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O multiculturalismo promotor da diversidade nas sociedades plurais e o desenvolvimento sustentável

desenvolvimento social e sustentável das sociedades plurais

3 O multiculturalismo promotor da diversidade nas sociedades plurais e o desenvolvimento sustentável

O que se pretende neste capítulo é desenvolver as categorias da multiculturalidade e do desenvolvimento social sustentável, em uma sociedade plural. O multiculturalismo ou o pluralismo cultural é caracterizado pela diversidade de culturas em uma mesma região. O multiculturalismo é fomentado pela globalização e presente na sociedade pós-moderna. O multiculturalismo e o pluralismo são concepções bastante próximas; no entanto, entende-se que o pluralismo possua tem uma forma mais genérica, pois abrange culturas, ideologias, políticas, enquanto o multiculturalismo está mais relacionado com a cultura propriamente dita.

Em relação à sociedade plural, esta reflete o quadro da multiculturalidade da humanidade, isto é, quando as culturas entram em contato estabelecem relações de poder e de dominação, sendo o grande desafio do multiculturalismo

18 WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico. In: BARRETO, Vicente de Paulo

reestabelecer a harmonia entre o respeito à identidade cultural, à necessidade de convivência e do reconhecimento da diversidade cultural entre si.19

A multiculturalidade, portanto, busca o diálogo entre as diferentes culturas, não representando ameaça de qualquer natureza às tradições, na realidade é um meio de estabelecer a convivência ordenada entre as culturas. Nas palavras de Medeiros,

[...] o multiculturalismo surge como possibilidade de reação à mundialização e ao processo de individualização desmensurada dos sujeitos. A incapacidade de enxergar o outro em suas especificidades e simbologias impossibilita o diálogo e vem revelando a fragilidade do ser humano, o que deixa cada vez mais longínqua a solução para a harmonização das diferenças culturais e abre caminho para fundamentalismos de qualquer sorte. 20

O movimento de multiculturalismo ou multiculturalidade promove um olhar sob outra perspectiva em face do diferente, isto é, olha-se o Outro não como algo estranho, mas busca-se a identificação com o Outro. Essa condição se dá por meio da ética. “O cenário ético permite a abertura ao diálogo, o reconhecimento da imperfeição alheia, a busca por novos modos de pensar e agir diante do Outro, consolida novas dimensões políticas, estéticas, jurídicas, econômicas, sociais, entre outros”.21

19 GOERGEN, Pedro. Formação humana e sociedades plurais. Revista Espaço

Pedagógico, Passo Fundo, v. 21, n. 1, jan./jun. 2014. Disponível em:

www.upf.br/seer/index.php/rep. Acesso em: 15 jul. 2018.

20 MEDEIROS, Ana Letícia Barauna Duarte. Multiculturalismo. In: BARRETO, Vicente de

Paulo (coord.). Dicionário de filosofia do direito. São Leopoldo: Ed. da Unisinos, 2009. p. 588.

21 AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. O direito em busca de sua humanidade:

Outro encargo do multiculturalismo é minimizar as tensões entre a dominação que certas culturas têm sobre outras, nesse aspecto o multiculturalismo é entendido como um movimento de ideias de relevância singular. O multiculturalismo retoma a ideia da proteção e o reconhecimento das tradições culturais, pois não basta apenas a compreensão do diferente, mas o reconhecimento da presença dessas diferentes culturas nas sociedades plurais, como um requisito basilar para a liberdade do indivíduo e suas possibilidades de desenvolvimento pleno.22

Além disso, quando se busca a compreensão do outro em meio à cultura, reconhece-se os conteúdos materiais oriundos de lugares distintos, isto é, “a convivência intercultural só possibilita a “dialogicidade”, a partir do momento em que se interpreta o outro em seu lugar cultural”,23 portanto, a busca por

reconhecimento do outro demanda certo deslocamento, não necessariamente físico, mas uma construção social de estar no lugar do outro.

Em que pese a globalização ter impulsionado, a nosso ver, o multiculturalismo, isto é, o encontro de diferentes culturas em uma mesma região, ela também conduz a significativas desigualdades, que precisam ser reparadas; contudo, para sua concretização, carecem de um multiculturalismo emancipatório.

