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Capacidade civil da pessoa com transtorno do espectro autista sob a égide da lei Nº.: 13.146/2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

DEPARTAMENTO DE DIREITO PRIVADO PROGRAMA DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

João Vitor dos Santos Moreira

CAPACIDADE CIVIL DA PESSOA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA SOB A ÉGIDE DA LEI Nº.: 13.146/2015

Fortaleza

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JOÃO VITOR DOS SANTOS MOREIRA

CAPACIDADE CIVIL DA PESSOA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA SOB A ÉGIDE DA LEI Nº.: 13.146/2015

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito do Departamento de Direito Privado da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. . Área de concentração: Direito Civil.

Orientador: Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior.

Fortaleza 2020

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JOÃO VITOR DOS SANTOS MOREIRA

CAPACIDADE CIVIL DA PESSOA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA SOB A ÉGIDE DA LEI Nº .: 13.146/2015

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Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito do Departamento de Direito Privado da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. . Área de concentração: Direito Civil.

Aprovada em: 14 / 09 / 2020.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Prof ª. Dr ª. Fernanda Cláudia Araújo da Silva

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Prof ª. Dr ª. Raquel Cavalcanti Ramos Machado

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A Deus.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, devo agradecer a Deus que me deu forças para superar todas as adversidades, quando eu vacilava e pensava em desistir, pois quando a dor dos momentos difíceis estava grande demais, Jesus veio em mim e me mostrou que o caminho é longo e árduo para uma vitória grande. Agradeço enormemente a vida que me foi dada pelos meus pais, Vannou e Cleia, assim como pela dedicação com que me criaram para ser, principalmente, uma pessoa íntegra e responsável, ensinamentos esses que foram essenciais para a minha caminhada tão longe deles desde minha adolescência.

Meus pais são as pessoas que mais concorreram para eu estar neste momento, com a minha mãe sendo a pessoa que junto ao meu pai me deu tudo, minha vida, minha educação e meus valores, sendo a minha querida mãe minha maior inspiração de garra e inteligência de uma mulher que construiu tudo o que tem com sua perseverança e o suor do seu trabalho. Com isso, quero dedicar essa vitória ao meu pai, que apesar dos percalços da vida eu sempre sabia que poderia contar, com sua ajuda e principalmente com seu incentivo, que me deu força quando eu não sabia que tinha.

Tudo o que sou vem de onde eu vim, então agradeço pela minha família, aos meus avós João, Maria por terem ajudado a me criar e com a sua simplicidade, me mostrando o que o homem de verdade deve ser, honesto, generoso e dedicado a sua família. As minhas tias e meus tios agradeço por suas orações e pelo sua contribuição para minha educação, além do carinho que sempre me inspirou a ser um ser humano melhor. Ao meu padrinho Clécio e sua esposa Nágila o meu eterno obrigado por terem me acolhido e tratado como filho durante toda a minha vida. Dedico este trabalho também aos meus primos, especialmente ao meu grande amigo Rômulo que sempre foi mais que um primo para mim, mas sim um irmão, me escutando e estando comigo em momentos bons e ruins.

Dedico essa vitória que é a conclusão da graduação em Direito em uma instituição tão respeitada como a Universidade Federal do Ceará, aos meus professores em todos as instituições que já estive no Paracuru e em Fortaleza, com destaque para minha primeira e mais importante, a professora Cleia, a que eu tenho orgulho de chamar de minha mãe. Ofereço enorme gratidão as pessoas maravilhosas que apareceram em minha vida como minha saudosa tia Luisa, e sua filha Meiriane que me acolheram na sua casa com enorme

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carinho, aos meus grandes amigos que fiz no Colégio da Policia Militar do Ceará e a todos que me ajudaram nesta caminhada árdua.

Quero agradecer profundamente, primeiramente a Deus, por ter me dado a chance de conhecer minha namorada e companheira Carine, desde que a vi indo para um recomeço na minha vida, saindo da engenharia e indo para o Direito em uma nova faculdade, ela me impactou de uma forma marcante. O seu amor e companheirismo, assim como a de sua maravilhosa e generosa família me imbuíram de um carinho e cuidado imenso, que me ajudou enormemente em momentos difissílimos da minha caminhada até aqui. Agradeço por tê-la na minha vida e serei eternamente grato por seu papel na minha trajetória pessoal e profissional.

Este trabalhado é inspirado e dedicado a uma pessoa muito especial em todos os sentidos, meu irmão Kaio César. Desde sua vinda ao mundo de uma maneira tão atribulado eu sempre soube que ele, além de meu irmão era uma pessoa a quem iria dedicar-me o resto da minha vida. O seu diagnóstico como sendo de Transtorno de Espectro Autista, após longa e dolorosa caminhada da minha mãe para descobrir o que o tornava ele diferente, me despertou para importância de me informar e mergulhar no estudo do condição dele como pessoa com deficiência. Sempre soube que ele seria o objeto de estudo no meu trabalho de conclusão de curso e durante a faculdade percebi o imenso desafio posto pela sua inclusão na sociedade civil, que eu e minha mãe já havíamos enfrentado desde o início. Tratar uma pessoa com deficiência como Kaio César de uma maneira a excluí-lo da convivência é um erro imenso para todo mundo, pois priva a sociedade em geral de uma coisa que nós sabemos: o imenso potencial de um autista somente é dado a quem o ama apesar de suas diferenças.

Áos meus grandes professores na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, meus eternos agradecimentos por todos esses anos incríveis onde fui ensinado pelos melhores profissionais que um dia eu teria a honra de conviver. Ás professoras Fernanda Cláudia e Raquel Machado, que tão gentilmente aceitaram fazer parte da banca examinadora. Por fim, quero agradecer ao professor William Paiva Marques Júnior, suas aulas e sua orientação foram imprescindíveis para mim, durante minha vida após a graduação sempre lembrarei o quanto um professor com sua paixão por ensinar e generosidade com os alunos pode fazer diferença na vida de tantos.

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“Igualdade é tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade.” Aristóteles

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RESUMO

Analisa-se o instituto da capacidade civil da pessoa com deficiência, com ênfase na pessoa com Transtorno de Espectro Autista, observando a repercussão da modificação feita pela promulgação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei nº .: 13.146/2015. Na esteira desta análise, o trabalho parte da conceituação do seu objeto usando as definições previstas pelas antigas normas jurídicas que tratavam do tema, especificando a origem e motivação no desenvolvimento do instituto da capacidade civil, assim como seus elementos fundamentais que influem na vida das pessoas com deficiência. Com isso, a mudança de mentalidade que possibilitou a revisão do tratamento dispensado pelo sistema legal para indivíduos que possuem deficiência por meio da evolução dos direitos humanos internacionais e a revolução no enfoque dos direitos fundamentais com a promulgação da Constituição Federal de 1988 levou a uma necessidade de mudança na forma que as pessoas com deficiência são tratadas pelo ordenamento jurídico nacional. As mudanças vieram na forma da Lei nº .: 13.146/2015, denominada Estatuto da Pessoa com Deficiência, que trouxe em suas disposições alterações profundas no sistema de incapacidades restritivo ainda presente até aquele momento no Código Civil Brasileiro de 2002. A análise então parte para especificações nas mudanças e em como elas afetam a capacidade de exercício dos direitos pelas pessoas assim como suas consequências no ordenamento jurídico como um todo. Por fim, o trabalho explora a situação da pessoa com deficiência que tem Transtorno de Espectro Autista, sua caracterização e particularidades em um sistema que deve ser construído com base na equidade, ou seja, as diferenças devem ser respeitadas, mesmo em uma realidade de igualdade de direitos.

