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CHEFES, LÍDERES: DINÂMICAS ATUAIS

MOVIMENTO SOCIAL E VISIBILIDADE CIGANA

O Orçamento Democrático do Governo do Estado e as Reivindicações Ciganas

Movido por impulsos de líder, e não menos estratégico em suas ações, o novo líder, juntamente com Ronaldo Carlos, atuou em ocasiões estratégicas para a visibilidade cigana, como a visita do governador da Paraíba à Sousa para ouvir as prioridades da população quanto ao Orçamento Democrático do Estado da Paraíba. Aqui, cinco ciganos se manifestaram, a maior representação dentre todas as categorias de reivindicantes lá presentes. Os grupos ciganos dividiram-se em dois, o aglomerado de membros do Rancho de Cima, formado principalmente pelo Coronel, seu filho B., seu jovem parceiro de gestão N., seu irmão advogado e senhor L., pertencente ao seu ciclo mais próximo, localizado na lateral oposta ao aglomerado do Rancho de Baixo, basicamente formados por Ronaldo, Maninho, Seu Luiz, Chefe Eládio e o cigano Matias. Havia ali, ao menos de forma sugestiva, uma divisão de afinidades, situação e oposição.

A manifestação contou com falas breves de dois representantes do Rancho de Cima e três do Rancho de Baixo. Em sua breve exposição feita diretamente ao governador da Paraíba, o novo líder emocionou-se ao descrever a precariedade infraestrutural do rancho, com ênfase para a falta de saneamento básico geradora de doenças pelo acúmulo de esgotos nas imediações das casas, somado a alguns quadros de fome em família. Dentre todas, uma atuação chamou a atenção de

todos. Matias, na sua reivindicação, dirigiu-se ao prefeito com altivez, pois, interpretando um gesto daquele como de forma desdenhosa aos problemas do rancho, pediu-lhe para “não rir da desgraça de sua comunidade”. Esse foi mesmo um momento notável, levantando aplausos de solidariedade por parte dos presentes naquele ginásio lotado, pois mesmo o prefeito alegando depois não ter expressado tal gesto, o conflito decorreu do estopim ao qual chegou a relação entre as lideranças do rancho e aquela gestão.

Dentre as solicitações feitas pelos Calon, a ênfase esteve mesmo no saneamento básico. Juntamente com o preconceito e a falta de oportunidades, esse problema tem sido motivo de inflamadas declarações desses líderes numa das rádios locais – a que lhes permite espaço – e mote para revolução da consciência social do cigano.

Os Ciganos na Câmara Legislativa de Sousa

Chegaram mesmo a níveis bastante expressivos de reivindicação: a manifestação feita na câmara de vereadores quando a oposição conseguiu, pela terceira vez, colocar em votação o projeto de esgotamento sanitário das comunidades ciganas como providência emergencial. Já votada em duas outras ocasiões, fora rejeitada pela maioria composta pela situação. Dessa vez, articulados com representantes da oposição, os ciganos do Rancho de Baixo, ali conduzidos por Chefe Eládio e Maninho, se fizeram presentes em massa com fins de pressionar a aprovação das ações na câmara, para em seguida submeter-se a aprovação do prefeito, etapa esta com a qual pouco contavam.

Juntamente com os ciganos, estiveram presentes estudantes de Direito, representantes da imprensa e opositores da situação, além de olheiros auxiliares de alguns vereadores. O encaminhamento foi aprovado. Havia faixas pedindo respeito, fim ao preconceito e garantia de direitos e condições saudáveis de vida, além de inflamadas intervenções por parte das lideranças ciganas presentes em respostas aos discursos proferidos por vereadores da situação. Ao fim, satisfeitos com o resultado parcial, e sem o caminhão que os conduziu até a câmara, seguiram em maioria - homens, mulheres, jovens e crianças -, por quase três quilômetros a pés

até o Rancho de Baixo, ao som uníssono de frases reivindicatórias de respeito e direitos sociais.

