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Movimento Regionalista, Estado Novo estabelecimento da administração pública de

estabelecimento da administração pública de cultura –

e Movimento de Cultura Popular (MCP)

Nesse período republicano da história brasileira identificamos a formação do campo das políticas públicas de cultura, pois a partir dos anos 30 inicia-se a constituição de um aparelho administrativo estatal e a gênese de alguns movimentos culturais e organizações da sociedade ligadas às atividades musicais.

As experiências de mobilização policlassista abriram definitivamente as portas da política de Pernambuco à participação popular, nem sempre em benefício do povo. Os anos 20 configuram uma época de muitas agitações e marco de importantes iniciativas político- culturais: a fundação do Partido Comunista Brasileiro, o surgimento do Movimento Regionalista, a criação do Centro de Estudos Sociais, embrião da seção local do Partido Comunista; a instalação do Centro Regionalista, em 1924; e a realização do congresso Regionalista (ZAIDAN, 2005).

O Movimento Regionalista (em 1923)2 se opunha a alguns aspectos do projeto para o país proposto pelo governo federal. As atividades do movimento eram as reuniões e encontros entre intelectuais e artistas de Pernambuco e de outros estados vizinhos. Era objetivo do movimento defender os valores regionais, baseados na tradição, entendida como a criatividade do povo da região. Ao mesmo tempo, considerava-se modernista, pois buscava renovação, sem desrespeitar o passado, buscava novas fontes de inspiração no próprio espírito nacional. Essas reflexões impulsionaram, nos estudos antropológicos e sociológicos, a valorização de expressões culturais que eram até então desprezadas. Com Gilberto Freyre surgem no Brasil os primeiros estudos relevantes das “sociologia da rua”, “sociologia da casa” e a “sociologia da cozinha” (SILVEIRA, 2002).

As instabilidades políticas no Brasil dos anos 30 caracterizaram esse período com uma ruptura, conduzida pelas elites do país, a conhecida “via prussiana” do desenvolvimento capitalista, feita pela conciliação entre o velho e o novo (ZAIDAN, 2005). O governo de Getúlio Vargas propõe um programa de consolidação do Estado e desenvolvimento do país, marcando o início do processo de modernização da sociedade brasileira. É caracterizado pela presença de um aparato estatal com enorme capacidade de intervir na economia, quando se criaram empresas públicas para a construção da infra-estrutura que possibilitasse o

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Em fevereiro de 1926 foi realizado o Primeiro Congresso Brasileiro de Regionalismo, no qual foi lançado o Manifesto Regionalista, texto redigido pelo sociólogo Gilberto Freyre.

desenvolvimento sócio-econômico e estabelecimento da ampliação dos direitos de cidadania dos brasileiros.

Esse governo criou o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública (1930), o embrião de uma estrutura sólida de promoção de políticas públicas culturais. Em 1934 olhou- se para a cultura popular quando foi criada a Campanha Nacional do Folclore (MOISÉS, 2001).

Nesse contexto, as ações culturais eram direcionadas à proteção e preservação do patrimônio, não foi diferente na música. Em 1930, é fundado o Conservatório Pernambucano de Música (CPM). Tinha como objetivo difundir o ensino teórico e prático da música, de forma acessível a todas as classes sociais. No entanto, nos primeiros anos, o Conservatório manteve um ranço elitista, apesar de ter proporcionado algum acesso a uma arte até então vista como privilégio da burguesia (ARAÚJO, 2005).

Com a consolidação do cinema falado em 1929, houve uma grande crise no setor musical, que perdurou pela década de 30. Inicialmente no Rio de Janeiro, os músicos se organizaram para pressionar o governo a tomar uma série de medidas para diminuir os efeitos da crise. Com isso, em 1932, foi fundado no Rio de Janeiro o primeiro Sindicato dos Músicos e estabelecida uma relação direta com o Superintendente do Trabalho. Em Pernambuco, só em 1935, é fundado o Sindicato dos Músicos Profissionais de Pernambuco, voltado para aspectos restritos ao exercício da profissão.

Nesse período, de acordo com Cury (2002) a formulação das políticas tinha uma perspectiva preservacionista, de política cultural voltada à preservação do patrimônio. Dois grupos estavam à frente do processo de construção das políticas, os intelectuais e os técnicos do Estado de Vargas. Havia uma forte centralização na elaboração e gestão das políticas, sem que houvesse um debate direto com a sociedade (CURY, 2002).