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ABSTRACT

Analyzed the institute of civil capacity of the person with a disability, with an emphasis on the person with Autism Spectrum Disorder, observing the repercussion of the modification made by the promulgation of the Statute of the Person with Disabilities, Law no 13.146/2015. . In the wakeof this analysis, the work starts from the conceptualization of its object using the definitions provided by the old legal norms that dealt with the theme, specifying the origin and motivation in the development of the Civil Capacity Institute, as well as its fundamental elements that influence people's lives. with disabilities. As a result, the change in mentality that made it possible to revise the treatment provided by the legal system for individuals who have disabilities through the evolution of international human rights and the revolution in the approach to fundamental rights with the promulgation of the 1988 Federal Constitution led to a need change in the way that people with disabilities are treated by the national legal system. The changes came in the form of Law No. 13.146 / 2015, called the Statute of the Person with Disabilities, which brought in its provisions profound changes in the restrictive disability system still present up to that time in the Brazilian Civil Code of 2002. The analysis then moves on to specifications on changes and how they affect people's ability to exercise rights as their consequences for the legal system as a whole. Finally, the work explores the situation of people with disabilities that has Autism Spectrum Disorder, their characterization and particularities in a system that must be built based on equity,in other words, differences must be respected, even in a reality of equality rights.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 14

2 Regime das incapacidades nos Códigos Civis de 1916 e 2002... 15

2.1 Personalidade civil, Capacidade de direito e de exercício... 18

2.2 Conceito de pessoa com deficiência no Ordenamento Jurídico Brasileiro... 21

3 Impactos da Lei nº.: 13.146/2015 na capacidade civil da Pessoa com Deficiência... 23

3.1 Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e a origem do Estatuto... 26

3.1.1 Disposições Constitucionais a respeito da pessoa com deficiência... 29

3.2 Mudança de paradigma: Tomada de decisão apoiada como novo modelo para interpretação da capacidade civil... 31

4 Inclusão da Pessoa com Transtorno de Espectro Autista: Desafios frente a diversidade ... 34

4.1 Tratamento dado pelo Ordenamento Jurídico Brasileiro às pessoas com TEA... 37

4.2 Instrumentos legais de assistência previstos na Lei nº.: 13.146/2015 perante a autonomia da pessoa com Transtorno de Espectro Autista... 41

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 44

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1 INTRODUÇÃO

Na evolução da consciência humana um dos grandes sinais de desenvolvimento de civilização é a nossa capacidade cuidar e proteger quem precisa, sejam idosos, feridos ou doentes. A organização de estruturas sociais complexas e grandes o bastante para fazer diversas pessoas diferentes cooperarem entre si também vem da nossa empatia e sentimento de cuidados os nossos, começando dos membros das famílias até as ações estatais que visam o amparo e cuidados com membros vistos como incapazes. Esta definição de pessoas incapazes vem desde então sendo aprimoradas pelos sistemas normativos e depois os ordenamentos jurídicos dos Estados Nação modernos.

A emergência da noção de direitos humanos catalisada pelos traumáticos acontecimentos da primeira metade do século XX, evidenciaram uma necessidade de rever conceitos que estavam sendo questionados como discriminatórios e que resultavam em graves violações a dignidade da pessoa humana. A redação de Leis e Tratados Internacionais e a promulgação da Constituição de 1988 veio para mudar o ponto de vista do ordenamento jurídico internacional e nacional sobre a proteção da pessoa com deficiência. Esta mudança de paradigma gerou diversos efeitos jurídicos, principalmente no que diz respeito aos conceitos da capacidade jurídica destas.

A criação de novas possibilidades para pessoas antes segregadas da convivência em sociedade pela própria lei, gerou uma enorme mudança nas pespectivas delas próprias e do seu entorno sobre esta revolução na maneira em que a sua vida pode ser orientada. Com a emergência de parcela populacional tão diversa a discussão tem sido feita entorno do tema da necessária individualização dos casos em uma conjuntura de condições psicológicas tão variada. Tendo parte destacada neste ambiente, as pessoas com TEA - Transtorno de Espectro Autista tem uma situação bastante delicada, a suas diferentes gradações de níveis do transtorno que são decisivos para sua autonomia de consciência e de vontade.

A maneira com que este desafio deve ser encarado portanto, é o cerne deste trabalho que metodologicamente, em três capítulos, debruça-se sobre as mudanças principiológicas e de instrumentos legais, seus impactos na capacidade civil das pessoas com deficiência, com uma análise mais profunda da situação das pessoas com TEA, para ao final,

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2 REGIME DAS INCAPACIDADES NOS CÓDIGOS CIVIS DE 1916 E 2002

Seguindo a visão então corrente da sociedade sobre as pessoas com deficiência, a elaboração dos Códigos Civis Brasileiros sempre levou em conta o conceito da capacidade civil, usando-a como elemento estrutural da lei civilista em geral. Na ótica dos legisladores, na sua elaboração, existiam diferentes tipos de pessoas que merecem um tratamento mais ou menos dotado de autonomia de vontade para suas decisões de vida. Temos a definição dos incapazes presente no Código Civil de 1916 em sua forma final quando foi revogado:

Art. 5. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I. Os menores de dezesseis anos.

II. Os loucos de todo o gênero.

III. Os surdos-mudos, que não puderem exprimir a sua vontade. IV. Os ausentes, declarados tais por ato do juiz.

Na redação do Código Civil de 1916, os valores da sociedade eram marcadamente individualistas e pautados na capacidade de patrimônio de cada um, com isso, Farias e Rosenvald (2017, p.59), entendem que ”Constata-se que a perspectiva clássica concebeu a personalidade como a aptidão para a aquisição de direitos subjetivos patrimoniais, um sinônimo para a capacidade de direito. ”

Com as profundas mudanças sociais causadas pelos grandes acontecimentos do século XX, como as Guerras Mundiais e as Revoluções, a percepção de mundo individualista foi perdendo espaço para um sentimento que refletia sobre as distorções causadas por um sistema que influenciava as relações sociais a ponto de criar categorizações entre os seres humanos que foi ,em grande parte, a causa dos problemas enfrentados ao longo do século.

A mudança de visão acerca dos direitos humanos é um dos elementos que permite a mudança de rumo na legislação civil brasileira. Com promulgação da Constituição Federal de 1988, a dignidade da pessoa humana tornou-se norteador dos dispositivos constitucionais. A inserção do Estado Democrático de Direito pela Constituição de 1988, aliada à dignidade da pessoa humana ensejou em um novo momento em que as leis infraconstitucionais tiveram que se adequar a nova realidade constitucional.

