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Capítulo 1 – Os refugiados e as relações internacionais

2. Refugiados: categorias de análise

2.3.3. Repatriamento

Por fim, uma última solução, a mais desejada pelos refugiados e pelos países de acolhimento, é o repatriamento (ACNUR, 1997, p. 75). Esta solução foi utilizada intensamente durante a década de 1990, sendo que, hoje, existem quase 1,5 milhão de repatriados ou retornados no mundo, dos quais a maior parte voltou para países da Ásia (ACNUR, 2005d, p. 6).

Por meio dela, o refugiado é mandado de volta para seu país de origem. Isso só deve acontecer, no entanto, se o refugiado desejar e, nessa medida, deve-se respeitar o caráter voluntário do repatriamento71 (ACNUR, 1998, p. 89; MCNAMARA, 2003, p. 60; ANDRADE, 1997, p. 206).

Logicamente, o sentimento natural do ser humano é retornar ao seu lar, onde encontra suas origens e se identifica (ANDRADE, 1996a, p. 40). Desse modo, o que fundamenta o seu retorno é o direito de regressar, segundo o qual nenhum indivíduo pode ser privado arbitrariamente do direito de entrar em (ou de regressar a) seu próprio país72 (ACNUR, 1997, p. 53, ANDRADE, 1997, p. 215).

Entretanto, ante as perseguições e violações de seus direitos, que o fizeram abandonar sua terra natal, nem sempre o retorno será fácil ou mesmo possível (ANDRADE, 1996a, p. 40). Se as razões que o levaram a fugir persistirem no Estado de origem, o refugiado não deve retornar73, devendo-lhe ser permitido permanecer no país de acolhimento.

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Veremos, contudo, que, em algumas situações, este caráter voluntário foi desrespeitado pelos países, procedendo- se ao repatriamento forçado de refugiados.

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O direito de regressar está previsto no artigo XIII (2) da Declaração Universal dos Direitos do Homem: “Toda pessoa tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a ele regressar” (ONU, 2004, p. 345). Também se encontra regulamentado no artigo 12 (4) do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos: “Ninguém poderá ser privado arbitrariamente do direito de entrar em seu próprio país” (ONU, 2004, p. 353). A esse respeito, Trindade (1996, p. 91) salienta o direito do indivíduo de retornar com segurança ao lar.

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Observaremos que, em alguns casos, os refugiados decidiram retornar aos seus países de origem quando ainda ocorriam conflitos armados, em condições de regresso que não eram seguras.

Mesmo assim, muitos refugiados decidem retornar à sua terra natal por iniciativa própria, procedendo ao repatriamento espontâneo. Este se dá quando as hostilidades no país ainda não cessaram, um acordo formal não foi firmado entre este, o país de acolhimento e o ACNUR, e não há assistência internacional organizada (ANDRADE, 1997, p. 212; MCNAMARA, 2003, p. 63; ACNUR, 1998, p. 146-147).

De outro lado, o repatriamento organizado ocorre quando os refugiados contam com o apoio internacional. Caracteriza-se pela resolução dos conflitos no país de origem, pela celebração de acordos de repatriamento e pelo acompanhamento da operação pelo ACNUR (ANDRADE, 1997, p. 213-214; MCNAMARA, 2003, p. 63; ACNUR, 1998, p.147-148).

Esta operação deve ser levada a cabo em condições de segurança para o refugiado, que se referem à sua proteção legal, ao resguardo de sua segurança física e ao fornecimento de meios materiais que possibilitem sua sobrevivência no país de origem. E também em condições de dignidade, que se verificam quando o refugiado não é maltratado, quando o retorno se dá em caráter voluntário, quando não é separado arbitrariamente de sua família e quando é tratado com respeito pelas autoridades nacionais74 (MCNAMARA, 2003, p. 61).

Ademais, vale destacar que, embora o repatriamento constitua o fim de um ciclo do movimento de refugiados, representa também o início de um novo: a reconstrução dos países devastados por conflitos armados (KOSER; BLACK, 1999, p. 12).

