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É preciso ter coragem para ser mulher nesse mundo. Para viver como uma. Para escrever sobre elas. Thinkolga.com

De acordo com Reed (2008, p. 101-102), há ao menos duas formas de versar a alforria de uma mulher: uma propõe que todas as mulheres, independentemente de sua classe econômica, têm objetivos comuns, que se opõem aos dos “machos chauvinistas”; outra, marxista, sugere que, mesmo sabendo que as mulheres são subjugadas em uma sociedade dominada pelo homem, tal subordinação é parte da exploração dos trabalhadores pelos “capitalistas, detentores do poder e da propriedade”. Assim nos aponta que “as revoluções na

China, na Rússia e em Cuba garantiram melhorias na condição da mulher, mas tais melhorias foram conquistadas por meio da luta de classes, e não de uma luta entre sexos” (REED, 2008, p. 105). Portanto, podemos pensar que mesmo diante da diferença homem-mulher, o que mais aflige a humanidade é a discriminação, a discrepância rico-pobre.

Há que se imaginar uma sociedade dividida por classes que torna o ser humano tão diminuído diante do outro que sua desigualdade prejudica sua fala, emudece, decai sua moral e o torna inferiorizado de tal modo que o incapacita de lutar pelo direito que tem assim como o branco, o rico, o sudestino. Por isso, Reed (2008, p. 17) acentua também: “As mulheres que pertencem à classe dominante têm exatamente o mesmo interesse na conservação da sociedade capitalista que os seus maridos”.

Não importa neste caso a luta das minorias, das classes, o que prevalece é o capital, o possuir mais, o viver em região mais bem desenvolvida, melhor localizada e a cor de pele midiatizada. Em vista disso, nesta sociedade capitalista, a luta neste caso especificamente feminina, passa a ser de exclusividade fútil, ou seja, baseia-se em poder escolher uma roupa para estar bem vestida, em casar-se ou não, em votar e não se remete a sua conjuntura econômica, muito menos no espaço que quer ter para si como garantia de luta pelos direitos e conquistas.

Era essa a diferença da luta de Rísia, seu desejo de sair de sua condição excludente, a qual não se resumia a uma luta de gênero, mas, sobretudo, ao fato de ser uma mulher pobre, negra e nordestina. De construir sua identidade sem sofrer pelos estereótipos que carrega. Sendo assim, seu desejo era contrapor-se na busca pela homogeneização da sociedade, que investe na construção de uma identidade única, um modelo a ser seguido, tanto na individualidade, quanto nas ações cotidianas nos vários espaços sociais, de lazer, cultura, de aprendizagens formais e não formais.

Por isso, que no decurso de sua caminhada, a narradora protagonista aponta para o seu acesso à educação como meio de despertar interesse e aproveitamento para sair da pobreza extrema. Muito embora essa educação a que teve oportunidade de ingressar tenha sido pouco frustrante, por ser deficitária e ainda enfatizar a desvalorização que a sociedade lhe impunha. Por esse motivo, mesmo diante de todo o seu empenho, o estudo não melhorou tampouco modificou sua vida social, assim como o fato de estar dentro do mercado de trabalho tão jovem não lhe possibilitou autonomia econômica, essa era a sua válvula de escape, seu modo de sustentar a família, não os deixando morrer de fome, mas que não lhe permitia ascender socialmente por não se tratar de algo feito para sua própria valorização.

movimento migratório, devido aos baixos índices de desenvolvimento econômico e social da sua população. O local situado no entorno da capital pernambucana, Tijucopapo, conforma um mundo pequeno, estreito e periférico que contrasta com a amplitude social e cultural da metrópole, razão pela qual a narradora protagonista busca a capital paulista motivada pelo desejo de “ganhar o mundo”.

Independente dos resultados alcançados coincidirem ou não com as expectativas iniciais, o simples fato de correr o risco denota disposição para reagir contra as forças alienantes que alimentam a submissão. O movimento da personagem descreve parodicamente a “revolução feminista” localizada na periferia de um país latino-americano: uma espécie de feminismo de raiz, que nasce e cresce longe das teorias acadêmicas, como reação instintiva contra a opressão masculina e a hegemonia metropolitana.