Em relação a esse principio axiológico dos direitos fundamentais, Alexandre de Moraes (2017, p.35) entende que a dignidade da pessoa humana:

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concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a ideia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos e a busca ao Direito à Felicidade. Como um conceito tão amplo, vem com a carga de edificar um sistema que harmonize com o seu escopo ao mesmo tempo que contenha mecanismos de instrumentalização das relações sociais que respeite a liberdade individual tanto quanto o bem coletivo. A convivência desta nova realidade constitucional com as normas civis presentes no Código de 1916 aconteceu por um tempo mas logo se tornou latente a necessidade de um novo Código mais atualizado conceitualmente aos princípios da Constituição Federal de 1988.

Então, nos primeiros anos do século XXI, o projeto coordenado pelo jurista Miguel Reale foi aprovado pelo Congresso Nacional e entrou em vigor o Código Civil de 2002. Segundo Tartuce (2015, p. 57) na edição da nova codificação:

O próprio Miguel Reale não se cansava em apontar os regramentos básicos que sustentam a atual codificação privada: eticidade, socialidade e operabilidade. Repise-se que o estudo de tais princípios é fundamental para que se possa entender os novos institutos que surgiram com a nova lei privada.

Destes princípios básicos propostos pelo idealizador, o mais importante para a esta análise é o da sociabilidade já que este é um catalisador para mudanças profundas no conceito de personalidade jurídica e no regime das incapacidades. A sociabilidade vem para mudar o paradigma da lei civil, que passa a valorizar o social frente ao individual, ou mais especificamente o ”nós” passou o lugar ao “eu” da corrente civilista antecedente.

Para uma explicação mais sintetizada recorremos às palavras de Gagliano e Pamplona Filho (2017, p.180),”Já o Princípio da Socialidade surge em contraposição à ideologia individualista e patrimonialista do sistema de 1916. Por ele, busca-se preservar o sentido de coletividade, muitas vezes em detrimento de interesses individuais.”

O artigo 3º que trata do regime das incapacidades no Código Civil de 2002 em sua forma original, mantinha a premissa da total incapacidade dos menores de 16 anos, das

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pessoas com deficiência mental e dos que, por causa transitória, não teriam o discernimento completo. Por essa aludida e presumida incapacidade, o legislador entendeu ser necessário inserir mecanismos de substituição de suas vontades (Brasil, 2002):

Art. 3 º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I - os menores de dezesseis anos;

II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;

III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. A definição dos absolutamente incapazes pelo texto legal, segue uma visão do legislador de proteção destes indivíduos devido a sua incapacidade de tomar suas decisões sozinho. A vida de uma pessoa é permeada por uma série de tomadas de rumo que mudam-a completamente e resultam em eventos que dizem respeito a várias pessoas, tanto no sentido pessoal, como no emocional, social e econômico, como um casamento ou a aquisição de propriedade.

O estabelecimento destes incisos tinha uma particularidade bastante notória que era que as incapacidades presentes nos incisos I e III não serem permanentes, ou seja, o menor de dezesseis iria ganhar a capacidade plena quando completasse a idade prevista e a pessoa com capacidade considerada transitória irá se recuperar. A única incapacidade permanente era a da pessoa com deficiência mental, que houvesse nascido com esta ou adquirido por enfermidade. Esta situação apesar de ser aceita à época, guardava uma discriminação oculta pois considerava que a vontade destas pessoas não deveria ser levada em conta na vida civil, sendo substituída pela de alguém com capacidade jurídica plena.

A opinião de Farias e Rosenvald (2017, p.334), é muito esclarecedora sobre a vontade legislativa por trás do regime de incapacidades e, por fim, mais especificamente da incapacidade das pessoas com deficiência:

Logo no comando dos arts. 3º e 4º, o Código Civil limitou a aptidão genérica para a prática de atos da vida civil pessoalmente. Ou seja, dito de outro modo, restringiu a capacidade plena da pessoa humana, estabelecendo algumas hipóteses de falta de capacidade jurídica plena, criando uma verdadeira gradação ao exercício da capacidade de fato. Esses diferentes graus da incapacidade fazem referência, a toda evidência, à possibilidade , ou não, de exercício direto e pleno de direitos pelo própria titular, e não à aptidão para ser titular de relações jurídicas (o que diz respeito a capacidade de direito, que não admite gradações).

Claramente esta disposição legal perdia rapidamente a sua razão de ser, já que a evolução dos direitos humanos como um todo e dos direitos das pessoas com deficiência em

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específico, ensejava em uma revisão do tratamento reservado a essa parcela da população que foi tanto tempo discriminada pela própria lei.

A situação mudou principalmente devido à ratificação pelo Brasil, da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, inserida no ordenamento jurídico nacional por meio do Decreto n.: 6.949/2009. Este dispositivo legal vai ser melhor analisado no Capítulo 2, mas a promulgação dele é decisiva para a redação do Estatuto do Pessoa com Deficiência, por intermédio da Lei nº.: 13.146/2015.

O Estatuto veio, para além de cumprir as disposições de acordo internacional ratificado pelo Congresso, contemplar um princípio constitucional fundamental.Segundo Stolze e Gagliano (2017,p. 181):

“Em verdade, o que o Estatuto pretendeu foi, homenageando o princípio da dignidade da pessoa humana, fazer com que a pessoa com deficiência deixasse de ser “rotulada” como incapaz, para ser considerada – em uma perspectiva constitucional isonômica – dotada de plena capacidade legal, ainda que haja a necessidade de adoção de institutos assistenciais específicos, como a tomada de decisão apoiada 167 e, extraordinariamente, a curatela, para a prática de atos na vida civil.”

Com a reforma colocada pela Lei nº.: 13.146/2015, o artigo 3º do Código Civil Brasileiro de 2002, ficou assim redigido: "Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos." Com isso, percebe-se a mudança de rumo feita a partir da entrada em vigor deste Estatuto.

2.1 Personalidade civil, Capacidade de direito e de exercício

Para Venosa (2017, p.142): ”A personalidade jurídica é projeção da personalidade íntima, psíquica de cada um; é projeção social da personalidade psíquica, com consequências jurídicas.”. Com isso, vemos que esta, deriva da existência do ser humano em si, sendo uma característica básica para a incidência das leis civis.

Para uma definição mais completa recorremos ao pensamento do autor do primeiro Código Civil Brasileiro em 1916, Clóvis Bevilaqua (1999, p.81):

A personalidade jurídica tem por base a personalidade psíquica, somente no sentido de que, sem essa última não se poderia o homem ter elevado até a concepção da primeira. Mas o conceito jurídico e o psicológico não se confundem. Certamente o indivíduo vê na sua personalidade jurídica a projeção de sua personalidade psíquica, ou, antes, um outro campo em que ela se afirma, dilatando-se ou adquirindo novas

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qualidades. Todavia, na personalidade jurídica intervém um elemento, a ordem jurídica, do qual ela depende essencialmente, do qual recebe a existência, a forma, a extensão e a força ativa. Assim, a personalidade jurídica é mais do que um processo superior da atividade psíquica; é uma criação social,exigida pela necessidade de pôr em movimento o aparelho jurídico, e que, portanto, é modelada pela ordem jurídica Interessante notar a correlação entre a personalidade jurídica e o auto reconhecimento racional do ser humano como um indivíduo. Observe-se o que a filosofia acha do termo indivíduo atrelado ao conceito de pessoa, segundo Ullmann (2009, p.570) :

Supõe-se ter Cícero (105-43 a.C.) cunhado a palavra indivíduo, traduzindo para o latim o termo equivalente átomon do grego. Pela tradição posterior, foi consagrada a seguinte definição: Individuum est aliquid indivisum in se et divisum ab alio. O que queremos significar positivamente dizemo-lo apofaticamente. Relanceando um olhar sobre o homem, ele se nos revela com particularidades próprias – notas individuantes – pelas quais se não confunde com as dos demais homens e dos demais seres. Existe como singularidade concreta1. Por essa razão, é um individuum, distinto de tudo mais, divisum ab alio. Além disso, o homem possui uma característica especial – a de ser pessoa (persona). Indivíduos são-no também as pedras, as plantas e os animais. Donde se vê que toda pessoa é indivíduo, mas nem todo indivíduo é pessoa. Por ser racional, ultrapassa o homem o reino dos indivíduos, das coisas. A racionalidade permite-lhe uma relação dialogal com o outro, uma intersubjetividade fecunda.

