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PARTE I – CRISE CAPITALISTA E MOVIMENTOS SOCIAIS

1 MOVIMENTOS SOCIAIS E MANIFESTAÇÕES MASSIVAS NO CONTEXTO

1.2 MANIFESTAÇÕES MASSIVAS E MOVIMENTOS SOCIAIS NO MUNDO: O

1.2.1 Movimentos sociais e manifestações massivas atuais no Brasil

Safatle (2012), em conferência voltada para os participantes do movimento Ocupa Sampa em 2011, ao se reportar aos occupy que ocorreram em outros países, indica:

Talvez os manifestantes tenham entendido que a democracia parlamentar é incapaz de impor limites e resistir aos interesses do sistema financeiro. Ela é incapaz de defender as populações quando os agentes financeiros começam a operar, de modo cínico, claro, a partir dos princípios de um capitalismo de espoliação dos recursos públicos. Não é por outra razão que se ouve, cada vez mais, a afirmação de que a alternância de partidos no poder não implica mais alternativas de modelos de compreensão dos conflitos e políticas sociais. Por isso, o cansaço em relação aos partidos tradicionais não é sinal do esgotamento da política. Na verdade, é o sintoma mais evidente de uma demanda de politização da economia (SAFATLE,2012, p. 48).

O autor lembra ainda que a democracia parlamentar não é a única forma de democracia. Subjaz ao pensamento deste autor, uma crítica a esta forma de democracia ao apontar como alternativa a ampliação da democracia plebiscitária que priorize instrumentos de participação mais direta. Para ele, os movimentos sociais não devem se apoiar em partidos, sindicatos e estruturas governamentais que apesar de ter certa funcionalidade em determinados momentos, não possuem capacidade de repercutir o processo de ruptura com a democracia representativa. O autor toma como exemplo o curso de governos de esquerda (social-democratas) em países da Europa e a diferença meramente retórica dos partidos de direita, para afirmar que a época de mobilização com vistas à estrutura partidária acabou, indicando que os movimentos sociais devem conservar-se fora do jogo partidário, uma vez que a inserção neste diminui a força de pressão dos movimentos.

A análise de Sampaio Júnior (2017) indica que também no Brasil, o curso dos governos petistas (de raízes esquerdistas) manteve a economia do país submissa à lógica especulativa

do grande capital financeiro, dando continuidade à orientação iniciada pelos governos de direita anteriores (Collor e FHC), ainda que com particularidades.

Segundo o autor,

Em relação a seus antecessores a especificidade dos mandatos de Lula e Dilma foi dada pela necessidade de legitimar junto à classe trabalhadora e à população pobre de uma maneira geral o padrão de acumulação liberal periférico fortemente desgastado pelos anos seguidos de crise econômica e ajuste estrutural monitorado pelo FMI (SAMPAIO JR., 2017, p. 176).

Segundo o autor, a intensificação do ajuste fiscal, que superou até mesmo as metas impostas pelo FMI, foi “compensada” com aumento nos gastos do governo com programas assistenciais, crescimento real contínuo do salário mínimo e crescimento da economia com promessas de gerar empregos.

Nos oito anos do governo Lula (PT) em média 2,7% do PIB foi direcionado para transferências fiscais voltadas ao pagamento dos juros da dívida externa, um aumento equivalente a 80% em relação à média dos oito anos de governo FHC (PSDB). Ao mesmo tempo, a comparação do mesmo período demarca um crescimento na economia brasileira de 3,7% na gestão Lula, 75% acima da media registra na gestão FHC, e ainda, um aumento de 0,08% do PIB gasto com programas de assistência nos anos FHC para 1,08% nos anos Lula. Além disso, em dez anos de governo petista, o salário mínimo apresentou crescimento médio real de 1,08%, um acumulado de 80% de ganho real no final do período. Mesmo assim, o poder de compra manteve-se bem abaixo do apresentado no início dos anos 1980 (SAMPAIO JR., 2017, p. 176-7).

Entretanto,

Quando parecia que o Brasil seria imune às turbulências da crise econômica mundial, em 2011, no início do governo Dilma, começaram a aparecer os primeiros sinais de que a estratégia de surfar na bolha especulativa internacional atingira seu limite (SAMPAIO JR., 2017, p. 178).

