridade, como possibilidade de análise dos processos de transformação e permanência da performance do Verde e Preto, é importante considerar o liminóide, ao invés do liminar, uma vez que o primeiro seria mais adequado para o estudo da comunidade urbana na qual se configura o grupo de congadeiros da João Vaz.

Para Turner (2008) a communitas é fruto dos processos liminares que são estabelecidos pelo drama social. Esta tem como referência a antiestrutura, ou seja, o rompimento com as normas, relações de poder, assumências de papéis e estratificações que estruturam e organizam a sociedade. A communitas promove a comunhão, une os indivíduos como iguais, através de vínculos não formais produzidos pelo sentimento de pertencimento, e pela tendência em romper com a racionalidade (TURNER, 2008).

Aproximar as noções de liminaridade e communitas do estudo sobre a performance do Terno auxilia no entendimento de como o Verde e Preto, na medida em que revive e ressignifica suas tradições, repetindo a cada ano procedimentos realizados por seus antepassados, também incorpora novos elementos que passam a compor a tradição. Vale ressaltar, como já visto no segundo capítulo, que ao se tratar de novos elementos que são assimilados pelo Terno, alguns deles podem ser questionados como se destoassem da tradição, enquanto outros são valorizados por representarem uma espécie de enriquecimento do ritual. O liminar/liminóide ajuda no entendimento de que é durante a realização dos rituais e procedimentos do Terno, durante a sua performance, que operam os processos de transformação e permanência de seus saberes. O liminar/liminóide representa as etapas de separação; crise; ação reparadora e reintegração. Tanto as Festas de Congada, assim como a performance do Verde e Preto configuram-se como situações liminares/liminóides, em que os sujeitos que as vivem se transformam, nesta experiência que se dá em relevo.

o terno verde, graças a Deus..., bem antes de mim, foi um terno de muita criatividade a gente tinha umas pessoas no terno..., dançadores..., que hoje já não estão mais entre nós..., que tinha facilidade de fazer tipo de dançar, tipo de cantar, de bater... Inclusive em Catalão..., os Ternos de Catalão que é uma das cidades da onde que essa festa veio, que seque os mesmo ritmos, o que que aconteceu..., lá todo mundo dançava e batia em pé..., ninguém não balançava caixa, não dançava... e tinha um..., inclusive ele era meu padrinho, meu primo, finado Pelezinho, que ele era muito alegre..., muito cheio de ginga e ele era de uma estatura não muito alta, de estatura baixa, o que acontecia quando ele ia repicar, do mesmo tanto que ele gingava ele dançava abaixado, aí o terno todinho começou a dançar do jeito dele... aí o terno daqui tinha muita ginga..., aí o povo de Catalão muitas das vezes esperava o povo de Goiânia pra ver que jeito que ia dançar, pra copiar... e antigamente, os capitão de antigamente eram muito sistemáticos, quando um dançador fazia uma ginga eles danavam, fazia de novo..., foi indo até que eles não deram conta mais de segurar os Dançadores, então hoje, hoje os Ternos balançam mais devido à criatividade que o Terno daqui de Goiânia levou pra Catalão (André Lucio – Segundo Capitão do Terno Verde e Preto (Entrevista realizada em setembro/2014).

Destarte, a partir do estudo das práticas incorporadas do Terno é possível compreender como o mesmo realiza seus processos de valorização da tradição se apropriando de novos elementos que passam a interagir com os antigos, produzindo novos significados e colocando em movimento as tradições do Verde e Preto e da Festa da Vila João Vaz.

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