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2. A trajetória da prática educacional no Brasil: um olhar à luz da Didática

2.2 Mudam-se as mãos – permanece o espírito

transição do feudalismo para o capitalismo, portanto projetos de dominação em relação à nova ordem tinham de ser construídos.

De acordo com Paiva (1981, p.11), a Didática utilizada no código Pedagógico dos Jesuítas, compreendia “[...] um conjunto de normas metodológicas referentes à aula, seja na ordem das questões, no ritmo do desenvolvimento e seja, ainda, no próprio processo de ensino.” Uma Didática formal14, centrada no intelectualismo e na visão essencialista de homem.

Nas palavras de Sanfelice (1996), podemos dizer que, “aos olhos do capitalismo, os jesuítas cumpriram adequadamente a sua missão. Catequizaram, cristianizaram o conjunto da população, reproduziram os quadros da igreja e cuidaram da formação de alguns varões filhos da elite.” (p.6)

2.2 Mudam-se as mãos – permanece o espírito

Seguindo os preceitos adotados pelos precursores do processo educacional no Brasil, o modelo pedagógico instituído, embora prevaleça durante quase todo período que vai do Brasil Colônia à República, sofre algumas mudanças educacionais, principalmente após a vinda da

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A Didática aplicada nesta proposta pedagógica compreendia o uso de instrumentos e regras metodológicas

pautadas da seguinte forma: Estudo privado: era de competência do mestre prescrever o método de estudo, a matéria a ser ministrada e o horário das aulas; Aulas: de caráter expositivo e sob a responsabilidade do mestre; Repetição: aos alunos caberia decorar textos e exercícios e expor publicamente; Desafio: método utilizado pelo mestre para estimular a competição entre os alunos;Disputa: defesa de tese elaborada pelos alunos a partir de temas previamente estabelecidos; Avaliação: provas orais e escritas elaboradas pelos mestres com o objetivo de avaliar o aproveitamento dos alunos.

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Corte Portuguesa15 para o Brasil. Com este fato, são criadas as primeiras instituições de ensino superior como, por exemplo, a Faculdade de Direito e de Medicina. Além disso, no início do Segundo Reinado, ainda no período Regencial, deu-se início ao movimento pela construção da identidade nacional, ou seja, o projeto Brasil Nação (lembrando que éramos um país recentemente independente) com todos os intelectuais do romantismo envolvidos inclusive valorizando a nossa origem indígena (período de 1830 em diante). Em 1832 fundou-se o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro que tinha por objetivo uma longa pesquisa a respeito do Brasil que contribuísse para esse projeto de Estado Nação.

Por meio de política de reformas, propostas por Marques de Pombal16, dentre as inúmeras medidas tomadas, a educação brasileira passa a ter um novo contorno, sendo alterada radicalmente a direção das práticas educativas, a começar pela expulsão dos padres jesuítas e a adoção do ensino laico, por meio da qual, professores leigos estavam autorizados a assumir as aulas régias. Assim, a primeira reestruturação da educação no Brasil se materializa na Reforma Pombalina, compreendendo a supressão do ensino religioso das escolas públicas e a adoção do ensino laico pelo Estado.

15 O motivo da vinda da família real para o Brasil foi a Revolução Francesa e a expansão napoleônica na Península

Ibérica. Portugal não cumpre o Bloqueio Continental (1806) feito por Napoleão, que estipulava que os países da península ibérica não deveriam comercializar com a Inglaterra, Portugal continua comercializando com a Inglaterra, e então, é invadida por Napoleão, provocando, assim, a fuga da família real para o Brasil.

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Sebastião José de Carvalho e Mello, Marquês de Pombal. (1699-1782), estadista português. Tornou-se ministro de assuntos exteriores e da Guerra em Portugal, com a elevação ao trono de José I, em 1750; a indolência do Rei deu- lhe o controle do país. O Marquês de Pombal considerava a dominação da Igreja a principal razão para o atraso de Portugal. Extinguiu as missões jesuíticas estabelecidas na América do Sul como parte do Império Português, e , em setembro de 1759, expulsou os jesuítas de Portugal. A Inquisição passou ao controle do Estado. Em 1755, quando um terremoto devastou Lisboa, organizou a reconstrução da cidade. Apesar de a redução da influência eclesiástica ser um dos objetos iluministas, Pombal tinha pouco interesse em reformas.

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Pode-se dizer que ao retirar o que havia em educação no Brasil, Pombal modifica a estrutura jurídica, mas não promove investimentos que promovam a educação para todos. Cria aulas régias, aulas avulsas e o mito do bacharelismo.