Não tardou para que os efeitos começassem a aparecer no país, nos dois primeiros anos de governo Dilma, o crescimento foi de 1,8%, metade em relação aos oito anos de governo Lula. Já no final de 2012 a quase estagnação na renda per capita brasileira dava mostras de que as tentativas do governo petista em manter o país distante da crise capitalista mundial sem romper com a lógica do grande capital eram incapazes de cumprir tal propósito.

Para o autor as contradições econômicas e sociais acumuladas na sociedade brasileira mesmo durante os governos petistas fundamentam a indignação da população expressa nas ruas do

país em Junho de 2013, encerrando uma década de “paz social” do governo petista (SAMPAIO JR., 2017, p. 180).

Sobre as Jornadas de Junho35, como ficaram conhecidas as manifestações massivas no Brasil que ocorreram em 2013, o autor voltava sua atenção, no calor do debate, para a crise de representatividade exposta na distancia entre os anseios dos governados e as ações dos governantes para pensar as causas da crise política no país. Para o mesmo,

O repúdio aos políticos profissionais, a rejeição aos partidos e a ojeriza à política convencional derivam da irrelevância prática das eleições como meio para resolver os problemas fundamentais do povo. Para a grande maioria dos brasileiros, os políticos legislam em causa própria, mancomunados com os verdadeiros donos do poder (SAMPAIO JR., 2017, p. 189).

Para o autor, essa rejeição aos partidos, expressa na crise de representatividade desnuda uma crise política maior, cuja causa está na incapacidade do sistema político-partidário brasileiro sustentar um processo de democratização orientado pelos anseios das classes subalternas. Por isso, o autor enfatiza que a indignação das ruas está endereçada aos partidos da ordem, ainda que o esforço midiático tente distorcer e colocar todos os partidos no mesmo barco. Desta feita, afirma: “Os que negam o direito de partidos contra a ordem levarem suas bandeiras para as manifestações defendem, na verdade, a bandeira verde e amarela da ‘ordem e progresso” (SAMPAIO JR., 2017, p. 190), logo, poderíamos completar, seguem o partido da ordem capitalista ainda que no plano do discurso se coloquem como antipartidários ou apartidários. Para Singer (2013), os acontecimentos massivos de 2013 não chegaram a questionar a ordem capitalista. As relações de classe e a questão da propriedade privada não estiveram no centro das manifestações e a pauta política manteve-se difusa. Para melhor entender o significado dos “acontecimentos de junho”, o autor dividiu o mesma em três fases. A inicial (de 6 a 13 de junho) restringiu-se quase exclusivamente a cidade de São Paulo, envolveu um grupo pequeno pertencente à classe média (em torno de 2 a 5 mil pessoas no período) convocado principalmente pelas redes sociais e tinha como pauta central a redução da passagem do transporte rodoviário público. Os protestos foram reprimidos violentamente pela polícia, como já é histórico no país.

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Conjunto de protestos detonados a partir das manifestações realizadas pelo Movimento Passe Livre em São Paulo reivindicando a revogação do aumento da passagem (MPL, 2013), cujas pautas foram ampliadas para diversas demandas sociais. As manifestações se espalharam para mais de 350 municípios e mobilizou milhões de pessoas, conquistaram a revogação do preço das passagens e ameaçaram os eventos da Copa das Confederações (SINGER, 2013, p. 24).

Entretanto, o exagero no uso da repressão transformou-se no seu contrário e acabou por servir à mobilização da população e levou o movimento para uma segunda fase (de 17 a 20 de junho), na qual as manifestações se espalharam de forma espontânea para inúmeras cidades do país, multiplicando significativamente não só o número de participantes como também as pautas reivindicadas. No dia 20 (um dia após a revogação da tarifa), as manifestações chegam ao ápice de mobilização (atinge cerca de 1,5 milhão de pessoas).

Posteriormente, na última fase (do dia 21 ao fim de junho) o movimento passou a apresentar mobilizações com objetivos específicos que já sinalizavam fragmentações e desmobilização. Segundo o autor, a composição dos acontecimentos de junho no Brasil chamou atenção dos analistas, que se dividiram em duas interpretações mais gerais, uma com o foco na presença significativa da classe média e outra, do precariado. Com base em algumas pesquisas, o autor sugere que a onda teve composição mista simultânea, sendo

tanto expressão de uma classe média tradicional inconformada com diferentes aspectos da realidade nacional quanto reflexo daquilo que prefiro denominar de novo proletariado, mas cujas características se aproximam, no caso, daquelas atribuídas ao precariado pelos autores que preferem tal denominação: trata-se de trabalhadores, em geral jovens, que conseguiram emprego com carteira assinada na década lulista (2003-2013), mas que padecem com baixa remuneração, alta rotatividade e más condições de trabalho (SINGER, 2013, p. 27).

