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VI. Ocupação de novas áreas para agropecuária;

4.2 A posição da Bahia e o planejamento estadual a partir da segunda metade do século

Avaliando a escala nacional, observa-se que economicamente o país investiu na industrialização e urbanização como metas de crescimento, estruturando o planejamento nas grandes áreas de infraestrutura (energia, transportes) e na modernização do setor industrial. O cenário baiano conforme pontuado no capítulo anterior, estava envolvido em questões internas, visando

recuperar e diversificar a economia estadual. Entre as principais iniciativas, destaca-se a estruturação do planejamento como uma medida emergencial para organizar a economia do estado. Cabe destacar que a experiência de planejamento é algo recente em países de economia capitalista, e no Brasil, tanto a nível federal quanto estadual, iniciam-se medidas voltadas para esse aspecto somente em meados de 1950 (ARAÚJO, 2000).

O marco institucional na Bahia, no sentido de mudanças políticas, econômicas e de organização do planejamento está atribuído à posse do governador Antonio Balbino (1955), que conforme discutido no Capítulo 3, representava o grupo de políticos do interior do estado, especialmente da região são franciscana. Pela sua origem na cidade de Barreiras e as reivindicações históricas da elite regional, supunha-se que o Além São Francisco poderia ser mais assistido neste governo, fato que não se concretizou.

As propostas balbinistas inspiradas num Estado interventor foram direcionadas na tentativa de incorporar a Bahia nos caminhos propostos pelo percurso nacional, cuja modernização e industrialização simbolizavam os pilares para a construção de uma nova potência econômica a nível mundial. Conforme destaca Santos (2007, p. 53) há certo consenso, tanto por parte dos estudos acadêmicos, quanto em função de documentos produzidos pelo serviço público, no reconhecimento do governo de Antônio Balbino para a modernização política e administrativa do estado. Pelo menos, na experiência de formatação de uma estrutura governamental observa-se certo pioneirismo em suas propostas, o que não necessariamente representou uma mudança estrutural, econômica, política e social na Bahia.

As ações desse período foram fortemente influenciadas pelas tendências do economista Rômulo Almeida49 e pela sua experiência em projetos a nível nacional, propondo uma abordagem de desenvolvimento “mais equilibrado” (SANTANA, 2002). Entretanto, alguns conflitos internos e externos à Bahia interviram na montagem do aparato institucional. Uma destas questões viera a se tornar um grande impasse entre as idéias do economista baiano com

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Coube ao personagem em questão um papel decisivo ao idealizar diversos projetos, sobretudo o projeto de criação do Banco do Nordeste do Brasil e a Comissão de Planejamento Econômico. Ver mais em Santana (2002).

o também economista Celso Furtado, herança da experiência anterior do baiano na atuação em ministérios nacionais (SANTANA, 2002). Neste sentido, havia uma defesa do primeiro para expansão de capital e avanços do ponto de vista econômicos, atrelados à ampliação da capacidade de consumo e elevação dos padrões de vida das camadas mais populares. Distinta da posição de Almeida, Celso Furtado, que integrando a equipe do Plano de Metas de Juscelino Kubistschek, julgava ser necessário investir maciçamente na industrialização do país, motivo que levaria a superação do atraso econômico conforme destaca Santana (2002). A influência do economista baiano foi mais marcante nas propostas do governo.

Considerado um intelectual orgânico50, Rômulo Almeida empreendeu esforços na estruturação das bases de planejamento, trazendo para o âmbito estatal as discussões pertinentes ao desenvolvimento regional. Era necessário naquele contexto superar o quadro de estagnação da Bahia e as medidas previstas foram aos poucos esquematizadas no âmbito da Comissão de Planejamento Econômico (CPE) conforme sinalizado no capítulo anterior. Essa experiência de planejamento, no entanto, obteve resistência no nível federal, especialmente em virtude das posições contrárias entre Rômulo Almeida e Celso Furtado. No plano estadual, a resistência fora por parte dos políticos baianos, devido à apatia e o histórico clientelista no contexto do estado. Ainda de acordo com Santana (2002, p. 147) “a cultura política local reagiu a estratégia de plano da CPE e obstacularizou uma formulação contra- hegemônica, via debates internos na Assembléia”, tornando a meta de organização administrativa do estado um ponto ainda mais desafiador.