O conceito da pessoa natural é dotado de historicidade e ficou sujeito, principalmente, à possibilidade da assunção de titularidade de direitos, para exercício destes por meio de uma capacidade civil. De acordo com Joyceane Bezerra de Menezes e Ana Carolina Brochado Teixeira (2016, p.571):

Capacidade é manifestação dos poderes de ação inerentes à personalidade, constituindo-se em medida jurídica desta.

A diferenciação dos conceitos da personalidade jurídica e da capacidade jurídica é imperiosa, já que a caracterização dos institutos nos falam acerca da motivação teleológica do legislador na determinação dos limites dados a pessoa natural. Com efeito, Nader (2018,p.210) reflete sobre a diferenciação dos institutos, feita pelo entendimento do caráter absoluto da personalidade jurídica pois, diferente da capacidade, essa é inerente e não tem diferentes níveis de gradações, que são impostas para a capacidade jurídica que é de uma notória relatividade, ou seja, a personalidade é a aptidão para reter direitos e a capacidade são os limites impostos a essa aptidão.

Outra diferença marcante nestes institutos civis é a diferenciação entre a capacidade de direito e de exercício. Assim em relação a primeira, para Joyceane Bezerra de

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Menezes e Ana Carolina Brochado Teixeira (2016, p.572): ”A capacidade de direito (capacidade civil, de gozo) é a projeção do valor personalidade no mundo jurídico, bem como um atributo da personalidade.”

Já em relação à capacidade de exercício, a distinção é iniciada pelo entendimento do valor da capacidade, diferenciando-a da autonomia da vontade para praticar atos jurídicos. Na vida civil, a potencialidade para praticar atos é tão importante como a capacidade de poder exercê-los autonomamente, a doutrina nos dá a diferenciação presente no debate civilista do direito brasileiro, recorremos a descrição de Coelho (2012, p. 369) :

(...)entre outros, separam a capacidade de direito ou de gozo (“ter direitos subjetivos e contrair obrigações”) da capacidade de fato ou de exercício (poder praticar pessoalmente os atos da vida civil, sem necessidade de assistência ou de representação”), adotando nomenclatura que parece ser a predominante na doutrina brasileira.

A autonomia de vontade marca o conceito da capacidade de exercício, entendendo-a como a titularidade absoluta da personalidade civil que: “(...) começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro” (Brasil, 2002, p.1). A capacidade de direito tem a ver com a potencialidade de direitos que devem ser exercidos por meio da vontade de uma pessoa natural capaz de exercê-la, o que foi exatamente o que o legislador brasileiro, antes de 2015, entendia que as pessoas com deficiência não tinham.

Com isso, é latente que os conceitos das capacidades e da personalidade civil se atrelam ao tema analisado, na medida em que explicam e balizam o arcabouço jurídico da incapacidade anterior da pessoa com deficiência e a sua reversão por meio da Lei nº .: 13.146/2015, aplicando a incapacidade apenas para as pessoas menores de 16 anos, conforme a redação do artigo 3º do Código Civil Brasileiro. Com efeito, Nader (2018, p.216) , entende que: ”Como a capacidade de fato é importante para a participação na vida social, notadamente para quem possui patrimônio a administrar, determina a lei civil o suprimento da incapacidade, seja pelo poder familiar, tutela ou curatela.”. Portanto, atrelando os conceitos podemos discernir melhor o que está sendo alterada e os impactos destas mudanças nas vidas das pessoas sujeitas a elas.

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2.2 Conceito de pessoa com deficiência no Ordenamento Jurídico Brasileiro

As pessoas com deficiência são um grupo social historicamente excluído e discriminado, visto ao longo da trajetória humana como não merecedores de gozar de direitos, mesmo os garantidos para outras pessoas na mesma sociedade. A Convenção da ONU sobre o Direito das Pessoas com Deficiência é um tratado internacional assinado em 2006, que tem como objetivo o combate da desigualdade social gerada pela discriminação desses indivíduos. Mas o que são pessoas com deficiência? A própria ONU (2006) nos responde:

“Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.”

Partindo desse conceito mundialmente aceito, vemos que na dificuldade de plena integração social já há bastante obstáculos colocados pela própria natureza e pela formação física e psíquica destas pessoas, com o Estado por meio do seu ordenamento jurídico concorrendo na discriminação legal destes cidadãos. Com a construção de novos princípios legais, inspirados no ideal humanista, causado por vários avanços e traumas coletivos, como o assassinato em massa de minorias sociais, como é o caso das pessoas com deficiência ao longo dos séculos XIX e XX, em nome de uma pseudociência eugênista, fez a percepção acerca desse grupo se tornar cada vez mais aberta e menos preconceituosa.

Porém, as novas disposições que consideram o interesse das pessoas com deficiência, não podem simplesmente deixar estes sem nenhum tipo de assistência e eximir qualquer responsabilidade da sociedade neste campo social e de direitos humanos tão sensível e diverso. Veja-se a opinião de Ferraz et al...(2012, p.32):

Interessante observar que o conceito de pessoa com deficiência está intimamente ligado ao propósito político do tratado em estudo. A almejada emancipação da pessoa com deficiência não pode prescindir da superação do viés assistencial que, como já disse, por mais bem intencionado que seja, não pode esgotar-se em si mesmo, sob pena de retirar desses cidadãos sua civilidade e dignidade inerentes. As medidas de cunho assistencial devem ser associadas a políticas públicas que assegurem a franca superação dos assistidos, para que assumam a direção de suas vidas e o gozo pleno de seus direitos humanos básicos.Os impedimentos de caráter físico, mental, intelectual e sensorial são, a meu sentir, atributos, peculiaridades ou predicados pessoais, os quais, em interação com as diversas barreiras sociais, podem excluir as pessoas que os apresentam da participação na vida política, aqui

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considerada no sentido amplo. As barreiras de que se trata são os aspectos econômicos, culturais, tecnológicos, políticos, arquitetônicos, comunicacionais, enfim, a maneira como os diversos povos percebem aqueles predicados. O que se nota culturalmente é a prevalência da ideia de que toda pessoa surda, cega, paraplégica, amputada ou com qualquer desses impedimentos foge dos padrões universais e por isso tem um “problema” que não diz respeito à coletividade. É com tal paradigma que se quer romper.

