• Nenhum resultado encontrado

A tolerância como um princípio essencial para o desenvolvimento das sociedades contemporâneas e

desenvolvimento social e sustentável das sociedades plurais

4 A tolerância como um princípio essencial para o desenvolvimento das sociedades contemporâneas e

plurais

Conferiram-se até aqui as categorias do pluralismo, do multiculturalismo, do desenvolvimento sustentável em meio às sociedades contemporâneas. Determinou-se que, para um desenvolvimento sustentável da sociedade contemporânea e plural, a convivência com o diferente é essencial. No entanto, a convivência com o diferente nem sempre é algo pacífico, pois envolve sentimentos de dominação e poder de uma cultura sobre a outra. O maior desafio da pós-modernidade é desenvolver estratégias para minimizar os conflitos existentes na sociedade.

Sabe-se que um dos princípios que devem ser erradicados na sociedade, para um desenvolvimento saudável e sustentável, é a intolerância, motivo pelo qual entende-se que o princípio da tolerância é fundamental, conjuntamente com o reconhecimento da diferença no Outro, para que sejam construídas e firmadas novas e fortes relações, em meio às transformações pelas quais a sociedade atual passa. Reconhecer-se no outro implica deixar o individualismo para estabelecermos relações de estar junto.

O significado da tolerância, conforme o dicionário de filosofia, pode ser do ponto de vista histórico, moral e relativo. Nestes termos,

1. Do ponto de vista histórico (o termo aparece no séc. XVI durante as guerras de religião), designa a indiferença à verdade dos dogmas religiosos ou à ampla acolhida das “heresias”.

2. Moralmente (por oposição a fanatismo), disposição de espírito, atitude ou regra de conduta consistindo em: a) permitir a cada um a liberdade de expressar suas opiniões

com as quais não se partilha; b) jamais procurar defender suas opiniões procurando impô-las aos outros pela força; c) pensar que ninguém possa considerar-se, em matéria religiosa, política, moral ou estética, o detentor absoluto da verdade.

3. A partir do séc. XVIII, com o avanço da luta contra o *fanatismo, atitude de espírito (individual ou coletiva) permitindo que todo indivíduo ou grupo tenha plena liberdade de expressar suas opiniões ou crenças e de viver com hábitos e costumes diferentes. O risco dessa concepção: adotar um *relativismo admitindo que todas as opiniões se equivalem e que não existem verdades, valores ou direitos “universais” dignos de serem defendidos.40

Parece-nos coerente da parte dos autores destacarem que há risco na eleição que corresponde ao relativismo, pois se pode perder o senso de valores e princípios que são importantes para uma sociedade. Por vezes, a tolerância, não alicerçada em fundamentos e princípios, pode torna-se uma intolerância, pois o exercício de reconhecimento do Outro não está sendo aplicado de maneira que “diante da diferença, não basta a tolerância: é necessário o reconhecimento”.41

Nas palavras de Zambam e Aquino, a tolerância é um valor moral que foi, diuturnamente, no decorrer da História, aprimorado

pelas experiências e práticas de intolerância, pelo desenvolvimento da compreensão do Estado, da fundamentação de princípios que orientam as legislações, as instituições e o agir moral das pessoas em sociedade e da capacidade humana de refletir e ampliar as suas concepções culturais para acolher o estranho (alius) – no

40 JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 4. ed. Rio de

Janeiro: Zahar, 2006. p. 267-268.

41 OLIVEIRA JUNIOR, José Alcebíades de. Multiculturalismo. In: BARRETO, Vicente de Paulo

seu sentido mais amplo. É nesse ir e vir entre as diferenças humanas que se aprende e se exercita a Tolerância como fundamento de integração civilizacional.42

Ademais, Voltaire, afirma que a tolerância nunca provocou guerras civis, mas que a intolerância cobriu a terra de mortes;43

por essas palavras podemos depreender que o fanatismo como um desdobramento da intolerância é o que impossibilita que as sociedades plurais possam se desenvolver, afirma-se mais uma vez a necessidade de erradicar a intolerância do meio da sociedade. A intolerância foi relacionada com questões religiosas, de modo muito presente inclusive nos dias atuais, mas pode-se dizer que

as consequências políticas da Reforma Protestante fizeram com que a palavra tolerância adquirisse um sentido e uma função propriamente política. A questão da tolerância passou a referir-se não mais aos debates de natureza teológica entre a verdadeira religião – o catolicismo – e as religiões pagãs. Tratava-se agora de encontrar soluções políticas para o conflito entre crentes de diferentes denominações cristãs, mas súditos de um mesmo soberano [...]44

