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2.3 Entendendo como se constituíram as abordagens referentes ao gênero

2.3.2 A mulher e a interface com o trabalho

A história das mulheres relacionadas à busca por melhores condições de trabalho é muito antiga, bem como sua luta por sociedades mais justas e igualitárias. No Egito Antigo atuou como companheira do homem nas lidas do campo, comerciante ou médica; entre os Judeus foi relegada ao segundo plano; mantida enclausurada pelos atenienses; assumindo papel de destaque pela primeira vez no Renascimento ao adquirir reconhecimento por suas habilidades manuais na produção de artesanatos em tecidos e, ao ser associada à ciência por meio de figuras das “sábias”, “preciosas” ou das “enciclopédicas” (COHEN, 2009).

Cohen (2009) comenta que, posteriormente, durante a Revolução Francesa, em 1789, foi lançada à primeira “Declaração dos Direitos das Mulheres e do Cidadão” reivindicando uma série de direitos, destacando-se entre eles uma participação feminina mais efetiva na sociedade, melhores condições de vida e trabalho, maior participação política, acesso a instrução e o fim da prostituição. Entretanto, a entrada em grande escala da mulher para o mercado de trabalho aconteceu em decorrência da primeira Guerra Mundial, afirmam Betiol (2000) e Mâcedo (2003).

Durante esse período coube às mulheres chefiar a família, ser operárias nas fábricas de munição e auxiliar o exército. Para isso, trocaram os trajes por roupas confortáveis, adquiriram mobilidade e começaram a desenvolver autoconfiança. Nesse contexto, trabalhos como enfermeira, senhora de caridade ou madrinha da guerra eram vistos como dignos para as mulheres, tanto pela literatura como para a imprensa. Dessa forma, a guerra revivificava mitos de mulher salvadora, consoladora sem dar maior ênfase para as capacidades da mulher (BETIOL, 2000).

Contudo, foi pela Revolução Industrial, que se deu grande absorção da mão-de-obra feminina nas indústrias como meio para baratear salários, momento esse caracterizado por condições insalubres de trabalho, além de longas jornadas de trabalho diário, gerando descontentamentos e confrontos por toda a Europa. Já em meados do século XIX em 8 de março de 1857, aconteceu a primeira greve conduzida essencialmente por mulheres, sendo estas operárias fortemente reprimidas e mortas por asfixia (COHEN, 2009). Quase meio século depois foi elaborado um documento proibindo o trabalho noturno das mulheres na indústria que não se concretizou como lei. Em 1910, durante a II Conferência Internacional de Mulheres foi instituído o dia internacional da mulher para que o mundo anualmente refletisse sobre os direitos das mulheres no mundo, comenta Cohen (2009).

Vale ressaltar que com o advento da Revolução Industrial, as mulheres passaram a conciliar o trabalho na esfera produtiva e o trabalho tradicional em casa. Nessa perspectiva surge a fragmentação do trabalho em duas categorias distintas, de um lado a unidade doméstica, cabendo a mulher a realização das tarefas relativas à reprodução da força de trabalho, sem remuneração e de outro a unidade de produção extra lar, pelo qual passou a receber um salário (BRUSCHINI e ROSENBERG, 1982). Entretanto, o trabalho desempenhado na esfera privada geralmente era ocupado por homens instaurando a dicotomia homem/mulher.

Sobre a divisão do trabalho Hirata e Kergoat (2007, p. 599) comentam que a divisão sexual do trabalho é a forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais entre os sexos; mais do que isso, é um fator prioritário para a sobrevivência da relação social entre os sexos. Essa forma é modulada histórica e socialmente. Tem como características a designação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a apropriação pelos homens das funções com maior valor social adicionado (políticos, religiosos, militares etc.).

Percebe-se que de acordo com as referidas autoras, a apropriação de atividades laborais do setor produtivo de maior expressão para os homens, e a designação da esfera

reprodutiva às mulheres, encontram-se ancorada em relações sociais da divisão sexual do trabalho construída ao longo da história social e cultural. Essa divisão se encontra fundamentada por dois princípios organizadores válidos para todas as sociedades conhecidas, no tempo e no espaço: o princípio de separação (existem trabalhos de homens e trabalhos de mulheres) e o princípio hierárquico (um trabalho de homem “vale” mais que um trabalho de mulher). Para Hirata e Kergoat (2007), essa forma particular da divisão social do trabalho pode ser aplicada mediante um processo específico de legitimação, a ideologia naturalista.

Assim, a posição da mulher na divisão social do trabalho é prioritariamente definida a partir de suas funções biológicas, fazendo com que o trabalho feminino seja estigmatizado pela diversidade e por intervalos entre entradas e saídas no mercado de trabalho, característica do frágil equilíbrio entre atividades produtivas e funções reprodutoras, sustentadas pela mulher para a sobrevivência e o bem-estar de todo o grupo familiar (BRUSCHINI, 1992 apud BAHIA e FERRAZ, 1999).

