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Mulheres na educação profissional: enfrentamentos e desafios

Letícia Mossate Jobim Márcia Alves da Silva

Várias pesquisas1 vem demonstrando que a tensão ocasionada pela

inserção de mulheres em espaços até então ocupados somente por ho- mens, provocam reações de conflito, resistências e discriminações em diferentes instâncias: educacional, política, social e também familiar. Tais reações são frutos de um longo processo histórico de inferiorização, opres- são e segregação das mulheres, referendadas e legitimadas por construções culturais e discursivas, que foram produzindo homens e mu- lheres a partir de diferentes papéis, tarefas e posições, instituindo-lhes lugares que deveriam, ou não, ser ocupados por um e outro.

A fim de ampliar estas discussões e evidenciar os desafios enfrenta- dos por estas mulheres, este texto busca problematizar a inserção, a partir da década de 80, das primeiras alunas no curso Técnico em Agropecuária, do atual Instituto Federal Farroupilha - campus São Vicente do Sul/RS2,

1 Podemos destacar a pesquisa de LOHMANN. Liliana; VOTRE, J. Sebastião. A inserção acadêmica e esportiva da

primeira turma feminina no colégio militar do Rio de Janeiro. In: Estudos feministas: UFSC. Centro de filosofia

e Ciências Humanas, Centro de Comunicação e Expressão. V.t,n.1-2 (1999)- Florianópolis: UFSC. Também o trabalho de SMITH, D. The everyday world as problematic: a feminist sociology. Toronto: University of Toronto Press, 1987, no qual a autora questiona a forma como o conhecimento sociológico é construído, quase exclusivamente por ho- mens; e o de Andrea Moraes e Patricia Silveira: Na academia. In: Explosão feminista: arte, cultura, política e universidade. Heloísa Buarque de Holanda. 1ªed. São Paulo. Cia das Letras, 2018.

2 O Instituto Federal Farroupilha- Câmpus São Vicente do Sul/RS, foi fundado em 17 de novembro de 1954, primei-

ramente como Escola de Iniciação Agrícola General Vargas. Em 25 de janeiro de 1968, foi transferido para a Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, sob a denominação de Colégio Agrícola. A primeira turma de Técnicos Agrícolas, formada pela Instituição, foi composta por 24 alunos, no ano de 1973. Em 1976, o Curso Técnico Agrícola

cujo público, desde a sua criação no ano de 1954, foi majoritariamente masculino.

A problematização é feita a partir de frases ditas - para e sobre - as meninas que ingressaram neste curso, e, retiradas de entrevistas realiza- das no ano de 2015, com as ex-alunas que foram possíveis de serem contatadas.

Nas análises buscamos evidenciar, nas frases naturalizadas, os histó- ricos de preconceito e discriminação que foram fortalecidos por diversos discursos (dentre eles o científico), aos quais as mulheres foram submeti- das ao longo da vida.

Ciência e educação androcêntricas

Ao realizar um estudo sobre a construção histórica do corpo femi- nino, Ana Maria Colling (2014) foi evidenciando os discursos misóginos nos quais as mulheres foram submetidas em diferentes momentos da His- tória, produzindo ‘verdades’ sobre o feminino e reforçando uma suposta supremacia masculina. Tais discursos, foram definindo espaços que ho- mens e mulheres deveriam ocupar na sociedade, colaborando para que a diferença entre os sexos se transformasse em paradoxos de desigualdades:

A mulher verá crescer sua identidade em discursos que ela não formulou,

caminhará com a palavra emprestada, como uma estrangeira; definindo- se em uma linguagem feita por outro, em uma trama de razões que outros pensaram” (COLLING, 2014, p.15).

A autora mostra que a inferiorização da mulher é muito antiga, ori- ginada no pensamento grego, tendo continuidade no discurso religioso e posteriormente, respaldada pelos discursos médicos, psiquiátricos e

passou a denominar-se Curso Técnico em Agropecuária, oferecido de forma subsequente ao ensino médio. A Lei 8.731, de 16 de novembro de 1993, transformou as Escolas Agrotécnicas Federais em Autarquias Federais, dando- lhes autonomia administrativa, patrimonial, financeira e disciplinar. Em novembro de 2002, a Escola Agrotécnica foi credenciada como Centro Federal de Educação Tecnológica - CEFET, passando à denominação de Centro Federal de Educação Tecnológica de São Vicente do Sul – CEFET/SVS. A mudança do antigo CEFET/SVS ocorreu em 29 de dezembro de 2008, com o reordenamento da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica – RFEPCT, transformando-o em Instituto Federal (DONADEL, 2010).

