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Capítulo 4 – O cenário internacional pós-Guerra Fria

1. Movimentos de repatriamento

A década de 1990 também se destacou pelos movimentos de repatriamento ocorridos em larga escala, resultando no retorno de 9 milhões de refugiados à sua terra natal (ACNUR, 2000a, p. 9). A seguir, trataremos do regresso aos países da América Central e ao Camboja.

Com relação aos refugiados provenientes de El Salvador e da Guatemala, ambos levaram a cabo o repatriamento antes que os acordos oficiais de paz tivessem sido assinados. Dessa forma, os refugiados salvadorenhos que se encontravam em Honduras começaram a retornar em grupos organizados. O governo salvadorenho se opunha ao repatriamento, tendo em vista que não poderia controlar a instalação dos refugiados no país. Tanto assim que estes repovoaram áreas esvaziadas em decorrência do conflito e se estabeleceram em outros locais à sua livre escolha. Os refugiados também pediram o apoio do ACNUR e de outras organizações para organizar o repatriamento. Contudo, como retornavam enquanto perdurava o conflito, colocando sua segurança em risco, o ACNUR não pretendia auxiliá-los nesse momento. Mesmo assim, na

metade dos anos 1990, cerca de 32 mil salvadorenhos já tinham voltado ao seu país (ACNBUR, 2000a, p. 143).

Da mesma forma, muitos refugiados guatemaltecos abrigados no México passaram a regressar em grupos organizados, após negociar as condições do repatriamento com o governo da Guatemala e o ACNUR. Enquanto alguns deixavam o país de acolhimento antes da assinatura do acordo de paz em 1996, outros somente o fizeram após esta. Assim, entre 1984 e junho de 1999, aproximadamente 42 mil guatemaltecos haviam partido do México e voltado à Guatemala. Por outro lado, cerca de 22 mil deles aceitaram a oferta do governo mexicano de permanecerem definitivamente no país. O ACNUR participou tanto da operação de repatriamento dos guatemaltecos, assim como implementou uma operação de reintegração aos retornados (ACNUR, 2000a, p. 143; 145; STEPPUTAT, 1999, p. 211-212).

Por outro lado, os nicaragüenses optaram por regressar apenas após a queda do governo sandinista, em 1990. No início da década, eles já totalizavam mais de 72 mil refugiados, 350 mil deslocados internos e 30 mil combatentes que haviam retornado aos seus lares (ACNUR, 2000a, p. 145).

Estes movimentos de repatriamento na América Central foram seguidos por operações da ONU voltadas para a construção da paz e reconstrução da infra-estrutura e de instituições atingidas pelos conflitos nesses países. Estas operações, que contaram com o apoio de ONGs locais, pautavam-se, especialmente em El Salvador e na Guatemala, em programas que visavam o reforço das instituições locais e nacionais, a resolução de questões sobre a distribuição de terra e a promoção da justiça e dos direitos humanos (ACNUR, 2000a, p. 145-146; STEPPUTAT, 1999, p. 213).

Além disso, os países centro-americanos se comprometeram na CIREFCA171 a buscar soluções para os problemas dos deslocamentos e para os refugiados, deslocados internos e repatriados da região, a partir do diálogo. Também se entendia que a paz somente seria alcançada através do desenvolvimento, elaborando-se um plano integrado de reconstrução regional. Diante disso, angariaram-se doações, que foram destinadas para o PNUD e o ACNUR, a fim de financiar projetos para as comunidades afetadas pelos conflitos (ACNUR, 2000a, p. 146-147).

Assim, os representantes dos Estados que participaram da CIREFCA discutiram projetos, elaborados em parceria com ONGs, que foram apresentados aos doadores internacionais. Como resultado, implementaram-se programas, com o apoio do PNUD e do ACNUR, que trabalharam em conjunto. Enquanto o primeiro prestava assistência aos governos, procurando concretizar os objetivos de desenvolvimento de longo prazo; o segundo voltava-se para os de curto prazo (ACNUR, 2000a, p. 147-148).

Vale destacar uma experiência importante, vislumbrada na CIREFCA, que foi implantada na operação de repatriamento da Nicarágua: o Projeto de Impacto Rápido (PIR). Este abrangia pequenos projetos, destinados à reabilitação de postos médicos, escolas, sistemas de abastecimento de água, dentre outros, que buscavam suprir necessidades urgentes da comunidade. Ademais, como contava com a participação dos membros desta e dos repatriados, o PIR contribuiu para o sucesso da reintegração deles no seio da comunidade local (ACNUR, 2000a, p. 149).

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A CIREFCA resultou na elaboração de outro documento, intitulado Declaración y Plan de Acción Concertado em favor de los Refugiados, Repatriados y Desplazados Centroamericanos. Para um estudo do documento na íntegra, ver: DECLARACION Y PLAN DE ACCION CONCERTADO M FAVOR E LOS REFUGIADOS, REPATRIADOS Y DESPLAZADOS CENTROAMERICANOS. In: ACNUR. Compilación de instrumentos

jurídicos internacionales: principios y criterios relativos a refugiados y derechos humanos. Genebra: ACNUR, 1992.

