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Por fim, chegamos a terceira parte, onde encerramos a nossa pesquisa e completamos nosso objetivo geral: analisar o lugar da mulher na literatura do Marquês de Sade, especificamente no livro A Filosofia Na Alcova (1795). Como apontado na introdução, ao pesquisar sobre a mulher na literatura sadiana, além de buscar mostrar qual o lugar da mulher, nos focamos em compreender como foi possível Sade conceber este lugar para a mulher; daí a longa exploração do pensamento sadiano consumada no capítulo anterior. Em Sade, como na maioria dos pensadores iluministas, o lugar da mulher vai ser definido a partir de dois eixos básicos: A natureza e os Costumes; ou, noutra formulação, a mulher vai ser entendida a partir da Natureza, o que esta prescreveu para ela, e a partir da sociedade, o que esta fez da mulher. Antes de passar ao romance selecionado, decidimos fazer um breve itinerário sobre as representações da mulher no pensamento de alguns filósofos iluministas. Depois disso, adentramos ao romance de Sade, o qual destrinchamos em duas partes; primeiro o panfleto Franceses, mais um esforço..., depois, os diálogos. Escolhemos essa abordagem do romance em duas partes devido à sua própria estruturação interna, composta por sete diálogos mais um panfleto, e também por os diálogos e o panfleto tratarem de dois estados diferentes da sociedade: nos diálogos, a sociedade francesa que Sade vislumbrava estar vivendo; no panfleto, a sociedade francesa ideal que deveria emergir se a revolução fosse realmente completada.

4.1 – As Mulheres Na Visão Dos Filósofos Da Ilustração

Não poderíamos deixar de fazer uma breve excursão pelas representações das mulheres no Século das Luzes. A visão dos filósofos é a que a mais nos interessa aqui, a partir da sua identificação podemos melhor avaliar o quanto as representações das mulheres produzidas pelo Marquês de Sade se distinguem ou reproduzem aquelas delineadas pelos primeiros.

No século XVIII europeu, existiram muitas mulheres capacitadas intelectualmente, insatisfeitas com as representações que os homens produziam sobre elas, inconformadas com o seu lugar e destino na sociedade. Na França, quanto mais próximo da Revolução Francesa, e depois desta, é possível observar várias manifestações dessas mulheres; dessas manifestações, uma das mais famosas é a

declaração, que muito emula da Declaração Dos Direitos Do Homem e Do Cidadão

(1789), em tese, reorganizaria toda a sociedade, libertando as mulheres dos grilhões

masculinos, restituindo às mulheres o gozo dos seus direitos naturais, idênticos aos dos homens e que consistem em a “liberdade, a propriedade, a segurança, e sobretudo a resistência a opressão” (GOUGES, 1791, p. 01); direitos usurpados pelo despotismo dos homens ao longo da história.

Olympe de Gouges foi guilhotinada por seus anseios de fazer as mulheres estarem em posição igual a dos homens. Sua cabeça guilhotinada ilustra perfeitamente que as vozes das mulheres ainda estavam distantes de conseguir afirmar os seus interesses; o que não significa passividade absoluta das mulheres, formas de resistência e espaços onde as relações de poder se transfiguram sempre são gestados. No século das Luzes, ou século da corrupção como bradou o Marquês De Sade, são as vozes dos filósofos que predominam na produção de representações sobre as mulheres, “É do ponto de vista do homem filósofo que se institui um duplo discurso do homem sobre o homem e do homem sobre a mulher” (CRAMPE- CASNABET, 1991, p. 373). São os homens quem delineiam o lugar masculino e as suas próprias formas de ser-no-mundo, são eles quem delineiam o lugar das mulheres e as formas ideais de ser mulher; ao menos no mundo das representações, ao qual as práticas nunca correspondem em absoluto.

Essas visões masculinas sobre as mulheres variam a depender do filósofo; um ponto em comum está na maioria desses pensadores sustentarem que a mulher é a metade do gênero humano. Segundo Crampe-Casnabet (1991), essa ideia de metade aparece em um sentido funcional para a mulher; esta é metade diante do homem, sujeito que lhe “confere o fundamento e a permite a sua definição” (ibidem, p. 372); ou seja, a existência da mulher só alcança sentido à medida que o seu lugar no mundo é definido em função da existência do homem, do lugar que este ocupa. Daí podem decorrer as mais diversas representações da mulher, daquelas que visam a igualdade àquelas que legitimam a dominação.