A assistência dada para a pessoa com deficiência não se confunde com a substituição de vontade, anteriormente entendida como o paradigma da legislação civil.Neste quadro momento anterior entendia-se que para a realização dos atos jurídicos previstos pela lei, o cidadão tem que ter a capacidade jurídica, sendo esta restrita para as pessoas com deficiência, fato esse causado por um entendimento ancestral que considerava a vontade desses indivíduos não relevantes, derivada de uma ideia que ditava sua condição como absolutamente incapacitante para a tomada de decisões relevantes para sua própria vida.

A Curatela e Tutela eram, na realidade anterior a 2015, um instrumento legal para instrumentalizar a substituição de vontade das pessoas consideradas absolutamente incapazes de exercer sua personalidade civil. Com efeito, com a mudança proporcionada pela Lei nº.: 13.146/2015, a Tomada de Decisão Apoiada- TDA, passou a ser o instrumento adequado para assistir a pessoa com deficiência na escolha dos caminhos dados para sua vida (Brasil, 2015).

A promulgação do Estatuto da Pessoa com Deficiência ensejou em uma grande mudança de visão e de paradigmas, que viabilizou um emponderamento de vontade do indivíduo com deficiência, sendo que esta não constitua mais óbice para o pleno exercício da sua personalidade civil. O mesmo Estatuto dispõe sobre o conceito da pessoa com deficiência a qual ele tem como objeto jurídico:

Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

A conceituação é importante para as disposições do Estatuto pois como em qualquer lei o objeto de atenção desta tem que ser definido. A proteção da pessoa com deficiência portanto, passa pela definição de quem são elas para que com isso, o Estado use dos suas competências imbuídas pela lei para garantir e efetivar os direitos que foram

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previstos, sob pena de perda de efetividade do arcabouço legal, pois não é reconhecida pela sociedade e também de eficácia pois não cumpriu a função a qual foi destinada.

3 IMPACTOS DA LEI Nº.: 13.146/2015 NA CAPACIDADE CIVIL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Com o objetivo de mudar a realidade em geral da pessoa com deficiência e principalmente as distorções legais, com disposições normativas claramente discriminatórias, o Congresso Nacional discutiu e aprovou a Lei nº.: 13.146/2015, doravante denominada Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Por meio do Decreto Legislativo nº.: 186/2008, o Congresso Nacional seguindo o quórum qualificado de três quintos em dois turnos, aprovou a Convenção sobre o Direito das Pessoas com Deficiência da ONU, que foi sancionado pelo Presidente da República e promulgado na forma do Decreto n:. 6.949/2009, integrando esse normativo ao arcabouço constitucional brasileiro. O processo legislativo levada a cabo para incorporar a Convenção ao ordenamento jurídico nacional foi o primeiro a observar a regra prevista pela Emenda nº.: 45/2004, que reformulou o modo de introduzir os Tratados Internacionais assinados pelo Brasil.

As mudanças levadas a cabo pela Lei nº.: 13.146/2015 foram de natureza paradigmática e também normativa, com alterações no Código Civil de 2002 e no Código de Processo Civil de 2015 que entraria em plena vigência após o Estatuto. Na codificação civil as mudanças vieram principalmente na área da incapacidade, como na revogação dos incisos do artigo 3º, com a mudança da redação do seu caput estabelecendo somente os menores de 16 anos como absolutamente incapazes. Estas mudanças continuaram na revogação do artigo 228 em questões de possibilidade de testemunhar em juízo e no artigo 1550 ao permitir o casamento das pessoas com deficiência, proibido anteriormente. Estas alterações vieram para adequar as disposições do Estatuto, mais especificamente à implementação da tomada de decisão apoiada.

Com isso, a disposição para a mudança veio de uma construção histórica que parte de uma evolução dos direitos humanos, especialmente do direito de personalidade. A visão de Marques Júnior (2017) é elucidativa sobre o tema:

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Na perspectiva da tradicional da legislação civil, o regime das incapacidades visa proteger o patrimônio da pessoa dela mesma. Contudo, esse posicionamento tem sido revisto sob o argumento de contrariar a dignidade da pessoa humana (base axiológica dos direitos fundamentais consagrada pelo Art. 1º-, inciso III da CF/88 como sendo um dos fundamentos da República Federativa do Brasil), as políticas públicas de inclusão da pessoa com deficiência e o esforço das famílias que estimulam seus filhos a superarem suas limitações psíquicas e físicas para exercerem sua cidadania integralmente. Nesse contexto, como corolário da adoção da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Convenção de Nova York) e seu Protocolo Facultativo, surge o Estatuto da Pessoa com Deficiência com o escopo de suscitar os debates em torno do regime da capacidade civil. São ressalvadas as hipóteses de limitação da capacidade de agir da pessoa natural que em nada afetam a sua personalidade; a pessoa incapaz para os atos da vida civil conserva integralmente sua individualidade. A incapacidade limita-se à maneira de sua atuação na vida jurídica, se agirá por meio do instituto da representação ou da assistência, conforme seja, respectivamente, a incapacidade absoluta ou relativa. Isso porque o exercício é limitado, mas não é restringido, uma vez que se houvesse restrição se atingiria a própria qualidade de pessoa.

O novo paradigma da capacidade de exercício da vida civil da pessoa com deficiência, definido como sendo autonomia de decisão, veio para mudar a antiga visão de substituição de vontade. Sobre isso Menezes (2015, p.5) entende que a Convenção da Pessoa com Deficiência promoveu uma mudança principiológica ao estabelecer a intervenção mínima na autonomia de vontade dos indivíduos.

No modelo da substituição de vontade, o legislador civil entendia a pessoa com deficiência como inapto para ,por seu próprio arbítrio tomar uma decisão, consenciente das consequências reais desta para si e para a sociedade em que ele está inserido. Com a redação da Convenção da ONU sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, os países que a ratificaram coadunaram com a nova concepção, derivada do desenvolvimento da dignidade da pessoa humana, que não mais entendia a deficiência como impedimento para a compreensão dos atos civis por parte destas mas sim como uma particularidade do cidadão que não deve ser encarada com o preconceito e generalização anterior e sim com visão inclusiva e de superação de particularidades que podem ser aceitas e superadas.

Para efetivamente promover essa quebra de paradigma, a doutrina sintetiza este princípio diretivo como modelo de tomada de decisão apoiada, em que a autonomia seria privilegiada com dificuldades sendo sanados com a ajuda de pessoas responsáveis por orientar

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estas definição de caminhos a seguir pela pessoa com deficiência. Na visão de Farias e Rosenvald (2017, p. 352):

Na Tomada de Decisão Apoiada o beneficiário (pessoa plenamente capaz, relembre-se), no gozo de seus direitos civis, procura ser coadjuvado em seus atos pelos apoiadores. Não significa qualquer tipo de restrição da plena capacidade. Eloquente é o exemplo de uma pessoa com mais de dezoito anos de idade, ou emancipada (valendo a lembrança de que, para os menores, o sistema dispõe da autoridade parental dos pais e da tutela, no caso de orfandade), que, em razão de uma dificuldade qualquer (física, psíquica ou intelectual) ou de um déficit funcional (físico, ou psíquico), permanente ou temporário, sinta a necessidade de ser acompanhar e protegida na gestão dos seus próprios interesses e, até mesmo, na condução do seu cotidiano da vida. Eventualmente precisando de auxílio (apoio, na linguagem da lei), o sistema prevê a nomeação de dois apoiadores, que não serão representantes ou assistentes - porque não há incapacidade. Assim, esse modelo beneficiará enormemente, pessoas com impossibilidade física ou sensorial (como, verbi grati tetraplégicos, obesos mórbidos, cegos, sequelados de AVC e portadores de enfermidades que as privem da deambulação para a prática de certos negócios e jurídicos). Elas não serão interditadas ou incapacitadas, pois a tomada de apoiada apenas promove a autonomia, sem cerceá-la.

