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Mudanças no Além São Francisco: viabilização de ações pelo Estado centralizador e “modernizador”.

3. AS POLÍTICAS TERRITORIAIS NO ALÉM SÃO FRANCISCO (1889 – 1955).

3.4 Mudanças no Além São Francisco: viabilização de ações pelo Estado centralizador e “modernizador”.

Conforme observado inicialmente neste capítulo a trajetória baiana no início da Republica é marcada pela instabilidade política e estagnação econômica, com pouco momentos de incremento no quadro estatal. A crise herdada do Império atravessa as primeiras décadas do século XX sem provocar alterações significantes. A Bahia enquanto unidade da federação não recupera o prestígio do passado, perdendo a primazia para os estados do sudeste. É somente no final da primeira metade do século XX que algumas mudanças, pelo menos no nível de planejamento, vão se estruturar nas escalas federais e estaduais.

O planejamento de governo não era uma prioridade na estrutura de ações administrativas até meados do pós II Guerra Mundial. Esta era uma característica comum aos países de economia tardia e de capitalismo emergente (ARAÚJO, 2000) que somente após este período iniciaram um processo de priorização da industrialização e modernização, no entanto com caráter conservador. Recortando o Além São Francisco, observa-se que o mesmo se insere no planejamento da escala federal, com a criação da Comissão do Vale do São Francisco (CVSF) em 15 de dezembro de 1948, demonstrando o explícito interesse de promover o aproveitamento hidroelétrico e implantar projetos de mecanização agrícola em todo vale do rio São Francisco (COSTA, 2011). Esta fora uma estratégia de expansão do capital e integração de novas áreas econômicas, fundamentada na racionalização técnica/desenvolvimentista características daquele período. A novidade trazida pela experiência da CVSF foi a instrumentalização e o planejamento aplicados pioneiramente à uma bacia hidrográfica, que abrangia uma área comum a diferentes unidades federativas (LOPES, 1955). Para tal intento a União deveria aplicar 1% das rendas tributáveis, num prazo de vinte anos, visando “garantir a execução do Plano de Aproveitamento das Possibilidades

Econômicas do Rio São Francisco, de acordo com o Art. 29 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias” determinado pela Constituição de 1946.

Este tipo de medida estava atrelado ao ideal desenvolvimentista que propunha ações e projetos visando superar os grandes problemas nacionais e inserir o Brasil entre as grandes potências desenvolvidas. Era um momento que a industrialização tornara-se o objetivo principal para o “ideal de crescimento econômico”. Para tanto era necessário investir em potencial energético, como fora o caso das ações no Vale do São Francisco42.

No contexto baiano, o marco atribuído à transformação destas condições foi a posse do governador Antonio Balbino43, no ano de 1955. A ascensão de Balbino44 ao governo do estado trouxera mudanças nas perspectivas de planejamento, pelo menos a nível estrutural. Entre as principais medidas adotadas em seu governo estava a criação de uma comissão voltada para pensar as ações e metas da administração estadual.

A idéia de um órgão responsável pela elaboração de estudos e pesquisas que subsidiasse o planejamento governamental se efetiva com a criação da Comissão de Planejamento Econômico (CPE) pelo Decreto n° 16.261, de maio de 1955, dirigida inicialmente pelo economista Rômulo Almeida. Como órgão de estudo, planejamento, coordenação e controle, a CPE se constituiu na primeira experiência institucional de planejamento no Brasil, sendo responsável pela realização de importantes estudos e projetos no Estado da Bahia (SEI, s/d).

Dentre as principais ações da Comissão de Planejamento Econômico (CPE) estavam: a) Estudar e promover as medidas à estabilidade econômica; b) Estudar e propor a criação de novos empreendimentos; c) Articular a administração estadual e a administração federal; d) Criar condições de promoção, por meio de órgãos e estruturas integradas, entre outros (CASTRO, 2010). Estas iniciativas foram pensadas, sobretudo, pelo corpo técnico que compunha a estrutura do governo de Balbino, protagonizada pelo economista

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No mesmo período que a CVSF fora criada a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF) com intuito de construir a Usina de Paulo Afonso e tratar da exploração energética no Vale do São Francisco.

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O novo governador da Bahia era natural da cidade de Barreiras (BA). Na política ocupou os cargos de deputado, senador e ministro. Consultar Santana (2002).

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Na escala federal a eleição de Balbino se aproximava de um projeto desenvolvimentista com predominância dos segmentos do capital nacional. Já na Bahia representava forças políticas ligadas ao Oeste/Sertão do São Francisco. ver mais em Santos (2007).

baiano Rômulo Almeida. A partir disso que se institucionaliza o debate sobre o planejamento econômico estatal, focado na estratégia de industrialização, como recurso para salvar a decadente economia da Bahia. Para os estudiosos da questão a reforma administrativa e as ações a nível operacional tendiam para uma mudança de concepção no planejamento e conforme aponta Castro (2010, p. 87) o planejamento de governo “orientado pela CPE foi um trabalho pioneiro no sentido de adaptar o aparelho do Estado aos reclamos de modernização e industrialização nacionais”. No entanto, apesar de ser uma novidade em termos de administração, as ações econômicas, políticas e sociais no Além São Francisco continuaram estagnadas, situação que já vinha sendo percebida desde o fim do ciclo do ouro em Minas Gerais. Até meados de 1950 não se observa maiores iniciativas dos governos baianos para esta porção e de acordo com Santos (2011, p. 297) “as escassas iniciativas governamentais adotadas durante esse período foram incapazes de reverter este quadro de estagnação econômica”. Nem mesmo a eleição de um barreirense, “representante dos oestinos”, fora capaz de facilitar ou destinar novas ações para os municípios da margem ocidental são franciscana. Ao que parece, na escala estadual, o Além São Francisco continuava sem visibilidade.