A partir dos atos ocorridos nas principais cidades (SP, BH, RJ e outras oito capitais), o autor mostra que, a composição social dos protestos era majoritariamente de jovens (até 25 anos) tanto na primeira como na segunda fase. Mesmo com o aumento de pessoas mais velhas na segunda fase, 80% dos entrevistados tinham de 26 a 39 anos, ou seja, eram jovens e ou jovens adultos.

Os entrevistados apresentavam majoritariamente alta escolarização, o que sugere distanciamento da base da pirâmide social brasileira, pois considerada a realidade do país, mesmo com o crescimento no número de ingressantes no ensino superior advindo das classes mais baixas, este número é incompatível com as cifras apresentadas nas pesquisas, indicando a possibilidade da presença da classe média tradicional nos protestos. Entretanto, ao comparar as variáveis escolaridade e renda, o autor observa que os dados pareciam incompatíveis uma vez que, conforme as pesquisas, cerca de metade dos manifestantes apresentou baixo rendimento, entre dois e cinco salários.

O que levou o autor argumentar de que apesar da presença da classe média nas ruas, esta não correspondia ao todo das manifestações. Para ele,

[...] a melhor imagem para descrever a composição social das manifestações seja a de dois blocos relativamente equivalentes, formados por jovens e jovens adultos de classe média e outro por pessoas da mesma faixa etária, mas pertencentes à metade inferior da estrutura social brasileira, sendo estes com menos escolaridade média. [...] a segunda fase das manifestações teria produzido, em consequência, um cruzamento de classes (SINGER, 2013, p. 32).

Por isso, para o autor, apesar das manifestações de junho de 2013 terem ressaltado o contraste entre os extremos do espectro político, o centro ajuda a compreendê-las melhor. A partir do momento que a classe média foi para as ruas, o movimento “liderado” pela nova esquerda, expressa no MPL - caracterizado pela horizontalidade, descentralização, autonomia e distanciamento de modelos hierarquizados, o que o aproximava dos movimentos Occupy Wall Street e 15M - manteve-se fiel a suas propostas organizativas e recusou-se a dar direção às mobilizações, deixando o cenário livre para a ação de outros sujeitos sociais. De forma, que as manifestações transformaram-se em uma miscelânea política que abrigou desde a extrema- esquerda à extrema-direita.

A ação da direita na intenção de direcionar as inúmeras demandas para a pauta da anticorrupção acabou tingindo a segunda fase, ao mesmo tempo em que nesta aparecia um tom popular crítico aos gastos com a Copa do Mundo e as Olimpíadas tornando as desigualdades sociais expressas nos centros urbanos combustível para os protestos; houve um “cruzamento ideológico”, que era de esperar dada a mistura de classes (SINGER, 2013, p. 36).

Para o autor, “[...] o realmente novo foi a atuação do centro, o qual teve a vantagem de poder assumir uma e outra bandeira [...]. Funcionou, assim, como uma espécie de inesperado generalizador do programa espontâneo das ruas” (SINGER, 2013, p. 36.). Tal como é característico do centro, o confronto de classes que pudesse ameaçar a ordem capitalista é diluído, no lugar a luta contra um Estado opressor e antiquado à moderna sociedade participativa que toma as ruas e as redes sociais independente da ação de instituições e meios de comunicação tradicionais e passa a ecoar uma mudança de valores. A segunda fase, segundo o autor, teria apresentado uma apropriação do centro, sobretudo, “pós-materialista” e não da direita como outros autores (VALENÇA, 2013; VERDÚ, FERRAZ, 2015) evidenciaram.

Não apenas o centro é a posição individualmente majoritária, mas, se considerarmos que a centro-esquerda e a centro-direita podem ser vistas como parte de um centro ampliado, chegaremos a que perto de 70% dos participantes giravam em torno de posições centristas. Faz sentido pensar que a esquerda e a direita se encontraram no centro ao cruzarem, em sentidos opostos, as avenidas do país (SINGER, 2013, p. 38).

Conforme o autor, não havia evidências suficientes para afirmar para que lado o “novo proletariado” pendeu, poderia assumir a bandeira de investimentos sociais do Estado como direciona a esquerda, mas também a pauta da direita de combate à corrupção ou ainda a própria ideia defendida pelo centro pós-materialista de uma maior participação social e redução do Estado.