Este novo modelo transformou também a visão sobre o instituto da curatela que historicamente era o instrumento usado para substituição da vontade da pessoa com deficiência. A visão patrimonial da curatela foi reformulada no sentido de privilegiar o auxílio ao curatelado e em situações excecionais, sendo preferencialmente respeitada a autonomia da vontade da pessoa com deficiência com essa sendo responsável e perpetuador de seus atos jurídicos. A Lei nº.: 13.146/2015 efetivou a mudança:

Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.

§ 1º Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei.

§ 2º É facultado à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada de decisão apoiada.

§ 3º A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível.

Para Gagliano e Pamplona Filho (2017,p.181) a consagração do princípio da dignidade possibilitou uma transição suave do antigo conceito protetivo e de substituição de vontade para o novo paradigma internacional da autonomia de vontade e da Tomada de Decisão apoiada, tanto no regime da incapacidades quanto na curatela. Essa mudança tem como objetivo o reconhecimento da igualdade perante a lei de todas as pessoas, inclusive as com deficiência, que tem instrumentos legais para exercer a sua liberdade de decisão.

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3.1 Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e a origem do Estatuto

A origem da mudança na abordagem legislativa sobre os direitos pessoa com deficiência veio com a feitura da Convenção e adoção do seu protocolo em 13 de Março de 2006, com o Brasil ratificando-a em 30 de março de 2007, incorporando-a ao ordenamento jurídico nacional por meio do Decreto n.: 6.949/2009. O propósito deste tratado internacional é aludido no seu artigo primeiro:

O propósito da presente Convenção é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e eqüitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente. Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.

Uma tradição de Direitos Humanos Fundamentais já estava fortemente estabelecida no arcabouço jurídico internacional, tanto que os propósitos da Convenção não são considerados inovações mas sim evoluções nos direitos humanos internacionais com efeitos ressonantes em diversas áreas do direito, mais especificamente no civil e naqueles que tratam de temas patrimoniais e de personalidade jurídica. Nos seus cinquenta artigos, a Convenção trata dos estatutos sociais e normativos referentes as pessoas com deficiência de um ponto de vista bastante diverso e levando em conta, segundo Ferraz et al...(2012, p.31) a seguinte palavra de ordem: nothing about us without us, traduzindo, nada sobre nós sem nós. Este lema é delimitado pelo princípio da autonomia de vontade de onde parte todo o texto normativo que compõe a Convenção.

No escopo da Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, a existência dos princípios gerais são balizadoras do pensamento geral positivado no texto, já que delimitam os direitos fundamentais que integram uma interpretação do ponto de vista ontológico e sistemático do texto da Convenção e as intenções colocadas nele. Os princípios são: o respeito a autonomia individual e a liberdade de escolha; a não-discriminação; a plena e efetiva inclusão na sociedade; a aceitação da deficiência como parte da diversidade humana e o respeito a diferença como inerente a humanidade; a igualdade de oportunidade e a acessibilidade.

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Destes princípios, os mais importantes no que concerne a capacidade civil da pessoa com deficiência são o respeito a autonomia de vontade e da efetiva inclusão na sociedade. Com efeito nas palavras de Almeida (2019, p.104):”O cerne do modelo social repousa na interação da pessoa com deficiência e o ambiente onde vive, que, em geral, não está preparado para propiciar meios dignos de vivência. ”

A Convenção não estabelece os meios com os quais os Estados signatários deverão instituir os mecanismos de apoio, nem as políticas públicas que deverão ser adotados para realizar as disposições que eles se comprometeram ao ratificar o tratado internacional, respeitando o caráter de respeito a soberania dos Estados membros da ONU. Os países são livres para conceber e implementar as formas de salvaguarda destes direitos e maneiras de institui-los eficazmente na sua organização nacional, protegendo as pessoas com deficiência dos eventuais abusos e desrespeito aos seus direitos inerentes como ser humano.

Os dispositivos da Convenção não se limitam a promover uma mudança de princípios e de visão sobre o papel das pessoas com deficiência na condução da própria vida e na interação com a sociedade mas também determinou uma série de obrigações gerais que os países signatárias teriam que seguir para implementar estas mudanças subjetivas e de mentalidade legal. O artigo 4 da Convenção nos traz estes objetivos entre os quais:

1. Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência. Para tanto, os Estados Partes se comprometem a:

a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção; b) Adotar todas as medidas necessárias, inclusive legislativas, para modificar ou revogar leis, regulamentos, costumes e práticas vigentes, que constituírem discriminação contra pessoas com deficiência;

Este artigo detalha as medidas legislativas previstas nas obrigações assumidas pelo Brasil ao ratificar o tratado, sendo alterações profundas mas altamente realizáveis em um ambiente constitucional baseado na dignidade da pessoa humana. A promulgação da Convenção, como já detalhado anteriormente ocorreu por meio do Decreto n.: 6.949 do Presidente da República porém, uma mudança estrutural das leis que de algum modo causavam descriminação, obrigação prevista na letra b deste artigo 4, somente veio com a aprovação da Lei nº.: 13.146/2015 que estabeleceu o Estatuto da Pessoa com Deficiência.

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O texto do Estatuto é marcado pela vontade legislativa de enfrentar a discriminação ainda presente no ordenamento jurídico, marcadamente o regime de incapacidades restritivo de direitos que tratava a pessoa com deficiência como parte de um coletivo de incapazes absolutos, sem levar em conta os grandes avanços da medicina, de mentalidade da sociedade e a própria Constituição Federal que por meio da dignidade da pessoa humana repudia qualquer forma de discriminação e generalização esteriótipada de grupos sociais. A própria Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (2006) traz em seu corpo a definição e elementos causadores da discriminação:

“Discriminação por motivo de deficiência” significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável;

Portanto, é claro que a edição do Estatuto além de ser o cumprimento da obrigação internacional assumida pelo Brasil, também enseja no cumprimento de princípios constitucionais servindo como uma maneira do Estado definir seus próprios caminhos observando suas próprias necessidades internas. Com efeito, Ferraz et al...(2012, p.32) elucida: “Podemos discutir quando cumpri-los. Mas não podemos ir contra o vetor. Caminhar no sentido da inclusão é algo que poderá ser aferido por controle de omissão inconstitucional.”

O debate levantado nessa questão da reforma do sistema das incapacidades e a mudança de paradigma legal da substituição de vontade pela autonomia na tomada de decisões é realmente espinhoso, não de um ponto de vista constitucional e da visão da pessoa com deficiência como sujeito de direitos mas sim na generalização em que pode cair o assunto. A definição de autonomia é necessária para analise de seus pormenores,sobre isso Marques Júnior (2017) entende que:”A autonomia, significa, portanto, o poder inerente a cada ser humano de exercer livremente suas escolhas, sem a intervenção de particulares ou do Estado.”A visão de não intervenção porém, não deve ser vista como absoluta pois existem diferenças dentro das deficiências. O conceito de um princípio absoluto não atende aos interesses gerais do arcabouço jurídico construído para proteger e garantir a inclusão já que os responsáveis por esses direitos, como o Estado e sociedade, não podem ver isso como uma licença para omissão total, respeitando as diferenças mas também a equidade na questão.