Outro exemplo de política territorial no período, fora a instalação de duas agências bancárias em municípios do Além São Francisco (Quadro 1). Segundo Santos Filho (1989), atendendo as exigências dos comerciantes e fazendeiros, foram implantadas em meados de 1943 em Barra e Barreiras, agências do Banco do Brasil, o que representaria a possibilidade de atrair investimentos e facilidades de créditos para os comerciantes locais demonstrando o quanto o papel das elites no território era considerado relevante. Na ausência do Estado, esses agentes buscavam os recursos financeiros tanto para imprimir mudanças no território, quanto para garantir a sua condição de reprodução enquanto agentes privados. Esta questão provavelmente “alimentava” o discurso de abandono do oeste, mobilizando a elite regional e que continuava sentindo-se isolada na vastidão são franciscana. A esta altura Barra era um dos principais centros urbanos, perdendo porém sua centralidade para o município de Barreiras que já apresentava os requesitos para se tornar o principal centro político e comercial de toda porção oeste da Bahia.

Quadro 1 – Bancos públicos existentes no Além São Francisco-1889-1955

Nome da instituição Município Data de início das operações

Banco do Brasil S.A. Barra 01/02/1943

Banco do Brasil S.A. Barreiras 15/03/1943

Fonte: BACEN (2014)

Elaboração: Maria Aparecida Brito Oliveira.

O Quadro 2 sintetiza as grandes ações que repercutiram no Além São Francisco. Destacando as políticas territoriais, tem-se a navegação fluvial como a principal medida na escala estadual, esta surgindo no período anterior à República, mas que recebe maior participação estatal já no período republicano, declinando ainda no início do século XX. Na escala federal o transporte ferroviário, a instalação de agências bancárias e a criação da CVSF se apresentam como grandes investimentos para o período em questão, este último inspirado nos conteúdos modernizantes em voga no país. A ação federal intensifica os traços do modelo de desenvolvimento implantados pelo Estado, concentrando na Bacia do Rio São Francisco os projetos de irrigação agrícolas e a implementação de hidrelétricas, sendo a principal matriz energética adotada no país. Além destes, o papel da iniciativa privada, sinalizada pelo desenvolvimento da navegação no Rio São Francisco e a construção do aeroporto de Barreiras, por empresas estrangeiras, condicionando novas formas espaciais.

Neste sentido, para falar da ausência de políticas territoriais é necessário conhecer a atuação do Estado. No período analisado as ações direcionadas para o recorte são escassas se considerar a dimensão do território, mas elas estão inseridas numa perspectiva maior de atuação deste agente. Do material recolhido em campo e dos documentos de governo analisados há de fato uma negligência quanto ao Além São Francisco, não sendo possível identificar grandes traços de mudanças territoriais no cenário. A idéia de carência de políticas territoriais se ratifica no período em questão, no entanto, estas se justificam como uma estratégia política no conjunto de ações do Estado, já que prioriza outras porções do território.

Quadro 2- Políticas Territoriais e iniciativas privadas voltadas para o Além São Francisco- Séculos XIX e XX

Ação/ política

Agente/

Iniciativa Período Observações Fonte

Navegação Governo

Provincial 1865

Governo incentiva a construção de uma embarcação (vapor Conselheiro Dantas) e posteriormente assume a Empresa Viação do Brasil.

Bahia (2007)

Ferrovia União 1896

Governo federal investe em novos ramos e extensão da Ferrovia Bahia – São Francisco ligando Salvador à Juazeiro.

IBGE (1990); Mattoso

(1992)

Navegação Privada 1865

Comerciantes locais iniciam a navegação com embarcações próprias entre as pequenas cidades ribeirinhas, transportando pessoas e mercadorias.

Bahia (2007)

Aeroporto Privada 1940

Constrói-se um aeroporto em Barreiras que se torna ponto para reabastecimento de voos de companhias americanas. Mais tarde figura-se como base militar americana na II Guerra Mundial.

Santos Filho(1989)

Agências

Bancárias Federal 1943

Instalação de agências do Banco do Brasil nos municípios de Barra e Barreiras, atendendo as solicitações da elite local.

BACEN (2014)

CVSF Federal 1948

Governo Federal inicia trabalho de intervenção na Bacia do Rio São Francisco com projetos de expansão/irrigação agrícola e construção de hidroelétricas.

Lopes (1955)

Elaboração: Maria Aparecida Brito Oliveira

Resumidamente, o Além São Francisco, constituído em meados do início da República, se apresentou como o espaço territorial, pouco inserido no contexto estadual até a primeira metade do século XX, podendo caracterizá-lo como um território de expressividade local/regional sem grandes repercussões. Esta situação fora revertida pela própria iniciativa do Estado, haja vista que este território outrora marginalizado, se inseriu como espaço estratégico para

expansão da fronteira agrícola e ampliação do capital. Na escala federal apresentou-se como possibilidade para os grandes projetos do Estado, especialmente em energia e irrigação. No âmbito estatal, a idéia de “esquecimento” e “ausência” do Estado tendeu a experimentar alguma mudança em finais da década de 1970 quando as estratégias de ação direcionou projetos e programas para a área dos cerrados, incluindo a parte baiana conforme será apresentado no capítulo subsequente.