Apesar das divergências de perspectivas, de modo geral, reconhecia- se a necessidade de mudanças na economia estadual e neste sentido, alguns esforços foram empreendidos no âmbito da CPE como parte de um plano para a reabilitação econômica. Pode-se mencionar, por exemplo, o Programa de Recuperação Econômica da Bahia lançado pelo grupo da CPE no ano de 1958. Dentre as questões centrais do documento estava à superação da instabilidade econômica (flutuação das safras e estiagem, dependência do mercado exterior e a inadequação regional da política monetária federal). As sugestões previstas

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O intelectual orgânico é todo indivíduo consciente de sua classe e que de algum modo busca construir um consenso em torno do projeto da classe. Ver mais em Gramsci (2000).

no programa citado enfatizava a necessidade de uma atuação mais eficiente do Estado que pudesse estimular o desenvolvimento, investir em setores estratégicos, articular os recursos federais, estaduais e municipais, além dos investimentos de capital privado, evidenciando o caráter intervencionista das políticas pensadas para aquela conjuntura. No documento ainda é possível destacar a ênfase dada à questão do planejamento, cujo termo é evidenciado em muitos momentos ao longo do texto.

Embora os esforços tendessem às mudanças econômicas, as ações continuaram concentradas na Política do Cacau, na nova opção do Petróleo, bem como na modernização industrial. Nesse período, o objetivo estava pautado na “industrialização como uma saída possível para reverter a participação pouco expressiva da Bahia nas decisões econômicas nacionais”, através do “[...] desenvolvimento da produção industrial e do incentivo ao setor agrícola, seria possível alterar o papel periférico que a Bahia desempenhava na divisão interestadual do trabalho”(SANTOS, 2007, p.44). A instalação da Petrobras (1950), do Centro Industrial de Aratu – CIA (1967) e do Pólo Petroquímico de Camaçari (1978) foram medidas condizentes com esta proposta. Antes de tudo, representavam transformações importantes para restauração da economia do estado, mas não contribuíram para transformações do ponto de vista social e não contemplaram todo território estadual.

Outro documento que pode ratificar essas questões é o Plano de Desenvolvimento da Bahia para o período de 1960 a 1963, lançado no governo de Juracy Magalhães (1959-1963). O plano se insere como uma tentativa de acompanhar as diretrizes nacionais condizentes com o lançamento da Operação Nordeste - OPENO e as propostas da SUDENE. Objetivando ampliar as exportações baianas e diminuir as taxas de importações, equalizar os investimentos estaduais e municipais, além dos repasses federais, a proposta visava recuperar o prestigio econômico do estado e atingir o desenvolvimento apregoado naquela época. Do mesmo modo, apesar de indicar alguns elementos para diversificação econômica, as ações de governo ainda estavam muito concentradas na Política do Cacau e na Política do Petróleo, priorizando as atividades na capital (Salvador) e todo o entorno da região metropolitana,

além da centralização dos investimentos na zona cacaueira no sul e sudeste da Bahia.

Um dos poucos documentos produzidos especificamente sobre o recorte territorial em análise foi o Programa de Desenvolvimento Regional do Além São Francisco (1979-1982) que evidencia a opção de desenvolvimento escolhido para o oeste. O documento organizado pela Secretaria de Agricultura ressaltava a estratégia pautada no setor agropecuário, enfatizando que “[...] de forma geral pode-se afirmar que o setor básico do desenvolvimento regional será o primário através do seu componente agropecuário” (BAHIA, 1979, p. 30). Na operacionalização da proposta divide-se o Além São Francisco em porção leste e porção oeste. A primeira seria ocupada por pequenas propriedades e agricultura em menor escala; enquanto a porção oeste, onde se predomina o cerrado, a agricultura implantada estaria voltada para a grande escala. Nesse sentido já evidencia-se a seleção de áreas bem delimitadas, sendo o cerrado, o local onde a especialização, a mecanização se tornará evidente a partir da década de 1980.

Vários esforços do ponto de vista de planejamento foram experimentados, no entanto outros redutos do estado continuavam invisibilizados do ponto de vista estratégico. O Além São Francisco, pouco recebeu incentivos na escala estadual, emergindo como área de interesse a partir da proposta nacional de expansão da agricultura pelos cerrados e pelos projetos já desenvolvidos na escala federal via CVSF (atualmente CODEVASF). Até a primeira metade do século XX, a economia são franciscana esteve caracterizada numa posição secundária e sem participar da pauta estadual.

As ações voltadas para o recorte se consolidaram apenas, no final da década de 1970, acompanhando o conjunto de medidas definidas para ocupar todo o interior do território nacional e ampliar a fronteira agrícola no cerrado. Para a escala estadual, o interesse se processou a partir do reconhecimento da potencialidade do cerrado baiano, em virtude das pesquisas realizadas por órgãos do governo e a partir da dinâmica que conferiu um novo caráter de relação.

4.3 Expansão das políticas territoriais pelos cerrados: o reconhecimento