DIMENSÕES
4. Discussão
4.1. Sobre o Impacto
4.1.5. Mulheres que tentaram abortar
No Brasil, o auto-aborto ou aborto consentido é crime previsto em lei (artigo. 124, 1ª e 2ª partes, do CP);
entretanto, 15,5% das mulheres entrevistadas afirmaram ter tentado, sem sucesso, realizar um aborto, taxa essa parecida com os estudos de Hardly et al (1991), 13,7% ; Costa, (1995), 16%; e Osis (1996), 16,7%.
Quadro 8 – Parâmetros na literatura sobre tentativa de aborto
Autor /Ano/ Local Desenho do Estudo Parâmetros Encontrados
Soranz & Giovanella (2008), Rio de Janeiro/RJ, Brasil
Inquérito domiciliar com 388 mulheres entre
15 e 49 anos 15,5% das mulheres tentaram abortar
um de seus três últimos filhos nascidos vivos
Hardly et al (1991), São
Paulo/SP, Brasil Estimativas 13,7% das alunas e funcionárias de
uma universidade de São Paulo tentaram abortar
Costa (1995), Rio de
Janeiro/RJ, Brasil Aplicação de 2.924 questionários em uma
universidade paulista 16,0% tentaram utilizar algum
método abortivo pelo menos uma vez Osis (1996), São
Paulo/SP, Brasil Entrevistas domiciliares com 1.955 mulheres
em uma região do estado do São Paulo 16,7% disseram que, pelo menos uma vez, tomaram chá ou remédio para induzir o aborto.
Palavras-chave utilizadas na busca: tentativa de abortar.
Quanto aos métodos relatados, todos estavam ligados ao auto-aborto; o Misoprostol conhecido pelas entrevistadas como cytotec® foi o abortivo mais utilizado nessas tentativas. Outros métodos foram relatados: ingestão de chá de ervas, chá de cravo, comprimidos, buchinha do norte, coca-cola® com melhoral®, grãos de café e outros remédios caseiros.
- 69 - 4.1.6. Número de abortos provocados entre as gestações referidas ao longo da vida reprodutiva
As mulheres foram ainda perguntadas em relação à efetivação do aborto. Dessa forma, o estudo cumpriu todo o ciclo: (i) pensou em abortar; (ii) tentou abortar; (iii) realizou o aborto (perda da gestação).
Segundo a Federação Internacional de Planejamento Familiar (2006), o Ministério da Saúde estima que 31% de todas as gravidezes terminem em abortamento. Isso corresponde a cerca de 1,4 milhões de abortos por ano, sendo a maioria deles clandestinos, ou seja, aproximadamente 3.820 abortos por dia no país.
Osis (1996) demonstrou que as mulheres tendem a omitir a informação sobre a prática de aborto quando perguntadas diretamente, como no caso das pesquisas estudadas, podendo essa prevalência estar subestimada.
Nesta pesquisa, a prevalência de abortamento foi de 18,2%, distribuídos em 10,5% de abortamentos espontâneos e 7,7% de abortamentos provocados, valor próximo a outros estudos nacionais (Olinto, 2006;
Carvalho, 2006; Torres, 2003).
Sedgh (2007), em um estudo que compara as taxas de abortamento entre as mulheres com 15 a 44 anos no mundo, relata que, na Europa Ocidental, foram observadas taxas de 1,1% de abortamentos provocados e, na Europa Oriental, de, 9,0%. Na maioria dos países da Europa Ocidental, o aborto não é considerado crime, sendo permitido com certas restrições.
Olinto (2006), utilizando um estudo de base populacional, relata que, entre as adolescentes, os principais preditores para o desfecho “aborto provocado” foram: pertencer a famílias de baixa renda, ter baixa escolaridade e alta evasão escolar. Para as mulheres de 20 a 49 anos de idade, não houve diferença socioeconômica.
Segundo Torres (2003) e Stanley (1999), a taxa de aborto induzido é bastante sensível à adoção de políticas de planejamento familiar e a um melhor acesso a métodos anticoncepcionais. Durante os últimos anos, o país que alcançou a maior redução da taxa de abortos na América Latina foi Cuba, passando de 4,5%, em 1990, para 2,1%, em 2000, isso é, reduziu praticamente à metade a taxa em uma década, após um forte incremento no planejamento familiar.
Para Frejka (1985), as mulheres altamente motivadas a controlar a fecundidade recorrerão tanto ao aborto como à contracepção. No Chile, onde o aborto é ilegal, Molina (2005) demonstrou a relação positiva entre um programa de planejamento familiar efetivo e a redução de gravidezes indesejadas e abortos induzidos em comunidades de baixo nível socioeconômico e cultural, reduzindo inclusive a mortalidade materna por abortos inseguros.
Quadro 9 – Parâmetros na literatura sobre abortos provocados
Autor / Ano / Local Desenho do Estudo Parâmetros Encontrados
Soranz & Giovanella (2008), Rio de Janeiro/RJ, Brasil
Inquérito domiciliar com 388 mulheres entre
15 e 49 anos 7,7% das mulheres realizaram aborto
entre as gestações referidas.
