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Mulher e o acesso ao ensino superior e ao mercado de trabalho

3. MARCO TEÓRICO

3.4 Mulher e o acesso ao ensino superior e ao mercado de trabalho

A educação tem sido ao longo do tempo um dos mais significativos marcos da evolução das sociedades. Qualquer estudo, ainda que superficial, acerca da evolução de uma dada sociedade, terá a educação como um de seus mais importantes referenciais.

Com o advento do Estado de Direito a educação ganhou desde o século XIX um novo tratamento jurídico-estatal, mormente quando a partir da Revolução Francesa, os diversos Estados nacionais passaram a assumir como obrigação legal o ensino público e gratuito, até então realizado pela Igreja.

No Brasil, a importância da educação também pode ser aquilatada partir do tratamento constitucional dispensado ao tema.

Na Constituição Federal de 1988 a educação mereceu distinta posição, sendo apresentada como um dos direitos sociais2, devendo ser assegurada a todos os

brasileiros mediante o esforço legislativo3, material e financeiro da União, Estados,

Distrito Federal e Municípios4.

A educação se insere assim, no plano constitucional, como um dos requisitos mínimos para uma existência digna de um ser humano, transparecendo a noção de que a sua valoração na Carta Política é bem mais que uma opção do constituinte; antes, é a consolidação da dignidade da pessoa humana (BARROSO, 2009).

Nessa condição, a prestação da atividade educacional deverá ser realizada com observância dos princípios do serviço público, notadamente o da continuidade, eficiência, atualidade e generalidade. Considerando a educação sob esses aspectos, conclui-se que a sua prestação deve ser o mais eficiente possível, em seus aspectos quantitativos e qualitativos.

No que interessa a esse estudo, não apenas o Brasil como boa parte do mundo tem relativo sucesso quando se trata de viabilizar vagas para meninos/homens e

2Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Grifos não constam do original.

3Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...] IX - educação, cultura, ensino e desporto. Grifos não constam do original.

4Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência. Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

44 meninas/mulheres nos diferentes níveis de ensino. Na chamada educação terciária, que engloba o ensino superior em universidades, a paridade de gênero foi atingida completamente em 95 países; no ensino secundário e primário, a seu turno, o número de países onde se verifica a igualdade é de 95 e 60, respectivamente (PNUD, 2016).

Embora os níveis de oferta escolar nos países variem consideravelmente e, em vários casos, ainda existam muitos indivíduos à margem do ensino, pelo menos esses números indicam que as igualdades para ambos os sexos estão caminhando para a paridade.

No mercado de trabalho brasileiro, a escolaridade média das mulheres é bem maior (8,4 anos de estudo delas, ante 6,8 anos deles). O dado é da pesquisa Síntese dos Indicadores Sociais 2016, do IBGE, que também mostrou que o número de trabalhadores com mestrado cresce mais entre as mulheres: avanço de 16,55% ante 12,52% deles, se comparado com o ano anterior.

Na contramão do que poderia indicar esses números, diversos estudos sociais indicam que os valores percebidos pelas mulheres estão aquém daqueles que os homens auferem (GIUBERTI E MENEZES-FILHO, 2005; MADALOZZO, 2010; WEICHSELBAUMER E WINTER-EBMER, 2005).

Variados fatores foram explorados para explicar as diferenças de gênero no mercado de trabalho, dos quais se destacam as diferenças de acumulação de capital humano e discriminação em alguns campos (ALTONJI E BLANK, 1999). Mais recentemente, alguns também abordaram fatores psicológicos e comportamentais para explicar a menor presença das mulheres em determinados campos, como foi o caso dos estudos de Akerlof e Kranton (2000, 2002, 2005), Bertrand (2011) e Cuddy et al. (2004).