A característica autoritária de Vargas se exacerba no Estado Novo (período da ascensão nazista), quando foram criadas instituições voltadas exclusivamente a apoiar e a valorizar a cultura brasileira. As expressões culturais foram utilizadas como meio de consolidar a ideologia autoritária que dava sustentação ao governo. Para Cury (2002) foram produzidas obras que apelaram à consolidação da identidade nacional, ajustada ao gosto do Estado centralizador, embora tenha ocorrido uma tímida participação de artistas e intelectuais na tentativa de influenciar o governo (MOISÉS, 2001).

No governo Vargas, as ações do Estado para a cultura visavam a expansão cultural, mas tinham a homogeneização da identidade como base. O Estado era responsável por uma

ação pedagógica (não formal) que direcionava a sociedade a preservar os valores culturais, associando cultura e política (CURY, 2002).

No confuso cenário político e ideológico do período entre guerras, a criação desses órgãos e a adoção de políticas específicas para a área cultural deixou um legado que, se tem forte sentido estatista em muitos aspectos, deixou-se permear, no entanto, pela participação de setores da intelectualidade brasileira, estabelecendo, aliás, uma característica que marcaria, por muito tempo, a administração pública da cultura brasileira: por influência desses setores, algumas das mais importantes políticas culturais surgiram na vigência de regimes não-democráticos. Por isso, a tradição de gestão cultural esteve, muitas vezes, mais sobre a influência da burocracia do Estado que de setores da sociedade civil, mesmo em momentos de mudanças institucionais importantes (MOISÉS, 2001, p.25-26) (grifos nossos).

Depois da segunda guerra, inaugura-se a fase democrática populista, quando se instituiu as eleições diretas, e os espaços administrados com uma visão extremamente técnica e autoritária foram politizados. A administração das políticas públicas de cultura foi permeada por uma visão técnica e burocrática, em que houve o insulamento burocrático de órgão públicos que usavam critérios técnicos como justificativa política para a não permeabilidade da participação da sociedade e atendimento das demandas. A participação na gestão era restrita aos técnicos e alguns intelectuais que compartilhavam as proposições do regime. Com isso, pode-se perceber nessa fase inicial que havia uma forte centralização na elaboração e gestão das políticas, sem que houvesse um debate direto com a sociedade. (CURY, 2002).

Mesmo assim, a matriz administrativa, formada entre os anos 30 e 40, marcou a área cultural pelo fenômeno do insulamento burocrático dos órgãos públicos, isolando-os da sociedade, criando resistências à execução das políticas (MOISÉS, 2001). Por isso, o governo instituiu espaços de negociação de demandas com a sociedade, os principais foram os sindicatos.

Até mesmo os movimentos de resistência como o Regionalista, que se opunham ao projeto de homogeneização da identidade nacional, restringiam suas ações no plano institucional como a criação do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais (em 1949), quando Gilberto Freyre ocupava mandado de deputado federal.

Nos anos 50 nasceram iniciativas políticas, contagiadas pelo clima de agitação desenvolvimentista que, preocupadas com as desigualdades regionais, gestaram o Congresso de Salvação do Nordeste, em 1954. Este deu origem à Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), em 1958 - um importante instrumento do planejamento regional destinado a combater as desigualdades sociais, através de incentivos fiscais para a industrialização, do apoio à introdução de processos regionais do uso e cultivo da terra, bem

como da liberação de lotes para a reforma agrária - idealizada por Celso Furtado. Também foi o período de organização do movimento camponês e dos trabalhadores agrícolas, quando se formaram as ligas e sindicatos rurais (ZAIDAN, 2005).

Esta efervescente movimentação da sociedade, representada localmente pelas alianças entre usineiros e industriais, trabalhadores, camponeses, classes médias urbanas e a esquerda teve uma breve existência no instável contexto político nacional pelas próprias contradições do nacional desenvolvimentismo. Em 1961, ano em que Jânio Quadros é candidato à Presidência da Republica, aprofundou-se a repressão do Governo do Estado ao movimento camponês, com o esvaziamento paulatino da SUDENE enquanto órgão de planejamento e intervenção regional. Houve uma radicalização produzida pelas ambigüidades e hesitações da própria república populista desses anos. Por fim, com a renúncia de Jânio a instabilidade política assolou o país. João Goulart, o vice-presidente, assume o poder com a tutela do Congresso (em razão da emenda parlamentarista votada em 1963), e move-se entre dois focos: de um lado, uma frente conservadora - alimentada pelo imperialismo estadunidense- de outro, a frente nacionalista democrática apoiada pelos partidos de esquerda, movimento sindical e outros. O presidente hesita em tomar medidas radicais e definidas, para evitar um golpe de direita (ZAIDAN, 2005).