Outro ponto em comum são os lugares onde os filósofos vão ancorar as suas representações sobre as mulheres, quais sejam: a natureza e os costumes. Como vimos no primeiro capítulo, as referências a um mundo metafísico são banidas em prol de explicações de cunho imanente; só existe este mundo, é a partir dele e nele que devemos encontrar as respostas para a compreensão dos fenômenos e das coisas. O que quer que se diga sobre a mulher, deve estar igualmente ancorado neste mundo;

o porquê das mulheres serem desse ou daquele modo, de elas ocuparem determinado lugar no mundo social e determinada posição diante dos homens, passa a ser apontado como desígnio da própria natureza, em um sentido mais abstrato, ou como desígnio do próprio corpo da mulher.

Quando ancorar uma explicação na natureza se torna teoricamente inviável, os filósofos recorrem aos costumes, à civilização ou à cultura; por consequência, o lugar das mulheres no mundo social não estaria estritamente ligado a um desígnio da natureza, sendo antes produto das próprias ações dos homens. São explicações que muitas vezes se mesclam, como poderemos ver. Segundo Crampe-Casnabet (1991), um dos traços mais marcantes dessas explicações está na fragilidade teórica, na ignorância de contradições em relação ao restante das doutrinas iluministas. Em conformidade à perspectiva teórica dessa autora, as funções dessas representações, quando saídas do papel e imprimidas na vida prática, é sempre a legitimação de determinadas relações de poder entre homens e mulheres, implicando, para estas, alguma forma de submissão, violência, opressão.

Continuemos a nossa excursão pelo verbete “mulher” da Enciclopédia de Diderot e d’Alambert, este adorado ícone do iluminismo, indispensável às prateleiras dos homens de letras; nem por isso imune aos desmandos do Antigo Regime francês, passando alguns anos indexado e passeando no submundo das letras. Na Enciclopédia, o verbete “mulher” é abordado por três perspectivas diferentes: antropologia, jurisprudência e moral (Cf. TAMIZARI, 2014, p. 10-22; CRAMPE- CASNABET, 1991, p. 376-380). Na primeira perspectiva, escrita pelo Abade Mallet, são tratados o papel histórico da mulher e a sua compleição física. Fisicamente, em comparação ao homem, a mulher é inferior, seria um “homem falhado”, o seu corpo, especificamente o seu útero, é o centro da imperfeição; historicamente, a mulher teria sido injustiçada, pois a sua compleição inferior não justificaria os grilhões aos quais foi submetida desde a era dos povos antigos – os preconceitos contra as mulheres seriam produto das religiões, costumes e sistemas políticos dos antigos.

Na perspectiva da jurisprudência, desenvolvida por Jaucourt, este autor se põe a discutir a adequação da mulher no tratante a empregos e atividades. A sua conclusão é direta: por conta das “prerrogativas de seu sexo e da força do seu temperamento”, os homens são absolutamente capazes de exercer qualquer função, de executarem qualquer atividade; o mesmo não se dá com a mulher, pois a “fragilidade do seu sexo e sua delicadeza natural” impedem-na de realizar muitas

tarefas, por isso mesmo restritas aos homens, como o serviço militar e os altos cargos eclesiásticos (JAUCOURT apud TAMIZARI, 2014, p. 13). Contudo, nas profissões que lhes são idôneas, como costureira, parteira e comerciante de algumas poucas mercadorias, como linho e cereais, as mulheres poderiam se tornar especialistas; o autor iluminista ainda chega a reconhecer o talento de algumas mulheres no mundo das letras.

No matrimônio, Jaucort considera a mulher como propriedade do marido. O casamento tem por objetivo a conservação e a reprodução da espécie, e nele só um cônjuge pode deter a autoridade. Como a submissão de um dos esposos não pode se fundar no direito natural sem abalar essa doutrina, o autor a ancora nos costumes; e estes revelam, onde quer que sejam buscados entre os povos civilizados, que é mais adequado a mulher estar submetida ao seu marido do que este a ela. Destarte, todas as vezes que uma mulher aceitar se casar, estará, também, aceitando a convenção social que a torna propriedade do seu marido; situação classificada por Crampe- Casnabet (1991) de “servidão domestica voluntária”.

