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4 VOCÊ FECHA UM LIVRO E ABRE OUTRO

4.3 MOVIMENTOS DA NARRATIVA METAFICCIONAL

Será a proposta ex-cêntrica, do deslocamento tanto do sujeito como das estruturas padronizadas, que torna Abra este pequeno livro uma negação ao cartesianismo em vista de uma leitura ou escrita antirrealista e suspensiva. Portanto, é nesse sentido de compreender a dimensão metaficcional do livro ilustrado contemporâneo que nos empenhamos na aventura de abrir o pequeno livro de Jesse Klausmeier e Suzy Lee, lançado no Brasil pela Cosac Naify. Um livro ilustrado

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escrito por uma norte-americana estreante em parceria com uma ilustradora reconhecida por uma produção artística que desarticula os arquétipos pedagogizantes impostos pelo mercado editorial de infantojuvenis.

No livro ilustrado, o leitor é igualado à diegese ao atender à provocação (ordem ou pedido?) do título escrito em letra cursiva: abra este pequeno livro. Nas guardas iniciais, um espaço pouco lembrado como recurso narrativo, um padrão de gotas de água cai sobre a superfície do próprio livro, sobre o papel em tom amarelado (figura 29). As gotas que compõem as guardas são mais um elemento decorativo, cogita o leitor, se não as ignorar. Na página seguinte, à esquerda, encontram-se as dedicatórias envoltas por uma moldura estilizada em duas tonalidades de vermelho, além da biografia das autoras e a ficha técnica. Na folha de rosto (página ímpar) em cor violeta, o título se repete acima de alguns personagens, bichos que se personificam pelo ato da leitura: um coelho, um sapo de cartola e um terceiro, minúsculo, com uma xícara na mão, escondido pelo livro que lhe cobre todo o corpo (figura 30). Os animais são personagens conhecidos pela literatura infantil: a Coelha, a Joaninha (escondida pelo livro) e o Sapo são as inferências lançadas ao leitor por Klaumeier e Lee. Logo, as autoras estabelecem como objeto poético a transtextualidade, recurso essencial a Abra este pequeno

livro, por se colocar “em relação, manifesta ou secreta, com outros textos”

(GENETTE, 2010, p. 13), formando um palimpsesto de narrativas, pois em cada página-livro transposta um personagem clássico é revelado pela recriação poética.

Figura 29 - Gotas cinzas nas guardas iniciais de Abra este pequeno livro60.

Figura 30 - Dedicatória e folha de rosto de Abra este pequeno livro.

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Na página seguinte à folha de rosto (página par), vemos uma ilustração de um livro vermelho, com bolinhas pretas, sobre uma vegetação apática, incolor. (rever figura 28) O cenário é mínimo, sendo tomado pelo vazio da página. Acima da ilustração, a narrativa se repete: “Abra este...” (par). Percorrendo a visão da página par à ímpar, o nível ficcional muda drasticamente: a página da direita não é mais um suporte ao texto e à ilustração do livro vermelho, mas corporifica a capa do Pequeno

livro vermelho propriamente dita. Ou seja, enquanto no primeiro o leitor interage com

o nível ficcional da obra; no segundo, a obra invade o nível de realidade do leitor. Havendo, assim, uma especularização da narrativa que causa um contraponto de perspectiva61: o leitor é ora observador ora partícipe. Assim, a página par do livro apresenta uma composição visual mais comum nos livros ilustrados enquanto a página ímpar busca a quebra da composição texto-ilustração-texto, integrando a palavra e a imagem ao objeto livro.

Esse processo de espelhamento da narrativa se inicia desde a abertura do

Pequeno livro vermelho até o Pequeno Livro Arco-íris62, de modo que o contraponto

intraicônico entre o texto e a imagem, atrelado ao formato e proporção dos pequenos livros em relação aos personagens e cenários, é marcante para a composição de Abra este pequeno livro. Adentrando o Pequeno livro vermelho, por exemplo, vemos a ilustração da Joaninha segurando o Pequeno livro verde no colo, na página par (rever figura 28). Além do uso do diminutivo e do adjetivo, a miudeza da protagonista e do livro também são potencializados em relação às gigantescas plantas vermelhas que compõem o plano de fundo. Porém, o Pequeno livro verde salta do nível de ficção da página par, expresso por meio de ilustração, para permear o nível de realidade do codex, na página ímpar. Neste nível, o leitor não mais observa a Joaninha segurar o livro verde, mas o tem em suas próprias mãos, provocando uma ambiguidade de perspectiva, enquanto que não podemos

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Segundo Nikolajeva e Scott (2010), a narratologia distingue entre quem está falando e quem está vendo na diegese. Para as autoras, no livro ilustrado, o primeiro é expresso principalmente por meio de palavras e o segundo, por palavras ou imagens, quando metafórico ou literal, respectivamente (p. 44).

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Os personagens de histórias infantojuvenis clássicas suscitados por Jesse Klausmeier e Suzy Lee foram: a Joaninha, o Sapo, a Coelha, a Ursa e a Giganta. Protagonistas, respectivamente, do

Pequeno Livro Vermelho, do Pequeno Livro Verde, do Pequeno Livro Laranja, do Pequeno Livro Azul

e do Pequeno Livro Arco-íris. Ao personagem-leitor, por sua vez, cabe o livro desencaeador de toda trama especular: Abra este pequeno livro, de cor violeta (evidenciada na capa da edição brasileira, pela Cosac Naify).

asseverar se o leitor bisbilhota o livro da protagonista ou se agora ele é a própria Joaninha.

Em vista disso, os formatos dos livros são determinantes não só para o contraponto semântico e visual, como também para a corporificação do codex no processo de recepção e recriação da obra, indo além da estrita relação palavra- imagem, em vista de uma dinâmica que apela para a nossa experiência sensível. A dimensão do Pequeno livro vermelho, por exemplo, tem 16,5 por 21,5 cm, gigante em comparação à protagonista Joaninha, bem como ao Pequeno livro arco-íris que possui apenas 7,5 por 5 cm – embora este tenha como protagonista a Giganta, mal cabendo o polegar da personagem. No entanto, tanto o contraponto de perspectiva quanto entre a narrativa e os formatos dos livros somente são percebidos ao passo que os pequenos livros são abertos e seus respectivos personagens apresentados.