Nesse contexto, surge a proposta de transformações sociais defendidas por João Goulart, no governo federal (1963-1964) e, em Pernambuco, pela gestão de Miguel Arraes (1963-1964) baseadas no nacionalismo-reformista. Esse governo popular abriu canais de recepção das demandas dentro dos desígnios nacionais, articulando-se com classes populares, setores progressistas e nacionalistas (SOUZA, 2002).

Nesse ambiente, as forças progressistas se reaglutinaram em Pernambuco para eleger Miguel Arraes como governador, em 1963. A vitória da coligação que elegeu Arraes foi possível em função da desagregação do sistema partidário estadual e pela progressiva desinstitucionalização da política dos movimentos dos trabalhadores rurais, que originou vários congressos, encontros e organizações. Foi criada nova institucionalidade democrática que contemplou a participação dos trabalhadores rurais e camponeses no complicado jogo das alianças políticas. Arraes mudou as prioridades da administração estadual, elegendo o povo (os camponeses e trabalhadores rurais) como a prioridade nos marcos da legalidade constitucional então vigente, estendendo a Legislação Social Trabalhista ao campo e construindo o Movimento de Cultura Popular (MCP) (ZAIDAN, 2005).

No início da década de 60, em Recife, artistas, intelectuais, políticos, estudantes e religiosos preocupavam-se com os problemas na educação e na cultura da população. A partir

da pluralidade de perspectivas: dos desígnios de Abelardo da Hora em promover a cultura; das inquietações dos educadores católicos em amenizar a problemática educacional; da vontade política do prefeito Miguel Arraes em priorizar a questão educacional e cultural; de Geraldo Vanucci, regente do coral Bach, que trouxe a dança, o canto e a música; dentre muitas outras contribuições, principalmente da contribuição voluntária de estudantes, comunidades e associações, nasce o Movimento de Cultura Popular (MCP), instituição sem fins lucrativos, com sede no Sítio da Trindade, em Recife – Pernambuco (SOUZA, 2002).

O MCP tinha por objetivo atender às camadas populares democratizando as ações culturais e educacionais, direcionando-as para os contextos populares. Para Souza (2002), o ideário e ações de MCP tinham orientação nacionalista de cunho reformista. Com uma postura marcadamente antiimperialista (representada pelo projeto de modernização “Aliança para o Progresso”, orientado pelos EUA), defendia o investimento dos lucros no país e monopólio estatal. Propunha reformas educacional e agrária, esta não limitada à garantia da terra, mas a outras questões necessárias à sua sustentação e desenvolvimento (SOUZA, 2002).

Com o MCP a educação foi colocada como prioridade na gestão pública municipal do governo de Miguel Arraes. Essa gestão trouxe uma nova abordagem à política de educação, que seria mais voltada para os interesses populares. Nessas gestões de Arraes (municipal e estadual, de 1960 a 1964), aconteceram investimentos significativos na área de educação baseadas numa concepção de cultura popular homogênea, autêntica, autônoma (SOUZA, 2002).

A partir de uma visão idealista da cultura popular, o Movimento de Cultura Popular tentou resgatar as produções culturais tradicionais antes vividas pela população, mas esquecidas, bem como apresentar novos valores culturais existentes nacionalmente, que o povo não conhecia. Partindo de uma visão romântica, indigenista, folclorista, nacionalista, a cultura popular interpretada pelo MCP está relacionada à pureza, à homogeneidade, à autenticidade (SOUZA, 2002).

No contexto de radicalização política, efervescência dos movimentos sociais e instabilidade das instituições políticas, a experiência do ‘Governo popular' não poderia sobreviver diante da mobilização ideológica das classes médias urbanas, atemorizadas com o comunismo. Quando a coligação dos partidos de esquerda, católicos progressistas, sindicalistas e independentes se uniram ao movimento camponês e contemplou suas reivindicações, desequilibrou o arranjo da república populista (de 1945 a 1964), dando a largada para conspirações civis e militares que derrubariam o Presidente da República e Governador de Pernambuco (ZAIDAN, 2005).

4.2 Ditadura, Movimento Armorial e a Resistência