Coexistir pluralmente não se traduz um discurso meramente retórico, [...], mas também consiste em compartilhar de projetos alternativos à totalidade hegemônica opressora, concretizando o diálogo

22 OLIVEIRA JUNIOR, José Alcebíades de. Multiculturalismo. In: BARRETO, Vicente de

Paulo (coord.) Dicionário de filosofia política. São Leopoldo: Ed. da Unisinos, 2010. p. 362-363.

intercultural através do reconhecimento materialmente igualitário das culturas marginalizadas. Nesta perspectiva, a construção de um multiculturalismo emancipatório exige transformações conjuntas por meio de políticas de Estado e de práticas sociais, orientados democraticamente pelo reconhecimento recíproco entre culturas e identidades diversificadas.24

À vista disso, Maffesoli aponta que “se existe uma lei universal que rege o gênero humano, é que não se é aquele que se vê no espelho, mas, sim, aquele que se reconhece no olhar do Outro. É a alteridade que me faz existir”.25 A Idade Moderna foi

caracterizada pela tentativa de transformar o ser humano em algo próximo da perfeição racional; as manifestações humanas se desenvolveram com base em dualismo e pelo individualismo. Essa deificação do homem, próprio da Idade Moderna, no contexto atual essas condutas evidenciam o descompromisso e distanciamento em relação ao Outro.26

A alteridade que é a capacidade de se reconhecer no Outro é o que impulsiona a sociedade plural e promove o desenvolvimento da mesma, além de estabelecer relações saudáveis de solidariedade. A “preocupação da solidariedade social, desejo de ajustar-se à natureza, tais são as constatações, observáveis no dia a dia, que caracterizam o viver-junto contemporâneo”.27 É algo que a pós-modernidade procura

24 Ibidem, p. 592.

25 MAFFESOLI, Michel. Homo eroticus: comunhões emocionais. São Paulo: Forense

universitária, 2014. p. 105.

26 AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Rumo ao desconhecido: inquietações

filosóficas e sociológicas sobre o direito na pós-modernidade. Itajaí: Universidade do Vale do Itajaí, 2011. p. 19.

fomentar com o intuito de, além de estreitar as relações sociais, também afastar a falta de diversidade negada na modernidade.28

A modernidade, com a deificação do homem, tirou a sensibilidade do ser humano, transformando-o em um ser racional e usurpado de sentimentos em relação ao Outro. Contudo, a pós- modernidade, ao retomar o conceito de sensibilidade a partir do reconhecimento do Outro, procura estreitar as relações sociais entre os homens. Razão pela qual

quando o homem toma consciência do ser sensível que é, acaba por aceder à humanidade, à relação com o outro. A banalidade e a frivolidade do cotidiano traduzem a potencialidade dos sentidos na constituição da ideia do estar-junto. A vida social não é concebida como um reflexo da abstração humana, tampouco é algo desencarnado daquela vitalidade que flui no seu subterrâneo.29

A retomada do sensível, e o reconhecimento do Outro promovem o desenvolvimento da sociedade, pois, quando o homem se vê no outro, se estabelecem limites de compreensão, pois se percebe que não há um Eu isolado, mas pertencente a uma comunidade que trabalha para o bem comum. O direito ao desenvolvimento é conhecido como um novo direito humano do direito internacional econômico, na medida em que “todo ser humano e todos os povos estão facultados a participar em um desenvolvimento econômico, social, cultural e político em que possam vislumbrar e usufruir da realização plena de suas liberdades fundamentais”.30

28 Ibidem, p. 142.

29 AQUINO, op. cit., p. 36-37.

30 MORAIS, Sabrina. Direito ao desenvolvimento, direitos humanos e pluralismo jurídico.

In: WOLKMER, Antonio Carlos; VERAS NETO, Francisco Q.; LIXA, Ivone M. (org.).

O desenvolvimento da sociedade implica uma gama de interesses e objetivos por parte de instituições privadas, organismos internacionais e governantes, além de envolver questões de cunho econômico, social e cultural. Embora os objetivos sejam para as demandas do momento presente, eles também devem estar vinculados com as implicações futuras, isto é, qual seu impacto nas condições atuais do desenvolvimento futuro; mesmo que não tenhamos consciência das necessidades futuras, tem-se o compromisso de não deixar o caos para as gerações futuras. Por isso,

a reflexão sobre um modelo de desenvolvimento tem como objetivo fundamentar as razões que justificam tal opção, de maneira que ofereça as condições para uma avaliação segura sobre as consequências no presente e no futuro, para o equilíbrio das relações sociais e a qualidade de vida das pessoas. As justificativas mais importantes precisam orientar a atuação dos principais responsáveis e oferecer os critérios básicos para a avaliação e o planejamento a ser executado. Na qualificação de um modelo de desenvolvimento, está implícita a opção por uma forma de relacionamento com as instituições políticas e administrativas e os compromissos com as futuras gerações. A estruturação do desenvolvimento está em conexão com a organização político-administrativa de uma comunidade.31