Assim, o repatriamento é incentivado pelos países de acolhimento, que pretendem transferir a responsabilidade pelos refugiados aos seus países de origem. Porém, em muitas situações, estes carecem de condições para reintegrar seus nacionais, como, por exemplo,

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Preston (1999, p. 27-28) analisa as condições de segurança e dignidade, entendendo que a primeira se refere à segurança física, ao respeito dos direitos humanos do refugiado e à proteção contra o retorno forçado, enquanto a segunda, aos termos de qualidade de vida durante o retorno. A autora destaca que existem obstáculos para se identificar e aplicar estas condições na prática.

fornecer-lhes meios de subsistência (e, para tanto, devem contar com ajuda internacional). Ao mesmo tempo, o processo de reintegração também pode se revelar difícil para os refugiados, pois, diante da situação sócio-econômica do país, a comunidade local pode não ser receptiva a essas pessoas que regressam (ACNUR, 1998, p. 162).

Tabela 6 – Maiores movimentos de repatriamento em 2004

Destino (país de origem) Saída (país de acolhimento) Repatriados

Afeganistão Irã/ Paquistão 940.500

Iraque Irã/ Líbano/ Vários 194.000

Burundi Tanzânia/ República Democrática do Congo 90.300 Angola Zâmbia/ República Democrática do Congo

Namíbia/ Congo

90.200 Libéria Guiné/ Costa Marfim/ Serra Leoa/ Gana/ Nigéria 56.900

Serra Leoa Libéria/ Guiné 26.300

Somália Etiópia/ Djibuti 18.100

Ruanda República Democrática do Congo/ Uganda 14.100 República Democrática do

Congo

Burundi/ República Centro-Africana 13.800

Sri Lanka Índia 10.000

Fonte: ACNUR, Refugees by Numbers, 2005, p. 14.

2.4. Considerações finais

Após analisar os grupos originados por deslocamentos humanos, as principais causas geradoras dos movimentos de refugiados e as soluções implementadas em prol desse grupo, vale destacar algumas observações.

Primeiramente, as diversas classificações entre estes grupos, que abrangem refugiados, migrantes, deslocados internos, apátridas e asilados, decorrem de normas jurídicas estabelecidas pelo Direito Internacional. Contudo, na realidade, todos esses indivíduos se caracterizam por não gozar mais da proteção de seu país de origem (seja porque este não consegue fornecer os meios

que lhes garantam uma vida digna, seja porque sua liberdade ou segurança se encontra ameaçada, seja porque o vínculo com este país está desfeito), precisando se deslocar para obtê-la em outro Estado.

A existência dessas distinções faz com que, no plano prático, os refugiados tenham maior destaque na opinião pública; enquanto os deslocados internos não conseguem mobilizá-la, porque são refugiados em seus próprios países. Além disso, os migrantes são vistos com maus olhos, entendendo-se que teriam condições de subsistir em sua terra natal, mas optam por migrar em busca de melhores condições (quando, na realidade, provêm de Estados onde vivem em situação de pobreza).

Diante disso, a grande luta de muitas dessas pessoas consiste em conseguir se enquadrar na categoria de refugiado e, após isso, ser acolhido pelo país que o reconheceu como tal, conquistando direitos e deveres.

Nesse ponto, como a decisão de reconhecer um indivíduo como refugiado leva em conta diversos interesses, o Estado pode utilizar manobras jurídicas a fim de denegar o pedido de refúgio. Da mesma forma, as soluções implantadas com vistas a solucionar os problemas dos refugiados são concebidas a partir da visão estatal e, por isso, muitas vezes, podem não se revelar as melhores para os refugiados.

Isso posto, observaremos a seguir como os Estados foram se comportando em relação aos refugiados e como esta questão foi se desenvolvendo na conjuntura internacional, a partir do pós- Segunda Guerra Mundial.

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