Sedgh (2007), England Taxa mundial de aborto, África / Europa / América do Norte / Ásia /América do Sul (estimativas)
2,9% / 2,8% / 2,1% / 3,1% / 4,2
Olinto (2006),
Pelotas/RS, Brasil Incidência total de abortos induzidos, (165/
3.002) 5,4 %.
Silva (2001), São
Paulo/SP Incidência de abortos por 100 mulheres
(65/877) 7,4%
Carvalho (2006),
Londrina/PR Prevalência de abortos provocados 7,7%
Torres (2003), Cuba Incidência de abortos induzidos 1990 / 2001, Anuário Estatístico de Salud, 2001
7,8% / 4,9%
Hardy (1993), São
Paulo, SP Incidência de abortos entre as funcionárias (259/1.992) e as alunas (85/937) da Universidade do Estado de São Paulo
9% das alunas e 13% das funcionárias declararam ter tido pelo menos um aborto provocado
Hardy (1991), São
Paulo, SP Incidência de abortos provocados em (264/1987) funcionárias da Universidade de São Paulo
13,7%
Fonseca (1996),
Fortaleza, CE Entre 4.359 mulheres internadas por aborto, 2.084 relataram aborto provocado. 48%
Palavra-chave utilizadas na busca: abortos provocados.
Nota: Segundo (Osis, Hardy e Faúndes, 1996), as pesquisas realizadas a respeito do aborto clandestino não têm metodologia de aceitação unânime. A situação de ilegalidade do procedimento pode determinar a falta de confiabilidade nos dados coletados.
Impressiona notar o número absoluto, estimado, de abortamento ao longo da vida reprodutiva nas duas comunidades, totalizando 413 casos, em Mandela de Pedra, e 155 casos, no Parque Oswaldo Cruz, e a marcante diferença entre as duas.
Outro indicador comumente construído para as taxas de abortamento é a taxa de abortos provocados em relação ao total de abortamentos. Nesse caso, encontra-se uma razão de 0,42 (Tabela 31).
Tabela 31 - Número de abortos espontâneos, abortos provocados e total de gestações ao longo da vida reprodutiva, Mandela de Pedra e Parque Oswaldo Cruz, Manguinhos, Rio de Janeiro, 2007
Variáveis Mandela POC Total
No de abortos espontâneos (a) 413 155 568
No de abortos provocados (b) 356 63 419
No de gestações (c) 3.936 1.491 5.427
(%) (%) (%)
No de abortos espontâneos (a) / No de gestações (c) 10,5 10,4 10,5
No de abortos provocados (b) / No de gestações (c) 9,0 4,2 7,7
Razão do no de abortos provocados (b) /
no de abortos espontâneos (a) 0,463 0,289 0,425
Fonte: Trabalho de campo, Manguinhos, Rio de Janeiro, no período de julho a setembro de 2007.
- 71 - Considerando a estimativa da razão do número de abortos provocados sobre o número de abortos espontâneo de 0,425, pode-se sugerir que, no ano de 2007, no Rio de Janeiro, do total de 6.920 curetagens pós-aborto realizadas pelo SUS, 0,425 (2.941) ocorreram devido a abortos provocados, ou seja, uma média de oito por dia. Como nem todos os abortos obrigatoriamente geram a necessidade de curetagens, pode-se afirmar que os abortos provocados por dia, no município do Rio de Janeiro, devem ser ainda maiores (Tabela 32).
Utilizando-se, então, a taxa de abortamento provocado pelo total de gestações apresentadas pelo inquérito para os aglomerados subnormais, de 7,7%, estima-se que mensalmente, no mínimo, 325 mulheres realizem abortos à margem da legislação (Tabela 32).
Tabela 32 – Número de partos, curetagens pós-aborto e estimativas de gestações e abortos realizadas pelo SUS, Município do Rio de Janeiro, 2007
Variáveis Valores
Média mensal
Média diária
No de partos (a) 43.774 3.648 120
No de curetagens pós-aborto (b) 6.920 577 19
No de gestações (c) = (a)+(b) 50.694 4.225 139
(%) de curetagens sobre o total de gestações
(d)=(b)/(c) 13,5% - -
Estimativas (*)
Total de abortos [ (c) * 0,182 ] 9.226 769 25
Total de abortos espontâneos [ (c) * 0,105 ] 5.323 444 15
Total de abortos provocados [ (c) * 0,077 ] 3.903 325 11
No de curetagens realizadas devido a abortos espontâneos [
(b) * 0,575 ] 3.979 332 11
No de curetagens realizadas devido a abortos provocados [
(b) * 0,425 ] 2.941 245 8
Fonte: SIA-SUS, 2007 e estimativas do trabalho de campo, Manguinhos, Rio de Janeiro, no período de julho a setembro de 2007.
(*) Estimativas extraídas do trabalho de campo, que auxiliaram na projeção dos valores do município do Rio de Janeiro.
Médici (1995) afirma que os abortos, já em 1991, eram a sexta causa mais prevalente de internação na rede SUS, implicando em custos vultosos para o sistema público de saúde.