As Jornadas de Junho também foram problematizadas por Braga (2013) no auge do momento como expressão da local da onda de protestos mundial. O autor tratou as manifestações massivas no Brasil, a partir da luta pela consolidação e ampliação de direitos de cidadania no Brasil36, trazendo para além da agenda do transporte público, temas como saúde, educação e segurança pública37. Nas palavras de Rolnik (2013, p.8) “uma infinidade de agendas mal resolvidas, contradições e paradoxos” que tiveram a importância de trazer de volta a utopia. Conforme também destacaram Verdú e Ferraz (2015), ao compararem as Jornadas de Junho e o 15M, na Espanha, diferente deste país, cujas implicações da corrosão do Estado de Bem- Estar Social explicam a explosão dos protestos, o Brasil nunca ofereceu bem-estar social aos seus cidadãos, ao contrário, “[...] a ausência de direitos, o desemprego, os baixos salários, o trabalho desprotegido, os serviços públicos precários e a corrupção são característicos do Estado brasileiro” (p. 380).

Em sentido próximo, ao comparar o caso concreto de Portugal e do Brasil, Braga (2015) aponta que a saída da crise e a tentativa de retomar o crescimento econômico levaram o governo português a introduzir uma ofensiva política de cortes dos gastos públicos combinada a ataques aos direitos trabalhistas, políticas de cortes salariais, demissões em massa e aposentadoria compulsória.

Os efeitos desta combinação sobre a vida de amplos segmentos da população tem sido devastadores. Enquanto parcelas significativas da classe trabalhadora em Portugal encontram-

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Braga (2015) reafirma este argumento ao considerar "[...] uma das principais lições das chamadas Jornadas de Junho, a automobilização em defesa dos direitos de cidadania continua definindo o horizonte de intervenção política dos jovens trabalhadores precarizados no Brasil" (idem, p. 32).

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Segundo Braga (2015), para o jovem precariado urbano, "os gastos universais com saúde, educação e mobilidade urbana são largamente prioritários, na medida em que consolidam direitos e fortalecem a articulação entre a elevação das qualificações e o aumento da proteção social" (idem, p. 31).

se no desemprego, os principais grupos econômicos seguem com aumento na lucratividade, demonstrando a natureza perversa do capitalismo globalizado (BRAGA, 2015).

Esta face ainda mais ofensiva do capitalismo que se arrasta desde a segunda metade dos 1970, potencializa-se após 2008, culminando segundo as palavras do autor no "atual aprofundamento da precarização laboral em escala global" (BRAGA, 2015, p. 26).

Diferentemente, segundo o autor, como no Brasil a precariedade da reprodução da força de trabalho é um traço inerente ao fordismo periférico, mesmo em períodos de crescimento econômico este traço continua a imperar.38 Desde os anos de 1940, as classes subalternas mobilizam-se objetivando garantir, efetivar e ampliar direitos de cidadania legalizados no cenário nacional. Por isso não é de se estranhar que por muitas vezes a consciência da classe trabalhadora limite-se à consciência reivindicativa, a "consciência do direito a ter direitos" (BRAGA, 2015, p. 100).

Salvaguardadas as diferenças entre estes países, o autor afirma que no contexto de lutas atuais, os jovens trabalhadores brasileiros lutam para efetivar os direitos sociais, enquanto os portugueses almejam conservá-los.

Para Braga (2015, p. 113), "Junho de 2013 entrará para a história das rebeliões no Brasil como uma data emblemática". Isso não só pela amplitude dos protestos39, mas principalmente pelas características em comum com as manifestações que ocorreram em outros países, potencializadas a partir da crise de 2008.

O Brasil, conforme a análise do autor, devido às lutas políticas e sociais na década de 1980, conseguiu adiar a implantação do neoliberalismo, em relação a países que o introduziram ainda nas décadas de 1970 e 1980. Como saldo das lutas no cenário nacional nos anos de 1980, a nova Constituição (1988) expressava a disputa de dois projetos distintos que estavam em curso no Brasil, entretanto, os anos de anos de 1990, demonstraram a hegemonia do

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Apoiando-se em dados do IBGE (2010), o autor mostra que entre 2003 e 2010, a taxa da informalidade laboral no Brasil ainda era de 44%, mesmo com o crescimento econômico e com a formalização do emprego (BRAGA, 2015, p.27).