Conforme Barreto,45 a tolerância é um dos princípios

implícitos no texto constitucional de uma sociedade moderna e do Estado Democrático de Direito; sob este ângulo pode-se aludir que

42 ZAMBAM, Neuro José; AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Tolerância: reflexões

filosóficas, políticas e jurídicas para o século XXI. Revista da AJURIS, Porto Alegre, v. 42, n.137, p. 369, mar. 2015. Disponível em: www.ajuris.org.br/OJS2/index.php /REVAJURIS/article/view/389/323. Acesso em: 4 jan. 2016.

43 VOLTAIRE. Tratado sobre a tolerância: por ocasião da morte de Jean Calas (1763).

Porto Alegre: L&PM, 2011, n.p. (PDF).

44 BARRETO, Vicente de Paulo. Tolerância. In: BARRETO, Vicente de Paulo (coord.).

Dicionário de filosofia do direito. São Leopoldo: Ed. da Unisinos, 2009. p. 819.

“a tradição liberal caracterizou-se por ter no princípio da tolerância religiosa, política e social o critério central em torno do qual se construiu o estado liberal de direito”.46

Dessa feita tem-se que o Estado tem, em certa medida, o dever de preservar, por meio de dispositivos legais, a promoção da tolerância; entretanto, diante do que já afirmamos ao longo deste ensaio, há uma parte que depende do ser humano, pois é na convivência diária que ações disseminadoras de aversão e preconceitos aparecem.47

De outra banda, as sociedades contemporâneas plurais e livres são espaços nos quais a prática da tolerância é comumente realizada, por outro lado reconhece-se que a própria intolerância é uma maneira de negar a pluralidade encontrada nesse espaço. Contemporaneamente, o princípio da tolerância é destacado por John Rawls e Michael Walzer: o primeiro desenvolve a dimensão político-institucional dessa categoria na sociedade democrática, enquanto que o segundo desenvolve um exame dos acordos estabelecidos entre as pessoas da sociedade para a convivência pacífica entre as diferentes culturas.48

Dentro desse quadro histórico e conceitual, o problema da tolerância no início do século XXI refere-se, principalmente, a dois tipos de problemas, que, em certas circunstâncias políticas e sociais, podem ocorrer de forma simultânea: a tolerância política, que se relaciona com a aceitação numa determinada ordem política de convicções ideológicas e

46 Ibidem, p. 511.

47 ZAMBAM, Neuro José; AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Tolerância: reflexões

filosóficas, políticas e jurídicas para o século XXI. Revista da AJURIS, Porto Alegre, v. 42, n. 137, mar. 2015. Disponível em: www.ajuris.org.br/OJS2/index.php/REVAJURIS /article/view/389/323. Acesso em: 4 jan. 2016. p. 370.

48 BARRETO, Vicente de Paulo. Tolerância. In: BARRETO, Vicente de Paulo (coord.).

crenças partidárias diferenciadas, característica da sociedade liberal; tolerância social, relativa à convivência numa mesma sociedade política de comunidades, cultural economicamente diferenciadas, característica das sociedades democráticas e pluralistas.49

Aquino,50 por sua vez, em sua reflexão sobre a tolerância,

afirma que se ela for algo imposta pelo Estado perde seu propósito, de mais a mais, o autor destaca questionando: Por que tolerar um fenômeno ou um ser humano apenas pela obrigação de suportar sem que concordássemos com a ação praticada? Responde salientando que “o teor obrigacional da Tolerância retira a compreensão sobre o significa a ilha misteriosa e incerta denominada o Outro”.51

Quando a tolerância é um valor internalizado no sujeito, ela mostra os limites da nossa própria intolerância além das nossas falhas, em relação aos nossos pares. “Tolerar é um exercício perene de reconhecimento às diferentes manifestações humanas, seja por suas opiniões, culturas, religiões, preferências políticas, entre outras”.52 Os autores53 afirmam ainda que o intolerante não

reconhece a humanidade do Outro, pois não conhece a si próprio. De outra banda, nem sempre se pode ser tolerante com tudo, por exemplo, pode-se ser tolerante com culturas genocidas, que não toleram diferenças sejam de cunho sexual, seja cultural? Por

49 Ibidem, p. 514.

50 AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. O direito em busca de sua humanidade:

diálogos errantes. Curitiba: CRV, 2014. p. 33.

