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DINÂMICAS POLÍTICAS E MUDANÇAS CULTURAIS

OUTRAS DINÂMICAS

Ao contrário do não funcionamento do CCDI, outras intervenções locais dão exemplo, resguardadas as proporções, de como realizar aquilo que os governos das três esferas de poder deveriam estar protagonizando através do CCDI. Mesmo envolvendo um pequeno número de pessoas, a qualidade dessas ações gera perspectivas sólidas de valorização e desenvolvimento da arte cigana. Aqui, destacamos as contribuições de J.B. e do Ponto de Cultura Estação Cultura.

Já descrevemos a relação entre J.B. e os Calon no Capítulo I desse trabalho e lá nos referimos ao papel enculturador do culto a Santa Sara Kali que o mesmo vem dinamizando através da dança. Mas também nos chama atenção o trabalho de produção cultural que cria perspectivas para os jovens do Rancho de Cima.

Juntamente com o Ponto de Cultura Estação Cultura, sediado em Sousa, através da pessoa de Valber Matos, envolveram-se num espetáculo de dança multicultural no qual um dos quadros dedica-se à dança cigana, protagonizada, até a sua última formação, por jovens do Rancho de Cima. À parte desse espetáculo, o trabalho de dança cigana dirigido por J.B. já fora apresentado durante evento no Espaço Cultural, na cidade de João Pessoa, capital paraibana, e representa uma excelente iniciativa para a promoção dessa arte na região.

Para além do grupo que se apresenta, são muitos os jovens com o mesmo potencial artístico em ambos os ranchos. Em 2011, Moonen já havia registrado atividades de dança no Rancho de Baixo98, naquele tempo inspirada em referências famosas da arte cigana, passos de flamenco e com trilha musical dos Gipsy Kings. Obviamente que esses são exemplos bem sucedidos, mundialmente admirados, dentre as várias manifestações da música e da dança cigana no mundo. Ultimamente as jovens ciganas que conduzem esse grupo vêm estudando novos parâmetros sobre os quais embasar projetos futuros.

O Ponto de Cultura Estação Cultura tem por objetivo atuar junto às comunidades carentes do município de Sousa. Dentre as suas demandas, visa atuar sobre dois recortes étnicos: uma comunidade de matriz africana habitante no conjunto Frei Damião, e a Comunidade Cigana de Sousa. Quanto a esta, as metas, segundo Valber, são de “incluí-los socialmente por meio daquilo que eles fazem de

melhor, ou seja, a arte”. Dentre as ações previstas para 2012, estão a dança e o

treinamento em audiovisual.

As apresentações artísticas em dança, bem como a sua evolução enquanto projeto cultural, contribuem para o avanço das relações de convívio interétnico, colocando em cena um elemento artístico universal admirado por não ciganos e de grande força no imaginário popular, contrastando com as imagens negativas historicamente alimentadas por posturas anticiganas. Estive presente em duas das apresentações já realizadas pelo grupo, uma em 2010, na capital paraibana, outra durante o período etnográfico, no teatro do Centro Cultural BNB. Na primeira, a apresentação foi exclusivamente de dança cigana, na segunda tratou-se de uma parte dentro de um espetáculo maior. Em se tratando de dança cigana percebe-se com facilidade que, antes de findada a apresentação, ou melhor, antes mesmo de

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iniciada, o público tende a demonstrar expectativa pelo que está por vir, com destaque para a sensualidade da mulher cigana, pois é na dança que ela pode ser percebida de forma mais expressiva.

Outro ponto a ser ressaltado com a evolução desse trabalho está em se criar perspectivas reais, ao menos para as próximas gerações, de subsistência pela arte. Vivemos épocas em que, mesmo ainda aquém do ideal, fazer arte em locais afastados das grandes metrópoles, como no sertão nordestino – região de vultosa expressão artística, mas com parcos incentivos de produção –, começou a se tornar uma realidade acessível a todos aqueles que a vislumbrem com empenho e seriedade. O surgimento de mecanismos dinamizadores de cultura e arte99, a multiplicidade de meios viáveis de divulgação, o interesse estrangeiro pelas manifestações culturais brasileiras, o crescimento do mercado de arte independente, o barateamento dos instrumentos de registro artístico, além de outros fatores correlatos, são mecanismos de acesso abertos a diversas áreas e categorias artísticas e culturais. No caso de Sousa, por via das ações do CCBNB-Sousa100, seminários ou cursos preparatórios para gestão cultural e elaboração de projetos a serem premiados pela própria instituição vez por outra são ofertados gratuitamente aos interessados, tal como na internet, também de forma gratuita, tem-se acesso a cursos online e textos para essa capacitação. Além disso, num futuro próximo, quem sabe instrumentistas e cantores ciganos, artesãos e outros possam vir a integrar o grupo ou, ainda melhor, os vários talentos da comunidade venham a organizar-se para desenvolver seus próprios projetos artísticos. Se ainda faltam programas de capacitação para adequar artistas ciganos ao universo das políticas culturais, o fato é que potencial artístico mina daquele povo e em todas as gerações.

A música, a dança e a poesia cultivadas como atividades lúdicas no cotidiano das comunidades de ambos os ranchos, jovens envolvidos com teatro e demonstrando a cadência necessária a essa atividade, o interesse pela expressão videográfica101, a criatividade na produção artesanal, tudo isso evidencia o espírito artístico como atributo cigano e confirma as características das imagens positivas do

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Seja pelas leis de incentivo à cultura, que viabilizam a criação de editais para patrocínio de projetos culturais oriundos de instituições públicas e privadas, seja pela criação dos Pontos de Cultura alimentados com verba pública, e pela expansão de salas de espetáculo e centros culturais pelos interiores.

100 Centro Cultural Banco do Nordeste do Brasil – Sousa. 101

imaginário popular sobre essa cultura. Dessa forma, J.B. e o Ponto de Cultura Estação Cultura tornam-se agentes dinamizadores da cultura Calon que, por um lado, influenciam na ressemantização de determinados elementos culturais, por outro, contribuem para a abertura de perspectivas reais quanto ao papel da arte cigana na transformação da sua realidade social, senão de todos, ao menos da parcela envolvida com essas atividades. Contribuir seria mesmo o termo apropriado, pois a matéria prima, ou seja, a dança e os dançarinos, já era uma realidade ofuscada pelo isolamento, já a organização e a promoção cultural ainda carecem do apoio de mediadores não ciganos.

As ações de JB e Válber, de forma pragmática, contribuem significativamente tanto para avanços nas relações entre ciganos e não ciganos, como para a ampliação de perspectivas de desenvolvimento de jovens da comunidade. O caminho escolhido é, sem dúvidas, o mais prático e vitorioso para esse fim: aproveitar os talentos natos, vibrantes no cotidiano de ciganos de todas as gerações e gêneros, e utilizar-se dos canais de fomento a cultura para potencializá-los e divulgá-los, contribuindo para a supressão do preconceito pela força da arte cigana.

CAPÍTULO V