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Segundo o autor, em termos de amplitude dos protestos, as Jornadas de Junho comparam-se apenas às campanhas pelo impeachment do presidente Collor, em 1992, e pelas eleições diretas, em 1984. Conforme o autor, os protestos de 2013 ocorreram em quase todas as capitais do país. A explosão contagiou desde os grandes centros e pequenas periferias até os lugares mais distantes do país.

neoliberalismo40, impedindo muitas conquistas inseridas no campo formal de se concretizarem.

É o que também indicam Verdú e Ferraz (2015),

As lutas sociais e o esforço em construir um Estado de Bem-Estar no país a partir da nova Constituição de 1988, foram derrotadas pela adesão das elites econômicas dos governos brasileiros aos ditames do neoliberalismo e pela reinterada inserção subordinada e dependente na economia mundial, mantendo e ampliando o empobrecimento da população e de um estado a serviço dos interesses do capital financeiro especulativo (p. 380-381, tradução nossa).

Para Braga (2015), quando o Partido dos Trabalhadores (PT) alcançou o executivo federal, com a eleição de Luis Inácio Lula da Silva, o cenário já não era o mesmo que tinha levado à formação deste partido. Assim, o mesmo apresentou muitas continuidades em relação ao governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso (FHC), do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).

Segundo Braga (2015), o PT apresentou um governo de coalizão de classes, fundamentado em um modelo de desenvolvimento baseado no aumento dos gastos sociais e estímulo à formalização do mercado de trabalho, que possibilitou maior proteção social a um conjunto expressivo de brasileiros, ao mesmo tempo, este modelo reproduziu a cartilha rentista de manter altas taxas de juros e flutuação cambial, garantindo a lucratividade aos setores capitalistas dominantes (BRAGA, 2015).

O autor esclarece como o PT alcançou hegemonia junto à classe trabalhadora ao indicar que [...] a hegemonia petista consolidou-se por meio da combinação de duas formas de consentimento popular: por um lado, as lideranças petistas incorporaram - por meio de milhares de cargos administrativos de assessoramento e do controle sindical dos fundos de pensão - muitos movimentos sociais e populares ao governo, conduzindo o movimento sindical a uma verdadeira fusão com o aparelho de Estado; por outro, os setores mais empobrecidos e parte dos segmentos mais precarizados, da população trabalhadora foram seduzidos pelas políticas públicas do governo federal, em especial pelo PBF [Programa Bolsa Família], pelo crédito direto e pelos aumentos reais do salário mínimo (BRAGA, 2015, p. 118).

Em contrapartida, Braga (2015) demonstra que a formalização do emprego e os ganhos reais no salário mínimo não devem ser interpretados simploriamente como melhoria substantiva nas condições de vida e de trabalho dos brasileiros, haja vista que é preciso considerar também a precarização nas condições de trabalho visível no crescimento do número de acidentes de trabalho, na maior rotatividade do trabalho, no aumento das taxas de

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Nas palavras do autor, os anos de 1990 datam a "era da desertificação neoliberal" no Brasil, possibilitada pela combinação de uma série de processos: "neoliberalismo, reestruturação produtiva, financeirização, desregulamentação, privatização e desmonte" (BRAGA, 2015, p. 116).

terceirização, na flexibilização da força de trabalho, além disso, no declínio nos serviços de transporte público, de saúde e educação.

Foram estas condições que, segundo o autor, possibilitaram um estado de insatisfação latente entre os trabalhadores, sobretudo, entre os segmentos mais jovens, não qualificados ou semiqualificados e sub-remunerados. Condições estas que foram gestadas no governo Lula e endossadas no governo Dilma.

Tendo como referência os dados apresentados por Braga (2015) é possível notar que esta insatisfação já estava sendo expressa nas ruas, em diversas manifestações de grevistas (por exemplo, dos trabalhadores da indústria da construção civil, dos bancários, dos trabalhadores dos correios), nos dois anos anteriores às Jornadas de Junho (2012 e 2011). A partir deste quadro, o autor afirma: "a questão da efetivação e ampliação de direitos é chave para entendermos as bases sociais da maior revolta popular da história brasileira" (BRAGA, 2015, p. 121).

De fato muitas análises realizadas ainda no calor das manifestações trouxeram o debate sobre a “nova geração de movimentos urbanos” e a luta pelo direito à cidade (ROLNIK, 2013, p.9). As cidades, enquanto concretização de desenvolvimentos geográficos desiguais, expressam uma contradição, uma vez que, ao mesmo tempo em que ampliam o espaço de interação

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