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3.1.2 Disposições Constitucionais a respeito da pessoa com deficiência

Em um ordenamento jurídico baseado na construção de um Estado Democrático de Direito como o baseado na Constituição Federal de 1988, não pode ser deixado de lado a instituição de princípios fundamentais que garantam a existência deste Estado, sendo este o papel da dignidade da pessoa humana. Contudo uma maneira interessante de encara-la é como base axiológica, ou seja, um parâmetro a ser seguido na interpretação das normas, não sendo possível ser objeto de ponderação. Presente no artigo 1º,III da Constituição Federal, esta base é assim entendida por Daniel Sarmento (2016, p.89): ”(...) a dignidade da pessoa humana visa a proporcionar uma proteção integral à pessoa, e não a tutelar aspectos previamente recortados da sua personalidade e dos seus direitos.”

Uma confusão muito comum na percepção sobre a dignidade da pessoa com deficiência é sua aplicabilidade geral, ou seja, existem diferentes níveis na extensão desse princípio constitucional baseado no sistema de dignidade. A equidade nestes casos é fundamental, pois há diferentes tipos de pessoas com diferentes necessidades e particularidades, tornando a dignidade um objetivo a ser perseguido, com pessoas necessitando terem seus direitos respeitados, outros fortalecidos e também garantidos sua eficácia. Uma pessoa com deficiência motora e cognitiva grave, o que que impede sua inclusão por meios tradicionais, tem diferentes necessidades e desafios do que aquele com deficiência leve que não o impede de exercer seus direitos.

A dignidade da pessoa humana portanto deve ser encarado como uma condição natural do ser humano e indutor de uma igualdade de oportunidades, uma garantia contra abusos de toda maneira. O objetivo não é a igualdade de tratamento e sim a equidade, onde as pessoas com deficiência não sejam impedidas de viver sua vida plenamente, nem por falta de oportunidades e nem de assistência necessária em muitos casos. Com isso,o texto de Ferraz et al...(2012, p.32), conclui :

A dignidade é uma nota caracterizadora do ser humano. Algo que só a ele pertence, que lhe é inerente. Portanto, independentemente de ser ou não pessoa com deficiência, ela é detentora de dignidade. Noutras palavras, pessoas com deficiência e pessoas sem deficiência são todas dignas e merecedoras de igual respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade. Todavia, os mecanismos de respeito e promoção da dignidade humana não são idênticos em se tratando de pessoas com ou sem deficiência. Temos, nesse caso, duas situações distintas que

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necessitam ser tratadas diferentemente para efeitos de concretização e promoção da dignidade humana.

A Constituição de 1988 tem ainda em seu texto outros artigos que tratam da pessoa com deficiência, como o artigo 3º, IV, onde o legislador estabeleceu o princípio da não-discriminação e o artigo 5º onde estabelece a igualdade perante a lei de todos os indivíduos, a base da isonomia constitucional entre os cidadãos. Além disso na Constituição há diversos tipos de direito espalhados pelo seu texto, como os direitos sociais previstos no artigo 7º, XXXI, as competências dos entes federativos e as obrigações da Administração Pública para com este grupo social nos artigos 23, II; 24, XIV e 37, VIII.

Criava-se então, uma discussão preementemente de ordem de efetividade legal e completude do sistema constitucional, com a centralidade da tutela da dignidade humana por parte do texto constitucional mas a dificuldade da própria lei fundamental em assegurar com medidas possíveis a igualdade almejada. As características diferenciadas da população com deficiência exige medidas distintas daquelas tomadas para garantir direitos para outras populações integrantes da sociedade. O sistema constitucional de garantia da dignidade precede de um interplanejamento e união de esforços de todos os outros grupos sociais, inclusive de outras populações historicamente discriminadas e a situação da pessoa com deficiência exige uma sintonia ainda maior já que fatores sociais, econômicos e até ambientais influenciam no seu bem estar e desenvolvimento potencial.

A proteção constitucional aos diferentes aspectos da vida de uma pessoa com deficiência evidencia uma preocupação social com seu bem estar e garantias para sua integridade física, psicológica e financeira. Para Almeida (2019,p.171):”(...) a pessoa com deficiência continuou excluída, relegada à igualdade formal, e somente após o EPD tornou-se objeto de preocupações dos civilistas na busca pela real e concreta tutela de sua dignidade”. Porém, as disposições constitucionais para integração social e a inclusão das pessoas com deficiência dentro do organismo social para além de sujeitos de direito, como um efetivo ator na construção de uma vida de atos civis plenamente eficazes, somente veio com a incorporação dos ditames da Convenção da ONU sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e principalmente com a promulgação do Estatuto com a Lei nº.: 13.146/2015.

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3.2 Mudança de paradigma: Tomada de decisão apoiada como novo modelo para interpretação da capacidade civil

Para as pessoas com deficiência, sua vontade não valia o suficiente para ser levada em conta, pois era entendido que esta não tinha, definitivamente, discernimento suficiente para toma-las por si , precisando ser substituída pela de outra pessoa capaz. A concepção atual da dignidade, tanto em nível constitucional como no internacional por meio da Convenção da ONU sobre o tema, enseja uma imprescindível alteração na visão do ser humano como sujeito de direitos inalienáveis de eleição e moral, com a primeira revelando-se na garantia formal de realizar escolhas e a segunda acarreta a faculdade de desenvolver e executar o seu projeto de vida (Menezes, 2016, p.36).

A decisão de perceber a dignidade da pessoa humana como uma concessão de autonomia é primordial para entender o paradoxo que antes regia o ordenamento jurídico nacional, que resultou em um regime de incapacidades discriminatório, sem respeitar a sua face privada. Para Daniel Sarmento (2016, p.140): ”A autonomia privada corresponde à faculdade do indivíduo de fazer e implementar escolhas concernentes à sua própria vida.”

Mais importante ainda é o entendimento da autonomia como emancipadora e portanto em completa sintonia com a dignidade da pessoa humana, com a incapacidade sendo reformulada para dar poder de decisão sobre o seu projeto de vida e para acabar com a discriminação dada por esse regime. Esta mudança de paradigma vem como um evento modernizador do ordenamento como um todo. O novo entendimento, tem como base esta autonomia privada derivada da pública, que consiste na inclusão política e jurídica das pessoas com deficiência no espaço público antes negado. A questão das batalhas lutadas pela sociedade em geral para o progresso dos direitos humanos, que resultem na não-discriminação das pessoas com deficiência,foi enfrentada para permitir que esta emancipação possibilite a integração destas pessoas na discussão sobre seus próprios interesses.

O modelo considerado protetivo baseava-se na preservação da pessoa com deficiência considerando-a incapaz em todos os sentidos para exercê-los, sem levar em conta todos os avanços contemporâneos na área social e na medicina que possibilitam sua expressão completa. Grosso modo, perdiam a condição de sujeito para configurarem meros objetos de proteção (Menezes e Teixeira, 2016, p.584).