51 Idem.

52 ZAMBAM, Neuro José; AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Tolerância: reflexões

filosóficas, políticas e jurídicas para o século XXI. Revista da AJURIS, Porto Alegre, v. 42, n. 137, mar. 2015. Disponível em: www.ajuris.org.br/OJS2/index.php/REVAJURIS/ article/ view/389/323. Acesso em: 4 jan. 2016. p. 373.

óbvio não se compactua com essas intolerâncias, contudo o discernimento e desenvolvimento intelectual e cognitivo levam a reflexões de que o limite da tolerância pode encontrar nos dispositivos legais internacionais algo aproximado do que seria possível tolerar, pois não há certezas absolutas.

5 Considerações finais

As transformações ocorridas ao longo da História nas sociedades demonstram que há sempre um lado que busca a dominação e o poder sobre outro, ou seja, parece-nos que as sociedades procuram subjugar outras em seu próprio benefício. Por outro lado, percebe-se que há pensadores e formadores de opinião que buscam demonstrar o equívoco que há em atitudes semelhantes a essas e que propõem um olhar diferente cujo benefício alcança todos.

Pode-se perceber, ao longo deste ensaio, que as sociedades vêm em uma crescente onda de pluralidade; cada vez mais, as fronteiras entre os países se alargam, e a convivência com o diferente é algo que quase tem se tornado comum. O que a nosso ver é algo positivo, pois quanto mais os membros das sociedades se enxergarem e se reconhecem no Outro, mais perto se estará de um reconhecimento de igualdade frente às diferenças.

A busca pela sociedade ideal perpassa os conceitos de reconhecimento, trazido pela alteridade; do pluralismo, que se refere ao fato de negação da singularidade seja política, econômica ou jurídica e do multiculturalismo, que é um movimento que busca a pacificação na convivência entre as diferentes culturas que vivem em uma sociedade. Todos esses conceitos justificam

uma sociedade plural, contudo a pluralidade também destaca as desigualdades, o que nas sociedades contemporâneas democráticas é algo a ser erradicado.

Evidenciou-se que um meio para acabar com as desigualdades existentes nas sociedades é promover o desenvolvimento sustentável, que busca a equidade entre seus membros. O desenvolvimento sustentável fomenta a liberdade de escolha dos sujeitos, pois, em uma sociedade plural e democrática seus membros são livres. Entretanto, para que essa liberdade seja verídica, é necessário que os indivíduos tenham as mesmas opções e possibilidades, isto, em outras palavras, consiste em um tratamento igualitário entre todos.

A partir dessas condições, de igualdade e liberdade, a convivência pacífica e sem formas de dominação é algo alcançável nas sociedades. Porém, para se alcançar essas condições ideais é preciso que as sociedades tenham consciência de um princípio que embasará toda a construção dessa sociedade, que é a tolerância, este princípio deve integrar o imaginário social e ser exercitado diuturnamente, pois a ausência desse princípio leva à prática de condutas entendidas como barbáries.

Por isso, o reconhecer-se no Outro é uma atitude que nos livra do individualismo, e nos estimula a estar junto, tendo um sentimento de pertença em meio à diversidade. As sociedades contemporâneas plurais e democráticas são espaços que promovem condições para esse exercício. Contudo, o caminho a percorrer para alcançar esse ideal de forma global ainda é longo, mas não podemos deixar de ser esperançosos e utópicos, o presente e o futuro precisam disso.

Referências

AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. O direito em busca de sua humanidade: diálogos errantes. Curitiba: CRV, 2014.

AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Rumo ao desconhecido: inquietações filosóficas sociológicas sobre o direito na pós-modernidade. Itajaí: Universidade do Vale do Itajaí, 2011.

BARRETO, Vicente de Paulo. Tolerância. In: BARRETO, Vicente de Paulo (coord.). Dicionário de filosofia política. São Leopoldo: Ed. da Unisinos, 2010. BARRETO, Vicente de Paulo. Tolerância. In: BARRETO, Vicente de Paulo (coord.). Dicionário de filosofia do direito. São Leopoldo: Ed. da Unisinos, 2009. CITTADINO, Gisele. Pluralismo. In: BARRETO, Vicente de Paulo (coord.). Dicionário de filosofia política. São Leopoldo: Ed. da Unisinos, 2010. DIAS, Maria da Graça dos Santos. Sociedade. In: BARRETO, Vicente de Paulo (coord.). Dicionário de filosofia política. São Leopoldo: Ed. da Unisinos, 2010. GOERGEN, Pedro. Formação humana e sociedades plurais. Revista Espaço Pedagógico, Passo Fundo, v. 21, n. 1, jan./jun. 2014. Disponível em: www.upf.br/seer/index.php/rep. Acesso em: 15 jul. 2018.

GRUBBA, Leilane Serratine. Desenvolvimento humano: Nações Unidas,

equidade e sustentabilidade. In: PIRES, Cecília Maria Pinto; PAFFARINI, Jacopo; CELLA, José Renato Gaziero. Direito, democracia e sustentabilidade:

programa de pós-graduação stricto sensu em Direito da Faculdade Meridional. Erechim: Deviant, 2017.

HABERMAS, Jürgen. A constelação pós-nacional: ensaios políticos. São Paulo: Litera Mundi, 2001.

HESPANHA, António Manuel. Pluralismo jurídico e direito democrático. São Paulo: Annablume, 2013.

JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.

MAFFESOLI, Michel. Homo eroticus: comunhões emocionais. São Paulo: Forense Universitária, 2014.

MATOS, Andityas Soares de Moura Costa; Souza, Joyce Karine de Sá. Sobrevivências do nazifascismo na teoria jurídica contemporânea e seus reflexos na interpretação judicial brasileira. Revista de Estudos

Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD), 2017. Disponível em: http://revistas.unisinos.br/index.php/RECHTD/

article/view/rechtd.2017.93.08. Acesso em: 12 mar. 2018.

MEDEIROS, Ana Letícia Barauna Duarte. Multiculturalismo. In: BARRETO, Vicente de Paulo (coord.). Dicionário de filosofia do direito. São Leopoldo: Ed. da Unisinos, 2009.

MORAIS, Sabrina. Direito ao desenvolvimento, direitos humanos e pluralismo jurídico. In: WOLKMER, Antonio Carlos; VERAS NETO, Francisco Q.; LIXA, Ivone M. (org.). Pluralismo jurídico: os novos caminhos da contemporaneidade. São Paulo: Saraiva, 2010.

OLIVEIRA JUNIOR, José Alcebíades de. Multiculturalismo. In: BARRETO, Vicente de Paulo (coord.). Dicionário de filosofia política. São Leopoldo: Ed. da Unisinos, 2010.

RAWLS, John. O liberalismo político. 2. ed. São Paulo: Editora Ática, 2000. SEN. Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

VOLTAIRE. Tratado sobre a tolerância: por ocasião da morte de Jean Calas (1763). Porto Alegre: L&PM, 2011. (PDF).

WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico. In: BARRETO, Vicente de Paulo (coord.). Dicionário de filosofia do direito. São Leopoldo: Ed. da Unisinos, 2009.

ZAMBAM, Neuro José. Amartya Sen: liberdade, justiça e desenvolvimento sustentável. Passo Fundo: Imed, 2012.

ZAMBAM, Neuro José; AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Tolerância: reflexões filosóficas, políticas e jurídicas para o século XXI. Revista da AJURIS, Porto Alegre, v. 42, n. 137, mar. 2015. Disponível em:

www.ajuris.org.br/OJS2/index.php/REVAJURIS/article/view/389/323. Acesso em: 4 jan. 2016.

5