A redação da terceira perspectiva do verbete “mulher”, respeitante à moral, ficou à pena do escritor Desmahis. Segundo este autor, o caráter moral da mulher é ambíguo, confuso, misterioso, e por isso duvidoso. Mesmo quando a mulher está em posse da palavra para definir a si mesma, tal prerrogativa é inútil – a sua discursividade é marcada pelo equívoco. Sua instabilidade a torna ainda mais notória de desconfiança; a mulher pode passar, em um instante, da mais doce e quente sensibilidade à mais gélida indiferença, assim como da discrição mais absoluta à mais extrema falsidade. É por isso que nem o “pensador mais independente, que estudou- lhe melhor [à mulher], acreditando ter resolvido os problemas, só consegue propor novos” (DESMAHIS apud TAMIZARI, 2014, p. 17). A mulher possui algo de incompreensível ao homem, esta é uma percepção que ecoa ao longo dos milênios. Incompreensibilidade, segundo Desmahis, fundada na própria natureza, que legou às mulheres qualidades como a “graça, beleza, delicadeza e emoção”; enquanto isso, os homens receberam “coragem, majestade e razão”. É através das suas qualidades naturais que a mulher deve agir sobre o homem, exatamente por isso a arte suprema da fêmea humana é a coquetaria (CRAMPE-CASNABET, 1991, p. 378-80).

Passemos a outros filósofos ilustres, começando com o autor d’O Espírito das

Leis. Montesquieu afirmava que as mulheres não tinham interesse algum na igualdade

CRAMPE-CASNABET, 1991, p. 373). A mulher seria possuidora de uma sexualidade explosiva, sempre à iminência do desregramento; os seus desejos e paixões seriam irrefreáveis; ao que contribuiriam determinadas condições climáticas, como é o caso das mulheres nascidas em países de clima quente, causador da precocidade da vida sexual. E mais, a razão e a beleza estão, na mulher, em medidas proporcionalmente inversas; ou se é racional e feia ou bela e pueril. Apesar desses traços, Montesquieu acredita que a mulher possa ser melhor administradora do que o homem, não em casa, neste espaço manda o marido, mas no governo de um estado; as mulheres seriam mais ponderadas e moderadas, qualidades fundamentais para o mundo político e nascidas da própria fraqueza dessas criaturas, e que, “mais do que as virtudes duras e ferozes, pode constituir um bom governo” (ibidem, p. 393).

Para além dessas determinações naturais, Montesquieu sustenta que o destino das mulheres também estaria ligado aos tipos de governo. Conforme análise de Reis (2018), no governo monárquico, guiado pelo princípio ético da honra, as mulheres usufruiriam de liberdade e viveriam a buscar o luxo; no governo republicano, guiado pelo espírito da virtude, as mulheres possuiriam uma liberdade ancorada nas leis, entretanto os costumes as fariam prisioneiras e as possibilidades de uma vida luxuosa estariam banidas; por fim, no governo monárquico, regido pelo medo, as mulheres seriam escravas, seres sem vontade própria, tornadas elas mesmas objetos de luxo dos déspotas.

No filósofo de Königsberg, Immanuel Kant, antes de aparecer o carácter específico de homens e mulheres, estes são tratados como “máquinas de reprodução”, antes de tudo é a reprodução da espécie que aparece como necessidade; a questão do caráter surge, depois, como a especificidade que a natureza atribuiria a um e outro sexo para fazê-los unir e reproduzir-se. O caráter feminino acaba sendo atravessado pela fraqueza, em tudo que lhe diz respeito; já o caráter masculino é marcado pela força, “A atribuição de mais ou menos força segundo o sexo de cada um teria uma finalidade: a união física, racional e duradoura entre homens e mulheres para o bem da espécie” (ZIRBEL, 2011, p. 52). Essa determinação natural se reflete na vida social, especialmente no pacto matrimonial, onde as partes não devem ser iguais, mas complementares naquilo que necessitam uma da outra; nesse sentido, o papel do homem, como o ser forte, é proteger a mulher, o ser fraco física, emocional e intelectualmente – é isto que o filósofo chamava de o

surge como o defensor público da mulher, agora legalmente submetida ao marido mas recompensada com “a garantia do bem-estar” (ibidem, p. 55).