psicanalíticos. No decorrer de suas análises, vai evidenciando que a revo- lução científica não serviu para demonstrar a falsidade dos argumentos filosóficos e religiosos sobre a inferioridade das mulheres. Discursos mé- dicos e psiquiátricos, também respaldaram as antigas tradições sobre as mulheres com novos conhecimentos “científicos”. A menstruação, a gravi- dez e o parto, são os aspectos priorizados na definição e no diagnóstico das doenças mentais que as afetavam. No sexo feminino o diagnóstico concen- trava-se na esfera da sua natureza e da sexualidade, enquanto no sexo masculino, os motivos eram relacionados ao trabalho e a política. (COLLING, 2014)

Ao refletir sobre a ciência, Latour (1994) aponta que, a partir da in- venção do humanismo, da irrupção da ciência, da laicização da sociedade e mecanização do mundo, acredita-se numa prática de ‘purificação’ do hu- mano. A ciência irrompe supostamente livre de subjetividades, livre da fé, separada da natureza e da política; surge como possibilidade de controle sobre a natureza, situada nos domínios da certeza; é segura, objetiva e fria; está assentada em um conjunto de fatos isentos de qualquer valor ou jul- gamento de valor, sem ligações com a política e sociedade; limitada aos fatos e sem discussão dos mesmos.

Ao mesmo tempo que caracteriza a modernidade, Latour (1994) vai colocando em dúvida sua real possibilidade de existência, ao trazer exem- plos carregados de transcendência e imanência, no qual o mundo dito moderno, vive uma mistura híbrida entre os fatos naturalizados, o poder sociologizado e os efeitos da verdade. O autor, provoca-nos a pensar sobre como a visão cristalizada da ciência e a possível crença na sua objetividade e isenção, na sua pureza ao produzir ‘verdades’ sobre os objetos de pes- quisa, pode produzir resultados enviesados e contribuir para a perpetuação de assimetrias.

Tais provocações possibilitam uma reflexão sobre as relações de gê- nero - cuja assimetria, também foi legitimada pela ciência, tendo em vista o androcentrismo que por muito tempo condicionou as produções cientí- ficas. A ciência, que adquiriu status de verdade absoluta e, de neutralidade,

foi feita por homens brancos, ocidentais e de classe dominante. Boaven- tura (2000), também caracteriza a ciência moderna como sexista, ao dizer que “o falso (e hegemônico) universalismo da sua racionalidade cognitivo- instrumental se presta particularmente a transformar experiências domi- nantes (experiências de uma classe, gênero, sexo, raça ou etnia dominante) em experiências universais (verdades objetivas)” (p.88).

Ao analisarmos historicamente o fazer científico, percebemos o pro- cesso de exclusão das mulheres no decorrer de todo processo de pesquisa. Por muito tempo, coube aos homens fazerem perguntas que consideras- sem importantes e de interesse geral e, da mesma forma, produziram respostas abrangentes e consideradas universais. Daí a importância de questionarmos: “Como o conhecimento adquiriu gênero e como pode ser desprovido de gênero? Como devem os conceitos de verdade, racionalidade, objetividade, certeza, etc. ser repensados de modo a livrá-los da mácula do masculinismo?” (LONGINO, 2012, p. 513). Perguntas com esta, que desa-

fiam a ciência hegemônica, produzindo fissuras e incertezas no conhecimento científico (considerado até então, sólido e imutável), são ne- cessárias para colocar em cheque os conhecimentos considerados assentados e indiscutíveis. De acordo com Bachelard (1996, p.18), “se não há pergunta não pode haver conhecimento científico. Nada é evidente. Nada é gratuito. Tudo é construído e transformado”.

Entende-se, que seja neste sentido que o autor diz que toda cultura científica deve ser colocada em estado de mobilização permanente, que de- vemos refletir sobre os espaços de configuração e de construção do pensamento científico, permitindo assim, uma melhor apreensão e com- preensão dos fatos. Segundo ele, o conhecimento que não é apresentado junto com as condições de sua determinação precisa, não é conhecimento científico. Ruth Berman (1997, p. 248) referenda:

[...] quando a ciência de uma sociedade é reconhecida como expressão da sua ideologia, o repetido ressurgimento em nossa mídia de hipóteses biológicas deterministas [...] não constitui mais um fenômeno misterioso ou

aberrante. Representa a maneira de pensar necessária à preservação de uma sociedade baseada na hegemonia de uma elite.

