• Nenhum resultado encontrado

Mudança de paradigma: Tomada de decisão apoiada como novo modelo para

3 Impactos da Lei nº.: 1.146/2015 na capacidade civil da Pessoa com

3.2 Mudança de paradigma: Tomada de decisão apoiada como novo modelo para

Para as pessoas com deficiência, sua vontade não valia o suficiente para ser levada em conta, pois era entendido que esta não tinha, definitivamente, discernimento suficiente para toma-las por si , precisando ser substituída pela de outra pessoa capaz. A concepção atual da dignidade, tanto em nível constitucional como no internacional por meio da Convenção da ONU sobre o tema, enseja uma imprescindível alteração na visão do ser humano como sujeito de direitos inalienáveis de eleição e moral, com a primeira revelando-se na garantia formal de realizar escolhas e a segunda acarreta a faculdade de desenvolver e executar o seu projeto de vida (Menezes, 2016, p.36).

A decisão de perceber a dignidade da pessoa humana como uma concessão de autonomia é primordial para entender o paradoxo que antes regia o ordenamento jurídico nacional, que resultou em um regime de incapacidades discriminatório, sem respeitar a sua face privada. Para Daniel Sarmento (2016, p.140): ”A autonomia privada corresponde à faculdade do indivíduo de fazer e implementar escolhas concernentes à sua própria vida.”

Mais importante ainda é o entendimento da autonomia como emancipadora e portanto em completa sintonia com a dignidade da pessoa humana, com a incapacidade sendo reformulada para dar poder de decisão sobre o seu projeto de vida e para acabar com a discriminação dada por esse regime. Esta mudança de paradigma vem como um evento modernizador do ordenamento como um todo. O novo entendimento, tem como base esta autonomia privada derivada da pública, que consiste na inclusão política e jurídica das pessoas com deficiência no espaço público antes negado. A questão das batalhas lutadas pela sociedade em geral para o progresso dos direitos humanos, que resultem na não-discriminação das pessoas com deficiência,foi enfrentada para permitir que esta emancipação possibilite a integração destas pessoas na discussão sobre seus próprios interesses.

O modelo considerado protetivo baseava-se na preservação da pessoa com deficiência considerando-a incapaz em todos os sentidos para exercê-los, sem levar em conta todos os avanços contemporâneos na área social e na medicina que possibilitam sua expressão completa. Grosso modo, perdiam a condição de sujeito para configurarem meros objetos de proteção (Menezes e Teixeira, 2016, p.584).

32

Com a ratificação da Convenção da ONU sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e na edição do Estatuto, Lei nº.: 13.146/2015, cristalizou a mudança de visão do ordenamento jurídico no seu artigo 84,§2º:

Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas

§ 2º É facultado à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada de decisão apoiada.

Nas palavras de Vitor Almeida (2019, p.193) a explicação da tomada de decisão apoiada parte do conceito de autonomia privada:

A capacidade é deferida igualmente a todos, conforme capitulado no art. 12 do CDPD e no art. 6º do EPD. Na hipótese de a pessoa necessitar de apoio ao exercício de sua capacidade, é dever da sociedade e do Estado disponibilizar uma rede de apoio que envolva desde a acessibilidade e fornecimento de tecnologias assistivas, que permitam a liberdade de agir do indivíduo, até instrumentos jurídicos para a promoção da máxima capacidade civil como a tomada de decisão apoiada e a curatela. Vital, portanto, que os Estados desenvolvam mecanismos de respeito ao direito ao reconhecimento da capacidade jurídica das pessoas com deficiência em condições de igualdade e apoio necessário no exercício da sua autonomia.

A vontade de implementar a tomada de decisão apoiada necessita de um entendimento sobre as necessidades de cada pessoa com deficiência individualmente, já que cada pessoa além de ter direito a sua capacidade de direito também tem a ser respeitada na sua individualidade. A vontade de cada um vem a partir de seus objetivos de vida e cada pessoa tem diferentes futuros a serem vislumbrados por distintos pontos de vista. O respeito para com essa individualidade foi desenhado o instrumento da Tomada de Decisão Apoiada que para Menezes (2015, p. 11): ”(...) permite que esta venha a traçar um plano de apoio para as suas decisões, por meio da chamada tomada de decisão apoiada não é razoável negar-lhe a possibilidade de pleitear a sua própria curatela e indicar o seu curador.”

O Estatuto da Pessoa com Deficiência estabeleceu esse novo instrumento processual para como um modo de, respeitando a sua autonomia, o indivíduo poder solicitar a outra pessoa de sua confiança um auxilio por meio de elementos e elucidações que permitam a tomada de decisão. Isto está estabelecido no Estatuto por meio da redação do artigo 1783-A: Art. 1.783-A. A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade.

33

Todo este processo jurídico definido no Estatuto, visa dar ao indivíduo com deficiência um instrumento para exercer a sua capacidade, que diferente do anterior modelo de substituição de vontade, respeita a autonomia ao dar à estes uma faculdade para otimizar ou até possibilitar a expressão da capacidade de direito que é a capacidade de fato para realizar os atos que ele deseja para sua vida. Como lecionam Farias,Cunha e Pinto (2016, p.342): ”(...) a tomada de decisão apoiada é um modelo protecionista para pessoas plenamente capazes, porém em situação de vulnerabilidade por conta de urna deficiência. ”

Na lição de Joyceane Bezerra de Menezes (2016, p.44) é entendido o ponto de diferenciação entre a substituição de vontade e autonomia na opção pelo modelo de apoio: “Portanto, a tomada de decisão apoiada constitui um novo instituto voltado para auxiliar a pessoa que se sente fragilizada no exercício de sua autonomia, mas que não necessita de um suporte mais extremo como o da curatela.”

Por meio de uma ação judicial específica dirigida ao juízo competente (art.46, CPC/2015), a pessoa interessada no uso da tomada de decisão apoiada, institui advogado com o qual, conforme a Lei nº.: 13.146/2015, elabora um termo que delimita os limites e o apoio pretendido, com o compromisso dos apoiadores (art. 1.783-A, § 1º). Após isso, há a indicação dos apoiadores (art. 1.783-A, §2º), com a avaliação destes por equipe multidisciplinar e com a oitiva do Ministério Público (art. 1.783-A, § 3º). Sendo validada a tomada de decisão apoiada, esta pode ser questionada em caso de risco ou prejuízo relevante pelas duas partes, sendo denunciada pelo MP (art. 1.783-A, §6º), pelo apoiado ou por qualquer pessoa com denúncia dirigida ao MP por negligencia do apoiador (art. 1.783-A, §7º), além de o apoiado e apoiador poderem retirar sua participação a qualquer tempo (art. 1.783-A, §8º e 9º), respetivamente.

Com isso, a tomada de decisão apoiada veio como modelo substitutivo ao obsoleto, do ponto de vista da legislação internacional e a realidade constitucional brasileira, modo que entendia a pessoa com deficiência como absolutamente incapaz para decidir atos de seu interesse, para sua própria vida (FARIAS, CUNHA,PINTO, 2016, p. 341). Esta ação é vista como menos branda que a curatela, que não foi retirada do ornamento jurídico nacional, mas sim foi reformulada como uma ação mais drástica, porém sem perder de vista os princípios vigentes que acabam por lastrear as leis brasileiras, metamorfoseado esse modo mais duro de substituição de vontade, de regra para exceção.

34

4 INCLUSÃO DA PESSOA COM TRANSTORNO DE ESPECTRO AUTISTA:

Documentos relacionados