Na percepção de Macedo (2003) a prescrição do trabalho baseada em ideologias que privilegiam e mantêm características tidas como naturais tanto para o homem, como para a mulher configuram formas de exploração e opressão da mão-de-obra feminina. Conseqüentemente, onde a distinção técnica que se faz do trabalho também demonstra a divisão por sexos, há uma tendência de supressão das trabalhadoras na ocupação de cargos de maior qualificação.

De acordo com Calás e Smircich (1998), as organizações são formadas por colaboradores que reproduzem nas empresas as práticas sociais extras organizacionais, dessa forma as mulheres ainda são fornecedores ocultos na economia. Segundo Macedo (2003), a construção de guetos femininos de ocupações resulta de uma cultura regida por princípios masculinos e sustentada pela naturalização das diferenças biológicas nas organizações, opondo-se a legislação trabalhista que estabelece preceitos de igualdade para ambos os sexos. Ainda de acordo com a autora o século XX teve alguns marcos históricos na luta feminina, a esse exemplo citam-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, o reconhecimento pela ONU em 1954 do desrespeito à Declaração, convidando todos os governantes a participarem do evento. Entre 1967 e 1973, teve inicio a preparação da Conferência Mundial do Ano Internacional da Mulher que aconteceu em 1975 contando com a participação de 8 mil mulheres de 113 países em que se debateu temas como a igualdade entre os sexos, a integração da mulher no desenvolvimento e a promoção da paz, momento em que a ONU declarou o período entre 1976 e 1985 como a década da mulher e em 1981 entrou

em vigor a “Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher”.

Analisando o contexto associado à participação feminina no mercado brasileiro, observa-se que desde a metade dos anos 1970, este se encontra em ascensão e está prestes a se consolidar (GOMES, 2005). No entanto, uma série de questões ainda assinala a atividade laboral da mulher, comentam Bruschini (2007) e Azevedo (2000), destacando-se a mudança no perfil da trabalhadora, o predomínio em atividades precárias e informais, o acesso e a conquista de bons empregos apenas por mulheres escolarizadas, a presença da maternidade como fator limitante.

Para Gomes (2005), acrescentam-se ainda as diferenças salariais, na qual os homens ganham mais realizando funções equitativas, a dupla jornada de trabalho, a falta de apoio social (creches, refeitórios), a menor chance de capacitação pela disponibilização prioritária à qualificação masculina e a falta de voz em espaços de poder e decisão.

Os estudos promovidos por Santos (2008) demonstram que as mulheres estão inseridas de modo significativo em posições que controlam ativos de qualificação e exercem autoridade, como cargos gerenciais, entretanto ainda assim a distância de gênero de renda atinge um patamar elevado entre os empregos de classe média, articularmente entre os gerentes, mostrando que esses contextos oferecem um espaço maior ou um ambiente mais propício para a manifestação dos efeitos da divisão de gênero.

Santos (2008) também menciona que as mulheres contam com uma educação maior, mas têm uma desvantagem de “anos de trabalho” e “anos no atual emprego”. Essas desvantagens se fazem sentir devido aos condicionamentos de gênero associados à maternidade, ao cuidado dos filhos pequenos, às definições de prioridades no âmbito da família e às exigências dos postos de trabalho, que comprometem a trajetória de engajamento no trabalho feminino. Capelle (2006) ressalta que ainda hoje há uma preocupação pelas mulheres, inclusive daquelas que trabalham, na manutenção do trabalho na esfera privada.

Os estudos promovidos por Zincone (1992), referentes à concentração feminina na realização de determinadas tarefas na organização, conhecida como segregação horizontal, mostraram que esta pode levar a uma desvalorização dos cargos que as mulheres ocupam e conseqüentemente ao desestimulo das mulheres a buscarem uma melhor qualificação, fato não confirmado por Santos (2008).

Mesmo diante dessa trajetória, que coloca a mulher em posição de inferioridade, a inserção feminina nas organizações, gerou novos significados para as relações de trabalho,

pois homens e mulheres começaram a disputar cargos, posições hierárquicas, destaque e reconhecimento profissional (BETIOL, 2000).

Entretanto esse reconhecimento exigiu além da tomada de consciência por parte das mulheres sobre sua importância social a luta feminista para inserir a mulher na história. A partir daí, vários pesquisadores como antropólogos, sociólogos, psicólogos, cientistas políticos foram sistematizando diferentes conceitos associados ao trabalho feminino, conforme a bagagem conceitual específica de suas disciplinas, comenta Simião (2000) .

Neste cenário um destaque especial deve ser atribuído ao sociólogo Foucault (1992) que entre outras contribuições dirigiu suas críticas em relação a forte hierarquia de poder instituída pela ciência e pela filosofia, que situa a mulher e tudo que represente o feminino, abaixo do que seja ou represente o masculino e que tem sido mascarada por alguns discursos (apud, PEREIRA e SILVA; 1997).

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