Deste modo, revisitar e questionar a ciência e o conhecimento produ- zido por ela é ação fundamental para que o androcentrismo hegemônico seja superado. Produzir uma visão de mundo que inclua as mulheres, que resgatem a contribuição ou denunciem o silenciamento que as mulheres foram submetidas em diversos campos, certamente afetarão os fenômenos analisados, possibilitando, assim, tecer novas epistemologias e produzir um conhecimento mais dialético, dinâmico, plural e descolonial.

No âmbito educacional, a intensa produção discursiva que legitimou sua inferioridade, por muito tempo foi negado à mulher o acesso ao co- nhecimento e o direito à educação formal. Quando lhe era concedida, era de forma controlada e limitada. Conforme Carla Bonfim (2009), somente após o advento da República no final do século XIX, e o anseio pela moder- nização do país, a educação passa a ser vista como instrumento para se construir uma sociedade civilizada.

A Lei de 18273, que estabelecia as escolas de primeiras letras em todas as cida-

des, vilas e lugarejos mais populosos do Império, não se mostrava eficaz, e a maioria da população brasileira não tinha acesso à educação. As poucas escolas existentes recebiam mais meninos do que meninas. Funcionavam em casas decentes e ensinavam a ler, a escrever, a contar e a resolver as quatro opera- ções matemáticas. Porém, cumpridos esses primeiros ensinamentos, os meninos passavam a se aprofundar em noções de geometria, enquanto as me- ninas iam praticar o bordado e a costura. Vale dizer, ainda, que as aulas de geometria eram ministradas por homens, que recebiam um salário maior do que o das professoras de bordado e costura. (BONFIM, 2009, p.58)

Rocha (2009) aponta que a partir do séc. XIX, a educação passou a ser vista como indispensável para o aprimoramento social, e a sociedade tomou consciência da importância do papel materno na educação infantil

3A Lei de 1827 representa um marco na história da educação da mulher, pois reconhece o direito de instrução femi-

nina, embora permitisse o ingresso somente nas escolas oficiais de “primeiras letras”, reservando os níveis mais altos (liceus, ginásios e academias) para os homens.

e a formação da mulher passou a ser considerada fundamental para o aperfeiçoamento físico e moral das futuras gerações.

As jovens bem educadas eram mais atraentes como futuras esposas, compe- tindo em pé de igualdade com os bens materiais oferecidos. Essa preocupação com a educação feminina devia-se ao fato de as mulheres serem reconhecidas como “pouco racionais”, não podendo ser responsáveis por seus atos; por- tanto, o melhor a fazer era dar-lhes esmerada educação para que cumprissem sua principal função: a maternidade. (ROCHA, 2009, p.53)

As profissões das mulheres, em sua maioria, tornaram-se uma exten- são do lar: secretárias, professoras, enfermeiras, decoradoras, cabelereiras, costureiras, etc.

Desta forma, a divisão social do trabalho também foi pautado por es- tes discursos que eram usados para justificar a valorização de um determinado trabalho em detrimento do outro. Conforme Kergoat (2009), a divisão sexual do trabalho reservou para os homens uma esfera produ- tiva e valorizada pela sociedade, enquanto às mulheres coube a esfera reprodutiva: “Essa forma de divisão do trabalho surgiu a partir de dois princípios organizadores: o da separação (existem trabalhos de homens e outros de mulheres) e o da hierarquização (o trabalho do homem ‘vale mais do que o de uma mulher)” (KERGOAT, 2009, p. 67).

Essa cultura sexista e sexualizada refletiu-se também nas escolas que passaram a oferecer uma educação diferenciada e separada para meninos e meninas. Em estudos realizados por Colling e Tedeschi (2015, p. 644) sobre a década de 1960, “enquanto homens cursavam matérias que lhes poderiam render um processo seletivo vantajoso nas universidades, às me- ninas recebiam além do português, matemática, ciências e didática, cursavam também puericultura, bordado, canto, etc.”.