Por sua vez, no Camboja, a operação de repatriamento172 foi organizada pelo ACNUR, que também se incumbiu da reintegração dos retornados e dos deslocados internos no país. Calcula-se que, durante o curto período de março de 1992 a abril de 1993, mais de 360 mil cambojanos regressaram da Tailândia, além de 2 mil, que voltavam da Indonésia, Vietnã e Malásia (ACNUR, 2000a, p. 150-151; EASTMOND; ÖJENDAL, 1999, p. 41; ROBINSON, 1998, p. 240).

O ACNUR havia enumerado cinco condições para que o retorno ocorresse em condições de segurança para os refugiados e deslocados internos: paz e segurança; concessão de terra para plantio pelo governo; retirada das minas terrestres existentes em locais onde esses grupos se instalariam; reparação de estradas e pontes localizadas no caminho de volta percorrido por eles; e apoio financeiro dos países doadores. Contudo, estas condições só foram atendidas parcialmente. Um dos maiores problemas se tratava da grande quantidade de minas e explosivos instalados no país. Apesar das operações executadas para retirá-los, eles continuavam a ser colocados173, constituindo, assim, uma grande ameaça à segurança dos refugiados e deslocados internos (ACNUR, 2000a, p. 152).

Também no Camboja, a partir de 1992, o ACNUR implantou Projetos de Rápido Impacto em áreas do país em que se encontrava grande contingente de repatriados. Estes projetos envolviam a reparação e reconstrução de estradas, pontes, hospitais, postos médicos e escolas. Todavia, comparando-os com os da América Central, revelaram-se mais difíceis de se concretizarem, por não poderem contar com o apoio das ONGs locais, que não possuíam estrutura para fazê-lo. Em face disso, o PNUD auxiliou novamente o ACNUR a realizar a

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Vale registrar que a operação de repatriamento no Camboja foi dirigida por Sérgio Vieira de Mello, enviado especial do ACNUR ao país (ACNUR, 2000a, p. 151).

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O ACNUR (2000a, p. 152) aponta que, por volta de maio de 1993, a Unidade de Treinamento para Remoção de Minas tinha retirado cerca de 15 mil minas e outros explosivos, enquanto se calculava a existência de mais de 8 milhões de minas espalhadas no Camboja.

operação de repatriamento e reintegração cambojana e foi assumindo, cada vez mais, essa segunda tarefa (ACNUR, 2000a, p. 152; EASTMOND; ÖJENDAL, 1999, p. 42-43; ROBINSON, 1998, p. 253-257).

No tocante à reintegração dos repatriados em Camboja, a maior dificuldade consistiu no acesso à terra. Antes de regressarem, o ACNUR havia dito que eles receberiam 2 hectares de terra arável, além de utensílios domésticos e agrícolas, e que poderiam escolher as áreas de sua preferência. Com isso, a maioria dos cambojanos se dirigiu para a região mais fértil, localizada ao noroeste do país. Porém, não havia terras disponíveis suficientes para todos, principalmente em função do elevado número de minas instalado nelas. O ACNUR procurou resolver o problema propondo duas alternativas: que os repatriados se instalassem em outros lugares; ou que recebessem subsídio monetário e assistência material, composta por alimentos e utensílios domésticos e agrícolas. A segunda solução foi selecionada por 85% dos retornados (ACNUR,

2000a, p. 152-153; EASTMOND; ÖJENDAL, 1999, p. 43-45; ROBINSON, 1998, p. 241-242). Diante dessa situação, a instituição foi criticada por ter criado falsas expectativas aos

refugiados. Além disso, as autoridades cambojanas preocupavam-se com os efeitos que os subsídios monetários poderiam causar, temendo que os repatriados se dirigissem aos centros urbanos. No entanto, a maioria deles preferiu se estabelecer perto de seus familiares, nas zonas rurais (ACNUR, 2000a, p. 153; ROBINSON, 1998, p. 243).

Por fim, vale destacar que, durante os anos 1990, a atuação do ACNUR nas operações de repatriamento174 se modificou, quando comparada com as décadas precedentes. A instituição passou a se envolver nas operações da ONU voltadas para a construção da paz, objetivando a

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Barnett (2001) critica a atuação do ACNUR, que enfatizou as operações de repatriamento, durante os anos 1990. Para o autor, a instituição passou a se voltar para os países de origem, de onde provêm grandes contingentes de refugiados, no mesmo momento em que os países desenvolvidos começaram a negar refúgio aos solicitantes que chegavam aos seus territórios (como veremos adiante).

reconstrução de países atingidos por conflitos e a reintegração dos repatriados. Anteriormente, o ACNUR participava tão-somente da operação de repatriamento, para garantir a segurança dos refugiados. Além disso, outra questão que se tornou complicada na década de 1990, e que a entidade teve de enfrentar, residiu no financiamento a seus programas. Nos primeiros anos, os doadores se demonstraram generosos em suas contribuições, motivados pelo otimismo das operações voltadas para a paz. Todavia, essa posição se alterou posteriormente, tornando-se cada vez mais difícil obter apoio financeiro, principalmente para custear programas implementados em países de pouca importância estratégica (ACNUR, 2000a, p. 159).

Apesar do sucesso nos movimentos de repatriamento, levando milhões de pessoas de volta a seus lares e a se reintegrarem com o término dos conflitos, veremos, a seguir, que eles tornaram a eclodir em diversas regiões do mundo.

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