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Com a ratificação da Convenção da ONU sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e na edição do Estatuto, Lei nº.: 13.146/2015, cristalizou a mudança de visão do ordenamento jurídico no seu artigo 84,§2º:

Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas

§ 2º É facultado à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada de decisão apoiada.

Nas palavras de Vitor Almeida (2019, p.193) a explicação da tomada de decisão apoiada parte do conceito de autonomia privada:

A capacidade é deferida igualmente a todos, conforme capitulado no art. 12 do CDPD e no art. 6º do EPD. Na hipótese de a pessoa necessitar de apoio ao exercício de sua capacidade, é dever da sociedade e do Estado disponibilizar uma rede de apoio que envolva desde a acessibilidade e fornecimento de tecnologias assistivas, que permitam a liberdade de agir do indivíduo, até instrumentos jurídicos para a promoção da máxima capacidade civil como a tomada de decisão apoiada e a curatela. Vital, portanto, que os Estados desenvolvam mecanismos de respeito ao direito ao reconhecimento da capacidade jurídica das pessoas com deficiência em condições de igualdade e apoio necessário no exercício da sua autonomia.

A vontade de implementar a tomada de decisão apoiada necessita de um entendimento sobre as necessidades de cada pessoa com deficiência individualmente, já que cada pessoa além de ter direito a sua capacidade de direito também tem a ser respeitada na sua individualidade. A vontade de cada um vem a partir de seus objetivos de vida e cada pessoa tem diferentes futuros a serem vislumbrados por distintos pontos de vista. O respeito para com essa individualidade foi desenhado o instrumento da Tomada de Decisão Apoiada que para Menezes (2015, p. 11): ”(...) permite que esta venha a traçar um plano de apoio para as suas decisões, por meio da chamada tomada de decisão apoiada não é razoável negar-lhe a possibilidade de pleitear a sua própria curatela e indicar o seu curador.”

O Estatuto da Pessoa com Deficiência estabeleceu esse novo instrumento processual para como um modo de, respeitando a sua autonomia, o indivíduo poder solicitar a outra pessoa de sua confiança um auxilio por meio de elementos e elucidações que permitam a tomada de decisão. Isto está estabelecido no Estatuto por meio da redação do artigo 1783-A: Art. 1.783-A. A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade.

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Todo este processo jurídico definido no Estatuto, visa dar ao indivíduo com deficiência um instrumento para exercer a sua capacidade, que diferente do anterior modelo de substituição de vontade, respeita a autonomia ao dar à estes uma faculdade para otimizar ou até possibilitar a expressão da capacidade de direito que é a capacidade de fato para realizar os atos que ele deseja para sua vida. Como lecionam Farias,Cunha e Pinto (2016, p.342): ”(...) a tomada de decisão apoiada é um modelo protecionista para pessoas plenamente capazes, porém em situação de vulnerabilidade por conta de urna deficiência. ”

Na lição de Joyceane Bezerra de Menezes (2016, p.44) é entendido o ponto de diferenciação entre a substituição de vontade e autonomia na opção pelo modelo de apoio: “Portanto, a tomada de decisão apoiada constitui um novo instituto voltado para auxiliar a pessoa que se sente fragilizada no exercício de sua autonomia, mas que não necessita de um suporte mais extremo como o da curatela.”

Por meio de uma ação judicial específica dirigida ao juízo competente (art.46, CPC/2015), a pessoa interessada no uso da tomada de decisão apoiada, institui advogado com o qual, conforme a Lei nº.: 13.146/2015, elabora um termo que delimita os limites e o apoio pretendido, com o compromisso dos apoiadores (art. 1.783-A, § 1º). Após isso, há a indicação dos apoiadores (art. 1.783-A, §2º), com a avaliação destes por equipe multidisciplinar e com a oitiva do Ministério Público (art. 1.783-A, § 3º). Sendo validada a tomada de decisão apoiada, esta pode ser questionada em caso de risco ou prejuízo relevante pelas duas partes, sendo denunciada pelo MP (art. 1.783-A, §6º), pelo apoiado ou por qualquer pessoa com denúncia dirigida ao MP por negligencia do apoiador (art. 1.783-A, §7º), além de o apoiado e apoiador poderem retirar sua participação a qualquer tempo (art. 1.783-A, §8º e 9º), respetivamente.

Com isso, a tomada de decisão apoiada veio como modelo substitutivo ao obsoleto, do ponto de vista da legislação internacional e a realidade constitucional brasileira, modo que entendia a pessoa com deficiência como absolutamente incapaz para decidir atos de seu interesse, para sua própria vida (FARIAS, CUNHA,PINTO, 2016, p. 341). Esta ação é vista como menos branda que a curatela, que não foi retirada do ornamento jurídico nacional, mas sim foi reformulada como uma ação mais drástica, porém sem perder de vista os princípios vigentes que acabam por lastrear as leis brasileiras, metamorfoseado esse modo mais duro de substituição de vontade, de regra para exceção.

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4 INCLUSÃO DA PESSOA COM TRANSTORNO DE ESPECTRO AUTISTA: DESAFIOS FRENTE A DIVERSIDADE

Dentro de uma categorização como a feita pela Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, existem as pessoas com Transtorno de Espectro Autista - TEA, conhecidos anteriormente como somente como autistas. O Ministério da Saúde tem uma cartilha que traz uma definição geral para o caso (Brasil, 2000):

O autismo foi identificado nos anos 40 deste século pelos médicos Leo Kanner e Hans Asperger. Obviamente é um estado que sempre existiu em todas as épocas e culturas. A partir dos estudos destes autores, outras pesquisas se seguiram no conhecimento desta síndrome. Assim, hoje os autistas são reconhecidos pelas seguintes características, que podem se apresentar em conjunto ou isoladamente: − apresentam isolamento mental, daí o nome autismo. Esse isolamento despreza, exclui e ignora o que vem do mundo externo;

− possuem uma insistência obsessiva na repetição, com movimentos e barulhos repetitivos e estereotipados;

− adotam elaborados rituais e rotinas;

− têm fixações e fascinações altamente direcionadas e intensas;

− apresentam escassez de expressões faciais e gestos; − não olham diretamente para as pessoas;

− têm uma utilização anormal da linguagem; − apresentam boas relações com objetos; − apresentam ansiedade excessiva;

− não adquirem a fala ou perdem a anteriormente

A mudança na denominação sobreveio com a conceituação do autismo não como um transtorno único mas sim como um distúrbio complexo que tem várias etiologias, manifestações comportamentais e diferentes graus de gravidade, transformando o seu entendimento para um transtorno de diferentes espectros relacionados ao autismo, (STELZER, 2012). Estes diferentes níveis de gravidade são primordiais para entender as ações e possibilidades de uma pessoa com TEA no seu ambiente de vida, fazendo muita diferença também nos seus níveis de cognição e habilidades possíveis de serem desenvolvidas.

A edição da Lei nº.: 12.764/2012, trouxe mudanças decisivas para o modo de o ordenamento jurídico brasileiro encara as pessoas com TEA e instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. O reconhecimento dos autistas com sujeitos de direitos e o estabelecimento dos deveres, não só do Estado como

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