Percebe-se, nesse processo educativo que, por muito tempo, ficou re- servado às mulheres o conhecimento mínimo necessário para tornar-se uma boa esposa e mãe. A partir do entendimento de que o destino natural da mulher era o de ser mãe, foi se construindo a ideia de que a educação constituía o espaço da mulher, ou seja, o magistério é reconhecido como

uma “extensão da maternidade”. A escola passa a ser vista como um es- paço em que a mulher dará continuidade ao cuidado e à educação das crianças, tornando-se então, um lugar onde ela poderia exercer suas ca- racterísticas “naturais” como a paciência, o amor, a afetividade e a doação. Sobre as mulheres na educação profissional

No que diz respeito à educação profissional, conforme Carla Bonfim (2009),

As informações acerca da participação feminina na Educação Profissional em ní- vel médio são praticamente inexistentes, sobretudo no que concerne às primeiras décadas do século XX. Num estudo realizado pelo Ministério do Tra- balho sobre a Formação Profissional da Mulher Trabalhadora no Brasil, em 1976, consta a informação de que, até 1930, as mulheres se concentravam em certos ramos do ensino menos valorizados socialmente. (BONFIM, 2009, p. 68) De acordo com a autora, não foram encontrados dados numéricos sobre a presença da mulher na Educação Profissional durante a década de 1940. Barroso (1982) afirma que até 1970 muitos dados sobre a educação brasileira simplesmente não foram processados levando-se em conta a va- riável sexo. Somente a partir de 2001, a Diretoria de Estatísticas da Educação Básica (DEEB), responsável pela coordenação do Censo Escolar, vem coletando dados da Educação Profissional técnica de nível médio, em um bloco específico para essa modalidade.

Em busca por dados mais recentes no site do INEP, podemos verifi- car que até 2003 predominavam na educação profissional estudantes do sexo masculino. Nos anos de 2004, 2005 e 2006, porém, a quantidade de mulheres foi maior do que a de homens. Nas áreas profissionais de Saúde, Gestão, Artes, Comunicação, Desenvolvimento Social e Lazer e Turismo e

Hospitalidade também predominam as mulheres. Em outras áreas, nota- damente na Indústria e Agropecuária, a grande maioria são homens4.

Percebemos que a ‘generificação’ das profissões é histórica e que ainda hoje há muita dificuldade em desvincular as mulheres dos lugares que lhes foram historicamente instituídos5. As instituições educacionais, seus conhe-

cimentos e suas normas ainda estão atravessadas por representações do feminino e masculino, ao mesmo tempo em que estão centralmente implica- das em sua produção, manutenção ou ressignificação.

A história mostra que por muito tempo o espaço delegado à mulher foi o lar. Toda mulher que ousou negar o lar como único espaço possível para si enfrentou muitas resistências.

Fortino (2009), ao problematizar os impasses da ‘coexistência dos sexos’6 na escola, bem como no trabalho, movimentos sociais, etc., afirma

que há uma evolução relativa das relações entre homens e mulheres que pode ser resumida da seguinte forma: “onde termina a exclusão começa a discriminação” (p. 46). As mudanças e o desequilíbrio nos espaços de po-

der e de dominação masculina, vão provocar respostas sociais diferentes. Ao analisarmos algumas falas ditas para e sobre as meninas queou- saram ‘invadir’ espaços secularmente considerados masculinos, percebemos que velhos discursos foram acionados, a fim de justificar a exclusão das alunas de determinadas atividades ou também para respon- sabilizá-las por estas. Conforme diz Bachelard (1996): “mesmo no novo

homem, permanecem vestígios do homem velho7. Em nós, o séc. XVIII pros-

segue sua vida latente, infelizmente pode até voltar” (p.10).

Podemos perceber que tais vestígios ressurgem em discursos que pa- reciam estar desgastados e já superados, mas, como veremos a seguir, ainda conservam pontos de permanência.

4INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Sinopse Estatística da

Educação Básica 2016. Brasília: INEP, 2017. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/sinposes-estatísticas-da-educa- ção-básica. Acesso em: 20/11/2017.

5 Exemplo disso na atualidade, é o espaço recente conquistado na mídia pelas jogadoras de futebol da seleção brasi-

leira feminina, trazendo ao conhecimento do público suas histórias de resistência e enfrentamentos do preconceito.

6 Termo que apresenta divergências entre diferentes autoras.

“Essa vai lá só pra pegar barriga”8: o corpo biológico como fator de exclusão

A frase “Essa vai lá só pra pegar barriga”, conforme depoimento de

uma das entrevistadas, era dita pelo pessoal da cidade, quando ficavam sabendo que alguma menina ia estudar na escola Agrotécnica. Como pode ser percebido, as diferenças biológicas, fisiológicas e anatômicas entre mu- lheres e homens, frequentemente são acionadas para justificar a exclusão e discriminação das mulheres em diferentes espaços e profissões. A possí- vel maternidade é utilizada como uma justificativa para excluí-las de lugares, de direitos9 e de oportunidades, sendo que o mesmo não ocorre

com a paternidade, para os homens.