O lugar que a natureza teria atribuído à mulher, na perspectiva kantiana, seria fundamental para o processo civilizatório. Nos termos de Kant, querendo a natureza inspirar nos homens “sentimentos mais refinados e que resultam da cultura, isto é, os da sociabilidade e da decência”, deu à mulher a possibilidade de domínio sobre os homens através da “moralidade, da facilidade da palavra e da expressão” (KANT apud ZIRBEL, 2011, p. 53). Como os caminhos para a civilização são muitas vezes tortos e caóticos, com os próprios seres humanos possuindo impulsos antissociais, ao necessitarem de um comportamento mais suave e de fazer cortes para conquistar as mulheres, os homens, o sexo forte, se conteriam o suficiente para o progresso da civilização. Cedendo à inclinação natural que os homens sentem pelas mulheres, estas poderiam domesticar, dominar e civilizá-los.

Crampe-Casnabet (1991) considera o Marquês De Condorcet uma exceção entre os filósofos iluministas, no tratante aos discursos sobre as mulheres. Os escritos desse filósofo sobre educação são um marco na história da educação no Ocidente, e é a partir da educação que ele faz as suas considerações sobre a mulher. Uma das primeiras constatações de Condorcet é que as limitações atribuídas às mulheres são fruto de preconceitos e da educação designada a elas. Em uma sociedade onde as mulheres não estejam privadas dos meios de ascender às Luzes, elas podem se tornar senhoras de uma razão idêntica à dos homens, visto que elas possuem as características essências do gênero humano: são seres sensíveis, passíveis de desenvolver ideias morais e de pensar sobre elas; assim sendo, possuindo “esas mismas cualidades, tienen necesariamente derechos iguales” (CONDORCET apud XAVIER, 2012, p. 32). O pensador ainda afirma que sem a igualdade de direitos não é possível alcançar a felicidade, a paz e a virtude, sobretudo no seio familiar.

Na visão de Condorcet, as mulheres devem ter direito à cidadania plena, nos mesmos termos dos homens, e para isso se suceder elas devem receber a mesma educação dos seus pares, podendo, inclusive, participar da vida política. Contudo, o filósofo mantém a percepção da necessidade de a mulher não abandonar o espaço doméstico; pois “um dos objetivos da instrução feminina era de tornar a mãe uma auxiliar do aprendizado recebido pela criança na escola, principalmente das famílias pobres” (XAVIER, 2012, p. 37). A instrução faria da mulher uma mãe e uma esposa melhor; instruída ela pode educar os seus filhos mais apropriadamente, assim como

ajudar na instrução do próprio marido. Intérprete otimista de Condorcet, Xavier (2012) acredita que, apesar das alusões à necessidade da mulher se manter no lar, o pensamento do filósofo abre espaço para uma emancipação completa.

Denis Diderot, mais um dos grandes enciclopedistas, também deu lugar à mulher na sua produção literária e filosófica, com mais atenção do que vários outros filósofos. Como já ressaltado, a natureza e os costumes são as duas instâncias a partir das quais os filósofos do século XVIII estão se pondo a falar sobre as mulheres; não é diferente com Diderot. Para este, a mulher é duplamente mal-favorecida, pela natureza e pelos costumes. Conforme Tamizari (2014), na visão materialista de Diderot as mulheres são portadoras de uma organização psicofísica problemática, a natureza as formou “seres frágeis, de vida marcada pelos ciclos da reprodução, mais suscetíveis aos sentimentos, com uma maior propensão ao histerismo e ao fanatismo religioso” (TAMIZARI, 2014, p. 19). Essas são desvantagens que os homens saudáveis não sofrem, são também os primeiros fundamentos de uma inferioridade da mulher em relação ao homem.

Uma das fontes dessas desvantagens é o útero, órgão terrível que comandaria toda a vida das mulheres, responsável pelos desequilíbrios e patologias da vida mental e afetiva. Assim, temos que as mulheres se tornam seres da paixão e da emoção, enquanto os homens são representados como seres comandados pelo cérebro, pela razão, soberanos de si tanto quanto a natureza os permite. Como portadoras do órgão da reprodução da espécie, Diderot acaba instituindo a maternidade como o lugar da realização das mulheres, por mais penoso que o processo de gestação seja para elas (Cf. TAMIZARI, 2014).