No Brasil, a melhor qualificação de ensino também não se traduz em vantagem competitiva no mercado de trabalho. No Brasil, as mulheres com ensino superior ganham 68,5% do que recebem os homens com idêntica instrução (IBGE, 2016). Assim, tornou-se lugar comum nos estudos sociais a constatação que as mulheres, mesmo quando executam um trabalho semelhante, podem ganhar menos. A nível mundial, as mulheres ganham 28 por cento menos do que os homens (PNUD, 2016).

A todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de sexo; assim estabelece o artigo 5º da Consolidação das Leis Trabalhistas (Decreto- Lei nº. 5452/1973). Alguns países inclusive editaram legislações específicas para equiparar o salário de homens e mulheres (EL PAÍS, 2007). Contudo, “mesmo quando

45 as leis obrigam o pagamento equiparado, a remuneração média permanece inferior, porque as mulheres têm acesso dificultado aos postos e às profissões que pagam melhor” (THIRY-CHERQUES E PIMENTA, 2004).

A segregação profissional tem prevalecido ao longo do tempo e é transversal aos vários níveis de prosperidade económica, tanto em países desenvolvidos como nos em desenvolvimento (PNUD, 2016).

A contribuição das mulheres para a força de trabalho e taxas de emprego é fortemente afetada por questões econômicas, sociais e culturais e pela repartição dos cuidados a prestar no agregado familiar. Relativamente ao trabalho não remunerado, dentro do agregado familiar, as mulheres respondem por três vezes mais do que os homens (31% contra 10%).

Esta a fonte do desequilíbrio: os homens dominam o mundo do trabalho remunerado e as mulheres o do trabalho não remunerado. O trabalho não remunerado no lar é indispensável para o funcionamento da sociedade e do bem-estar humano. Contudo, quando recai principalmente sobre as mulheres, limita as suas escolhas e oportunidades relativamente a outras atividades que poderiam ser mais gratificantes. As mulheres, mesmo quando realizam um trabalho remunerado, enfrentam desvantagens e discriminação. (PNUD, 2016, p. 236)

O fator cor/raça, como cediço, também é preponderante para afetar a condição socioeconômica no país. O Censo 2010, entre outras constatações, revelou que: a taxa de atividade é maior entre as mulheres brancas, 56,2%, frente a 53,1% das mulheres negras; entre as empregadas domésticas sem carteira assinada 62,3% eram negras e 36% eram brancas; 26% das mulheres brancas têm superior completo, enquanto que apenas 11,2% das negras o têm; as mulheres negras tinham um rendimento médio equivalente a 52% do rendimento das mulheres brancas.

Também as diferenças salariais ficam mais acentuadas e o acesso mais restrito quando se trata de profissões mais bem remuneradas e postos com maior poder de decisão. É o fenômeno conhecido como “teto de vidro” (glass ceiling, na literatura estrangeira), segundo o qual existe uma série de barreiras à ascensão profissional da mulher, que aumentam quanto mais acima se observe a hierarquia corporativa.

Segundo dados da PNUD (2016) os gestores de topo do sexo feminino ganham, em média, apenas 53 por cento dos salários pagos a gestores de topo do sexo masculino na América Latina. Mesmo quando ascendem na carreira, os cargos em que se posicionam, em sua maioria são de pouca influência estratégica e decisória, como por exemplo as direções de recursos humanos (CAPPELLIN, 2008).

46 Assim, em pesquisa empírica com base nos dados fornecidos pela Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) entre 1996 e 2006, Cappellin (2008, p. 97) identifica que, por mais que ascendam à cargos de liderança, as mulheres, normalmente, ficam restritas às áreas de menor posição estratégica, como são as direções de recursos humanos.

O diferencial na alocação de homens e mulheres segundo as áreas de atuação e funções – divisão sexual do trabalho – também são amplamente explorados pela academia (ARENDT, 2008; BOURDIEU, 2003; HIRATA e KERGOAT, 2007). Segundo os estudiosos, haveria uma organização do trabalho em que determinadas atividades seriam atribuídas a homens, e outras, a mulheres. Essa divisão seria baseada na dicotomia entre a vida pública e privada, ou seja, dentro e fora do lar, e a presença da mulher no mercado de trabalho seria em sua maior parte uma reprodução dos afazeres domésticos.