É neste sentido que Colling (2014) diz que os valores tidos como ine- rentes à natureza feminina, tais como “aptas para a maternidade” e para a reprodução, foram fixando-as a lugares e posições sociais específicas, e legitimando sua sujeição e exclusão do mundo do pensamento e do conhe- cimento.

Conforme Lagarde (2005),a sexualidade é um complexo cultural que possibilita (ou não) o acesso a saberes, linguagens, conhecimentos e cren- ças específicas; impõe destinos aos sujeitos, pois está incorporada na sociedade e nas culturas, na organização das relações sociais, econômicas e políticas, sendo decisiva do lugar que homens e mulheres ocupam no mundo e de suas possibilidades de experiências e posições de poder:

Tener una u otra definición genérica implica para los seres humanos, ocupar un lugar en el mundo y, aún ahora,tener un destino más o menos previsible. Independentiemente de la voluntad, la adscripción genérica ubica: es una forma de integración en la jerarquía social, y es uno de sus critérios de

8 Trecho de depoimento de uma ex aluna entrevistada em 2015, que ingressou no referido Instituto em 1989. 9 Um exemplo atual é a fala do atual Presidente da República quando disse que “mulher tem que ganhar menos

porque engravida” In: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/bolsonaro-diz-que-mulher-deve-ga- nhar-salario-menor-porque-engravida/ Acesso em: 03/09/2019

reproducción; significa también, tener e ejercer poder sobre otros, o no tener siquiera, poder sobre la propia existencia. (p.184-185)

De acordo com a autora, a centralidade do corpo e da sexualidade feminina fazem das mulheres estranhos entes naturais que vivem em so- ciedade. Ainda estão atreladas social, política e culturalmente a sua natureza biológica e não as suas competências e habilidades específicas, fazendo com que seu sexo, lhes delimite oportunidades e dificulte o acesso ao trabalho e a determinadas profissões.

Por ter sido, desde muito tempo, tratada e considerada como um corpo-para-outros, tendo como função primordial à humanidade- a repro- dução- a mulher ficou aprisionada ao seu corpo biológico. Enxergá-las com novas lentes, vê-las por suas capacidades e não somente por suas caracte- rísticas biológicas, sexuais e reprodutivas ainda é uma barreira a ser derrubada.

Lagarde (2005) caracteriza a relação mulher-natureza um dos fun- damentos dos cativeiro10 das mulheres, caracterizado por concepções

apreendidas socialmente tais como: a mulher é parte da natureza e com- partilha suas qualidades com outros seres da natureza; a mulher, diferentemente do homem, não modifica a natureza, e sim atua e existe ao cumprir suas leis: ser mulher implica ser natureza. Como o homem tem poder de transformá-la, fica subentendido seu poder sobre a mulher.

Entretanto, sabemos que a relação mulher-natureza, embora ainda seja acionada como uma explicação lógica, vem sendo desnaturalizada há tempos por cientistas e movimentos feministas, que vêm pautando que a desigualdade não é natural e sim o resultado de uma trama de relações sociais e de estruturas de poder. E que, por trás de uma justificativa que não se sustenta mais, como a que ouvimos ‘vai lá pegar barriga, existem

outros fatores que vem assombrando o mundo masculino, como o desalo- jamento das hierarquias. A supremacia masculina vem se fragilizando,

10A autora caracteriza como cativeiros, as diferentes formas de opressão e falta de liberdade enfrentadas pelas mu-

devido as liberdades que tem sido conquistadas pelas mulheres, seja no campo educacional, econômico, sexual e também reprodutivo.

A igualdade entre os gêneros assusta, desacomoda e desestabiliza os homens, fazendo-os sair de sua zona de conforto. Sua soberania está em risco, e para que o seu status quo seja mantido, as mulheres são submeti-

das a diferentes situações: inferiorização, humilhação, desmoralização, chegando até a violência física.

O fato delas resistirem a essas reações e não intimidarem-se com os ditames androcêntricos, abriu caminhos para que outras mulheres pudes- sem fazer suas escolhas profissionais, desvinculadas daquilo que lhes era