Ao tratar dos costumes, Diderot conclui que a trajetória da mulher tem sido marcada pela opressão, por injustiças e preconceitos; tanto nas sociedades civilizadas quanto nas sociedades selvagens. Segundo o filósofo,

Em quase todos os países, a crueldade das leis reuniu-se, contra as mulheres, à crueldade da natureza. Elas foram tratadas como crianças imbecis. Não há espécie de vexame que, nos povos civilizados, o homem não possa exercer impunemente contra a mulher. [...] Não há espécie de vexame que o selvagem não exerça contra sua mulher (DIDEROT apud TAMIZARI, 2014, p. 78).

O casamento seria o pacto onde a tirania masculina se exerceria mais radicalmente sobre as mulheres, com a cerimônia matrimonial nada mais sendo do que um ritual onde a coroa do tirano é repassada do pai ou irmão ao marido; é um

momento no qual os laços de submissão são fortalecidos, “condenando as mulheres a uma vida de abandono e desrespeito” (ibidem, p. 83). Apesar disso, o casamento não é descartado.

Segundo Tamizari (2014, p. 83-89), a crítica a algumas instituições e costumes não impede que Diderot crie uma cartilha moral para as mulheres, na qual a virgindade e o adultério são questões centrais. A mulher deveria manter a virgindade até encontrar um parceiro definitivo; a virgindade é tomada como uma virtude feminina, como sinônimo do zelo das mulheres pelos bons costumes. Se a mulher perde a virgindade antes do casamento, sua honra está condenada e ela perderá o valor para si mesma e para a sociedade; uma mulher nesta condição, desonrada e sem qualquer valor, facilmente adentra ao mundo da libertinagem, tornando-se um ser voltado para a “depravação dos costumes”. O adultério é igualmente condenável, e o seu veneno recai imediatamente sobre o casamento, resultando na desvalorização da mulher pelo marido e na desvalorização dos filhos pelo pai, já que este não pode mais ter certeza da paternidade.

Diderot corrobora uma teoria onde a mulher possui uma inferioridade natural em relação ao homem, contudo o filósofo reconhece o papel dos costumes na designação da mulher a um papel subalterno ao seu par, assim como reconhece uma série de abusos do gênero masculino contra o feminino. O enciclopedista “não estabelece uma igualdade entre os sexos, mas que ele defende o respeito ao sexo frágil, aquele que apresenta uma desvantagem em sua constituição psicofisiológica” (ibidem, p. 80). Como apontou Crampe-Casnabet (1991), a mulher no pensamento filosófico da ilustração sempre aparece, em alguns pensadores mais do que em outros, como tendo sua existência definida em razão do homem; nesses termos, é impossível a afirmação de uma igualdade nos termos nos quais foi pensada nos séculos seguintes e o é nos dias atuais.

Por fim, abordemos Jean Jacques Rousseau. Talvez o principal filósofo da ilustração a produzir representações problemáticas sobre as mulheres: através da sua pena se consolidou um ideal de mulher que ainda ecoa na contemporaneidade. Em um dos seus mais importantes livros, Emílio ou da educação (1762), Rousseau delineia o seu ideal de mulher, encarnado na personagem Sofia e destinada ao jovem Emílio. O filósofo genebrino ancora a sua distinção dos papéis de homens e mulheres em determinações da natureza; o resultado é a prisão da mulher ao espaço doméstico, ao lar, aos filhos, ao marido, enquanto ao homem é designado o espaço público,

culminando na vida política. Conforme o livro citado, o objetivo da educação de Emílio é torná-lo um homem pleno, cultivar o seu espírito científico, torná-lo completamente capaz de exercer as tarefas do mundo público; em contrapartida, o objetivo da educação de Sofia é torná-la a mulher perfeita para as suas obrigações do lar, como esposa e mãe – educação que se inicia desde o lar materno, por isso

O que Sofia sabe mais a fundo, e que lhe fizeram aprender com mais cuidado, são os trabalhos de seu sexo, mesmo aqueles de que não se lembram, como cortar e costurar seus vestidos. Não há trabalho de

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