Essa consciência de Rísia vem à tona através de relações e ações políticas que promovem o conhecimento sobre a desvalorização de sua identidade negra e migrante. É preciso vencer a segregação racial que favorece a cultura branca em detrimento da negra e, consequentemente, revela o racismo, muitas vezes de maneira velada.

No Brasil, a mestiçagem é a expressão mais popularmente utilizada para demonstrar a busca por uma identidade nacional, racial e cultural singular (GEERTZ, 2001, p. 42). No que diz respeito à cultura negra e suas identidades, estas se situam no campo da diáspora e da hibridização, o que significa que na cultura popular negra, em termos etnográficos, não há pureza (HALL, 2003). A mestiçagem, além de trazer a questão do não puro, ao aproximar-se do ideário de branqueamento pode trazer uma visão de afastamento da identidade negra, que é construída a partir de uma consciência histórica e política. Desta forma:

O mestiço brasileiro simboliza plenamente essa ambiguidade cuja consequência na sua própria definição é fatal, num país onde ele é de início indefinido. Ele é ―um e outro, ―o mesmo e o diferente, ―nem um nem outro, ―ser e não ser, ―pertencer e não pertencer. Essa indefinição social evitada na ideologia racial norte-americana e no regime do apartheid –, conjugada com o ideário do branqueamento, dificulta tanto a sua identidade como mestiço, quanto a sua opção de identidade negra. (GEERTZ, 2001, p. 56)

Sendo assim, é necessário que se construa a identidade na diferença. E na cultura negra, essas diferenças se revelam na história, através da ancestralidade e de suas tradições, que vão sendo traduzidas, ressignificadas. A identidade negra se constrói na resistência do povo negro contra toda e qualquer forma de discriminação racial, que acaba por criar produtos culturais, como a música, o rap (ritmo e poesia), o qual vai se modificando e cantando o novo

contexto, consciente desse pertencimento racial.

Em As Mulheres de Tijucopapo, a escrita de Felinto (2004) traduz essa resistência identitária, quando na voz da narradora protagonista - uma mulher que conta sua história através do discurso raivoso - fala de seu passado, de suas raízes, da tradição violenta e triste do seu Nordeste, para aonde simbolicamente se desloca através de uma viagem de volta, com o desejo de resgatar algum orgulho regional sobrevivente dos escombros a que reduzem sua cidade, sua família, as mulheres e homens que conheceu e com os quais conviveu.

Felinto (2004) apresenta uma índole “marginal” afastada da esfera academicista, com os rigores de normas nada conservadoras da língua e da arte literárias, pouco condizentes com a “alta literatura”, canonizada. Seu mérito consiste em pôr em xeque as artimanhas utilizadas pelos poderes constituídos interessados em se preservarem como tal, em detrimento da emancipação das partes consideradas hierarquicamente “inferiores”, como as mulheres, em relação aos homens; como os interioranos, sobretudo os nordestinos, desdenhados ou hostilizados na cidade grande; como os regimes ditatoriais, que expurgam qualquer possibilidade de reação contra tudo isso – a não ser que se manifeste clandestinamente ou no exílio.

Deste modo, denota Tijucopapo, definida por Felinto (2004), assim como hoje se vê muitas periferias nordestinas; uma pequena vila, que distante da Capital Pernambucana, um encolhido periférico que se contrapõe com uma metrópole ampla e agigantada social, cultural e economicamente, sendo estes os motivos que atraem até hoje os nordestinos, seu desejo incessante de ganhar dinheiro, tornarem-se ricos, ganhar independência.

Mesmo quando fracassam, encontram motivo para se reerguerem e tentar novamente, denotando coragem para enfrentar as lutas que alienam e submetem a opressão machista e a metropolitana.

Nestes termos, a arma está pautada na palavra que torna possível a resistência dentro de um contexto autoritarista que repreende, fere e açoita opiniões contrárias as suas. Não bastassem as adversidades que encara diariamente, a mulher deve ainda lhe dar com o lado mais obscuro de uma revolução marcada pela intolerância, erguida com violência e levada ao extremo quando se trata de minorias.

CAPÍTULO III

3 RÍSIA E A PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADE DA RAIVA: DA DIÁSPORA A