O ato de reunirem-se e protestarem na câmara representou o cume das tentativas de resolver o problema do esgoto de forma mais branda. Foram várias as promessas por parte do governo de Sousa, muitas as solicitações dos ciganos em rádio108, reuniões públicas e de outras formas. Como estratégia, os líderes têm marcado pressão para que os seus problemas não sejam silenciados, relegados ao esquecimento. Após manifestações bem mais acirradas nas rádios locais, o grupo reuniu-se, sob o apoio de um político da oposição, e amplificou o volume do protesto fazendo-se presente na Câmara Municipal no dia e horário da votação. A pressão gerou resultados positivos, a votação favorável ao início imediato das obras foi unânime. Contudo, mais uma vez a situação assumiu um tom providencial e novamente negligenciou o compromisso, deixando tudo aquém das promessas feitas no discurso proferido pelo prefeito no CCDI e do compromisso assumido na câmara.

Passeata dos Ciganos

A passeata contra a corrupção em Sousa, organizada pela Via Sertaneja, juntamente com lideranças de associações comunitárias e de bairro, levou à tona os protestos de setores pobres ou que reclamavam encontrar-se em estado de calamidade. O alvo das manifestações foi a gestão da prefeitura e o descaso por parte da sociedade sousense. A estrutura era definida pela representação, em sequência, de cada comunidade ou categoria, incluindo a presença de estudantes de direito ligados à oposição. Aí o Rancho de Baixo se representou, ao som de “não

aceitaremos mais qualquer manifestação de discriminação contra os ciganos”. O

áudio, veiculado repetidas vezes em carro de som, trazia a voz de Ronaldo Carlos – que também se fazia presente na passeata - como grande Líder do Rancho de Baixo, enquanto Maninho conduzia um grupo de protesto na ala dos ciganos, bem como disciplinava a participação de grupo cigano presente na ala dos motoqueiros. Outros gritos repetiam que “cigano também é gente”, “chega de discriminação”, além de mensagens na linha de “cidadania já” e “ninguém cala a nossa boca”.

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Durante o período etnográfico tivemos a oportunidade de ouvir muitas solicitações de providência para o rancho.

Estiveram presentes pessoas de várias idades, escolarizados ou não. Estavam a pés ou em motos. O Líder Maninho, avesso à bebida alcoólica, proibiu o consumo de bebidas antes e durante o movimento.

A participação cigana não surgiu do ímpeto das lideranças, mas de um processo de construção que ponderou ganhos, perdas ou danos durante semanas para admitir a valia da ação. A camisa vermelha de Maninho e a laranja de Ronaldo foram utilizadas como símbolo de predileções políticas entendidas como uma escolha de progresso para a comunidade, em muito contando pra isso a herança de Mariz e Salomão como referências pró-ciganas do PMDB. A satisfação de estar ali assumindo a identidade Calon frente ao provincianismo sousense também era de fácil percepção dentre o repertório de expressões ciganas.

Ao observador era notório o fervor da participação da parte jovem do grupo cigano, mas também registrou-se a presença de alguns idosos do rancho. Para estes fora mesmo uma experiência nova. Percebia-se o estranhamento de muitos não ciganos diante da iniciativa que, aos seus olhares, supostamente pouco partiria daquele povo. Dessa forma não escondiam a surpresa: não estavam mendigando, nem lendo a sorte, mas em ato de protesto por justiça social.

Os episódios descritos refletem o advento da postura cigana dos novos tempos, um cigano que questiona e se posiciona, e que Maninho é mais um expoente em foco no momento do que um elemento cigano distinto, ou seja, existem outros com a sua visão crítica e em maior número se concentram mais entre os jovens. Cidadania e democracia são conceitos que se formam cada vez mais em suas cabeças, infelizmente o mesmo não serve para o conceito de justiça, que talvez seja mais acessível ao cigano culturalmente assimilado, e menos ao que vive como

cigano, que assume sua identidade. Ou seja, ratificando nossa afirmação, não

demonstram ter quase esperança de uma sociedade justa, mas sim de que lhes é possível avançar nesse terreno ao menos para que façam valer parte do que socialmente lhes é de direito.