Como os rumos da vida sócio-econômico-política dos países em desenvolvimento eram e são, ainda hoje, definidos a partir de acontecimentos externos, o Brasil, por volta de 1870, influenciado pelos fatos que ocorriam na Europa, também se modifica, passando de uma economia agrário-exportadora-dependente para uma economia urbano-comercial-exportadora. A expansão cafeeira é considerada uma das grandes responsáveis por esta fase.

Sobre a crise do setor agrário-exportador, Felix (1985, p.19), afirma:

Com essa crise o Estado passa a acionar mecanismos de intervenção e repressão como a legislação sobre a entrada e permanência de estrangeiros no país; [...] legislação sobre a organização e manifestação das massas; [...] legislação sobre a organização do sistema escolar, estabelecendo medidas de recentralização do ensino sob o controle da União, tais como nacionalização do ensino primário e sua homogeneização em todo território nacional.

Dentre outras medidas aplicadas neste contexto, não podemos deixar de citar a aprovação da Reforma Benjamim Constant, em 1890, que, sob os pilares do positivismo, contribuiu de forma intensa para a disseminação no Brasil do ideário burguês de mundo e de sociedade e para a consolidação do poder nas mãos da burguesia industrial.

Diante da realidade educacional no Brasil, que neste momento tenta se desvencilhar das práticas pedagógicas até então utilizadas e da nova “performance” da escola, agora embasada na

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pedagogia tradicional moderna, é importante rever o que de fato se modifica, quando a finalidade da educação e a formação pedagógica dos professores sofrem alterações. Sobre a nova versão da Pedagogia Tradicional, de caráter leigo, universal e gratuita Saviani (1984, p.274), diz: “[...] a versão leiga da Pedagogia Tradicional mantém a visão essencialista de homem, não como criação divina, mas aliada à noção de natureza humana essencialmente racional.“

Sobre as características dessa teoria pedagógica e sobre os papéis que cabem ao professor e ao aluno, encontramos:

• Professor: é considerado o centro do processo de ensino, é o transmissor da verdade universal produzida na história;

• Conteúdo: focado no ensino humanístico de cultura geral, enciclopédico sob a visão essencialista de homem; dogmático;

• Método: baseado nos princípios universais lógicos (preparação, apresentação, comparação, assimilação), centrado no intelecto, na essência;

• Relação Pedagógica: compreende uma atuação vertical e hierárquica do professor sobre o aluno;

• Aluno: aquele que tem o dever de seguir com atenção as aulas e as exposições do professor para a apreensão dos conteúdos; é sujeito passivo e receptivo na relação pedagógica;

• Disciplina: é a garantia de ordem;

• Avaliação: provas oral e escrita, momento de devolução ao professor do conhecimento apreendido nas aulas.

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Centrada na capacidade cognitiva, a Didática, neste modelo, compreende um conjunto de normas e regras que visam garantir, aos futuros professores, as orientações necessárias para a realização do trabalho docente. De acordo com Veiga (1991), a atividade docente, nesta concepção, é entendida como inteiramente autônoma, face à política dissociada das questões entre escola e sociedade. Um trabalho pedagógico que separa teoria e prática, que compreende a educação como algo a ser transmitido de fora para dentro ao aluno e considera a figura do professor como aquele que organiza, sistematiza e orienta a condução do conhecimento na escola.

Assim a escola materializou seus espaços e ações pedagógicas de forma invariável e a preocupação com a Didática, quase um século depois da consolidação da Pedagogia Tradicional Leiga no Brasil, foi inserida como disciplina no currículo das escolas normais secundárias. Esta ação era o prenúncio de que alguma coisa precisava mudar na educação e na configuração do trabalho. Nos períodos seguintes, apesar do estilo pedagógico produzido e praticado até o momento permanecer entranhado na realidade educacional brasileira, a educação tradicional cede espaços para outros modelos pedagógicos.

No período de 1930 a 1945 a sociedade brasileira sofre as conseqüências da crise do capitalismo mundial, fato que atinge duramente a sua produção cafeeira. O Brasil é obrigado a assumir um novo perfil político-econômico, passando de uma economia urbano-comercial exportadora para o modelo sócio econômico de importações. Importante dizer que, neste momento histórico, o mundo se transformava mais rapidamente, a ciência apresentava novas configurações sobre o conhecimento humano, a industrialização acenava a chegada de novos tempos e a guerra, assim como se mostra hoje aos governantes do mundo, se mostrava, na época,

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como alternativa de aumentar o poder às grandes potências e aumentar o fosso das desigualdades sociais.