Ainda, o desenvolvimento humano é constituído pelas escolhas pessoais equitativas e sustentáveis; nessa perspectiva, se é certo conservar as mesmas condições para as futuras gerações, também nos parece sensato “partilhar as possibilidades com as pessoas da época atual, impedindo o alargamento das injustiças

31 ZAMBAM, Neuro José. Amartya Sen: liberdade, justiça e desenvolvimento sustentável.

de acesso a melhorar a qualidade de vida em razão de diferenças étnicas, de nascimento, de gênero ou econômicas”.32

Para Sem,33 as liberdades reais que as pessoas desfrutam são

parte do processo de desenvolvimento e as visões que definem o desenvolvimento com índices de desenvolvimento como o PIB, por exemplo, contrastam com o enfoque defendido por ele, qual seja, o das liberdades. Para que o desenvolvimento ocorra de forma a promover as liberdades, é preciso eliminar “fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligencia dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos”.34

O modelo de desenvolvimento caracterizado por índices como o PIB não possuem legitimidade, para promover o desenvolvimento das sociedades plurais, uma vez que a necessidade da sociedade contemporânea reside em condições igualitárias entre os membros, assim como que seja proporcionado aos mesmos acessos aos diversos interesses, ou seja, “a necessidade de um modelo de desenvolvimento alternativo, que se pode chamar de ‘sustentável’, impõe-se diante da necessidade de contemplar a pluralidade de interesses, preocupações e aspirações das sociedades”.35

32 GRUBBA, Leilane Serratine. Desenvolvimento humano: Nações Unidas, equidade e

sustentabilidade. In: PIRES, Cecília Maria Pinto; PAFFARINI, Jacopo; CELLA, José Renato Gaziero. Direito, democracia e sustentabilidade: programa de pós-graduação stricto

sensu em Direito da Faculdade Meridional. Erechim: Deviant, 2017. p. 159.

33 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras,

2010. p. 16.

34 Ibidem, p. 16-17. 35 ZAMBAM, op. cit., p. 135.

O desenvolvimento sustentável possui um elemento essencial que é a equidade, as Nações Unidas afirmam que, se ele não for equitativo, também não poderá ser sustentável. O desenvolvimento sustentável deve ser entendido a partir de uma concepção que vai além da preservação das reservas naturais e ambientes físicas,36 ademais, a superação dessas visões limitadas

“de desenvolvimento por um entendimento integrado e global implica, prioritariamente, a consideração dos variados fatores que integram os anseios, as necessidades, as expectativas e as condições para a realização das pessoas”.37

Como já referido anteriormente, um dos princípios fundamentais para as sociedades plurais é a tolerância, nesse sentido “o desenvolvimento sustentável traz implícita a necessidade de escolha de um padrão de vida compatível com os princípios que o fundamentem [...]”.38 Conforme Sem,39 pode-se

depreender que a tolerância é um dos princípios que compreende o desenvolvimento integrado. Com isso, o desenvolvimento sustentável de uma sociedade plural não está somente na preservação da natureza e de seus recursos naturais, que, embora sejam importantes, não são suficientes, pois o desenvolvimento da sociedade deve ser compreendido globalmente e integrado com os princípios que ela eleger.

36 GRUBBA, Leilane Serratine. Desenvolvimento humano: Nações Unidas, equidade e

sustentabilidade. In: PIRES, Cecília Maria Pinto; PAFFARINI, Jacopo; CELLA, José Renato Gaziero. Direito, democracia e sustentabilidade: programa de pós-graduação stricto

sensu em Direito da Faculdade Meridional. Erechim: Deviant, 2017. p. 160.

37 ZAMBAM, Neuro José. Amartya Sen: liberdade, justiça e desenvolvimento sustentável.

Passo Fundo: Imed, 2012. p. 137.

38 Ibidem, p. 141. 39 SEN, op. cit., p.16.

4 A tolerância como um princípio essencial para o