Homens se mostram sobre-representados em áreas como o comércio, as finanças, trabalhos relacionados com instalações e máquinas, bem como em cargos de gestão e legislativos; as mulheres aparecem mais em profissões que exigem competências médias, como secretárias, prestadores de serviços, promotores de vendas ou funcionários de lojas, além de profissões que envolvam cuidados e saúde. Há o que se comemorar, pelo menos. Publicação editada pela Organização Internacional do Trabalho (Women at work: trends 2016) revela que houve uma forte redução na disparidade de gênero na América Latina no que se refere aos níveis das taxas de empregos ao longo do período de 1995 a 2015. Ao longo dos anos observou- se uma constante favorável no que diz respeito a uma maior admissão de mulheres no mercado de trabalho e menor redução nos desligamentos desse mesmo grupo.

As explicações para esse avanço são das mais variadas, segundo a academia. Black e Brainerd (2004) e Black e Strahan (2001) explicam o fenômeno utilizando a globalização e as tendências de regulação como explicação para redução de discriminação contra as mulheres. Os estudos também vão desde as questões biológicas, como apontado por Gondin e Katz (2002), que demonstram como a disponibilidade das pílulas aumentou a procura das mulheres pela educação superior, até as inovações tecnológicas, sendo que as novas comodidades em aparelhos eletrodomésticos foram apontadas por Greenwood et al. (2005) como fator para o maior engajamento feminino na força de trabalho.

47 Mas e na seara dos concursos públicos? Seria um rígido procedimento de seleção capaz de absorver todas as desigualdades que acometem os participantes? Fetter (1995, p. 33) discorre sobre a natureza intensa e rigorosa de processos de admissão em faculdades e universidades seletivas dos Estados Unidos, a qual pode ser transportada para o atual panorama das seleções no país:

Não há tolerância para com as doenças; os problemas particulares ficam proibidos; as relações familiares são postas em suspenso (...) Nenhuma das emergências da vida pode ser acolhida (...) o nascimento e a morte (...) não podem perturbar o cronograma de leitura.

O regime de estudos dos candidatos a concursos públicos é intenso e coloca a vida familiar e o lazer em segundo plano, em alguns casos, durante vários anos. Com isso, prima facie para as mulheres parece que a tarefa possa ser mais árdua e penosa, por tudo que se viu até aqui neste estudo.

Para piorar o quadro, direitos básicos das candidatas são tolhidos no certame. Em muitos estados da federação, as candidatas lactantes sequer podem amamentar seus filhos sem que com isso haja prejuízo do apertado tempo destinado à realização das provas. Por outro lado, recentemente o Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 630.733-DF julgou que as candidatas não têm direito de remarcação de testes físicos dos concursos em razão de gravidez.

A baixa representação em algumas carreiras do Estado, sobretudo as militares, levaram alguns órgãos a estabelecer cotas do total de vagas para as mulheres. Contudo, as iniciativas deixam dúvidas se se tratam de políticas afirmativas ou restrições ao público feminino, tendo em vista que na maioria dos casos o percentual reservado é bem abaixo da representação das mulheres na população5.

Se é verdade que as mulheres frequentemente se veem perante a escolha de dar prioridade ao trabalho não remunerado ou ficar excluídas da força de trabalho, resta saber então como se comportam no ambiente dos concursos públicos, o qual foi idealizado para conferir condições igualitárias de acesso a todos aqueles que se candidatem aos cargos colocados em disputa.

5 Vide, como exemplo, o concurso para Oficiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PORTAL G1, 2017) e para a Guarda Civil Metropolitana de SP (CARTA CAPITAL, 2014), que reservaram 10% e 30% de vagas para as mulheres, respectivamente.

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