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Wikipédia.http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Mapa_politico_juruti.jpg. Acessado em 12.04.13

1.1.1.1 Aspectos históricos do Igarapé do Juruti-velho

Não conseguimos encontrar documentos sobre o início do povoamento do Igarapé do Juruti-velho. Sem dados escritos, tornou-se difícil conhecermos o passado dessa localidade, onde os caboclos vivem

há décadas da cultura da mandioca e outras atividades agropastoris. O principal produto de consumo do caboclo está na própria mesa desde

a hora do almoço até a janta: estamos nos referindo à farinha, o principal subproduto da mandioca, que foi equivalente a uma moeda de troca no interior durante muitos anos. Em viagem realizada em agosto de 2010, foi possível coletarmos algumas informações sobre essa localidade descritas nos tópicos que seguem.

O Igarapé do Juruti-velho está localizado no Estado do Pará na microrregião de Óbidos, na Mesorregião do Baixo Amazonas, e é composto por várias comunidades ribeirinhas como Uxituba, Nova Aliança, Raifran e Boa Esperança. Dependendo da potência dos barcos que fazem linha no sentido Juruti-velho e Parintins no Amazonas, o percurso pode ser percorrido em 6, em 7, em 8 horas, e no sentido inverso, a favor da correnteza, em 5 ou em 6 horas baixando o rio Amazonas e entrando no Igarapé.

O acesso ao Igarapé pode ser feito em qualquer época do ano, pois nunca seca; mas pode ser acessado durante as enchentes pelo: Paraná de Cima; Igarapé do Piranga, em que embarcações pequenas e médias vão sair direto no Igarapé Açu, próximo ao sítio Canto-Galo; Furo Grande, em que os barcos saem diretamente no lago do Juruti- velho, próximo à comunidade Ingracia. A partir da via principal, que é o Igarapé, pode-se acessar também o Paraná do Balaio, em que os barcos o percorrem atéa “beira d‟Amazona” (denominação típica dada pelos moradores ribeirinhos), que, por sua vez, dá acesso à cidade de Juruti, mais conhecida como Juruti-novo pelos moradores locais.

Figura 1 Vista do Igarapé do Juruti-velho Fonte: Pesquisa de campo (Azevedo, 2010).

No Igarapé, além do Distrito Muirapinima Pae (mais conhecido como vila do Juruti-velho, embora seja visível um status de cidade pequena devido à urbanização ocorrida nas últimas décadas) existem outras comunidades como: Açaí, Açailândia, Capitão, Ingracia, Mocambo, Santa Madalena, Bom Jesus, Bela Vista, Vila Vinente, Santo Antônio, Novo Horizonte, Maravilha, Pau-d‟arco, Pompom, Monte Carmelo etc.

O caboclo do Igarapé do Juruti-velho, antes de tudo, é pescador, caçador e roceiro e começa a fazer os preparativos às 7:00 h da manhã para ir ao Centro, o lugar onde se faz todo processo de produção da farinha. Mas antes mesmo desse horário, ele, ainda, em meioà escuridão, vai ao lago chamado Araçá Grande em um casco de porte pequeno com uma pedra ou com um filho no banco da popa (que serve como contrapeso sentado na parte de trás) para ver a malhadeira, que colocou no entardecer do dia anterior. A razão de ele ir cedo ao lago se justifica pelo fato de haver outros pescadores que costumam tirar o peixe da malhadeira dos outros ou mesmo o peixe pode ficar impróprio para o consumo humano, se ficar mais tempo na água sem os devidos cuidados.

Apósvoltar do lago, por exemplo, o roceiro da comunidade Raifran inicia a caminhada até o Centro Vai-quem-quer, a qual dura em torno de 40 minutos, ou ao Centro Espanta-molhe etc. Os nomes dos centros são sugestivos, pois os donos parecem desafiar outras pessoas que vão a eles ou que deixam de ir a esses lugares. Logo na saída de casa, eles precisam vencer uma ladeira íngreme, que possui em torno de 160 metros de altura. Quando chove, essa ladeira se torna muito

escorregadia. Mesmo assim, os moradores locais possuem muita habilidade para descer com sacos de farinha nas costas, que pesam por volta de cinquenta quilos. Qualquer desequilíbrio cometido por alguém na descida pode acarretar consequências trágicas ladeira abaixo. No topo da serra, é possível ter uma visão panorâmica de toda a região como, por exemplo, contemplar no horizonte a serra de Parintins, a Ilha Macaiani, a Ilha do Vale (variação de Valha ou Valha-me Deus, que é o nome próprio dela e onde moram os crentes da Assembleia de Deus), a Ilha do Chaves e o grande rio Amazonas, que os habitantes locais costumam chamar de Amazona. Esses são lugares que demarcam muito bem a divisa entre o Estado do Amazonase o Estado do Pará.

Durante a caminhada ao centro Vai-quem-quer, por exemplo, um adulto vai sempre à frente para reparar o caminho, onde costumam aparecer jararacas e outras cobras venenosas como surucucu, cujo veneno pode matar uma pessoa ou deixá-la aleijada. Pelo caminho é comum: encontrar taocas, aranhas, pequenos lagartos; ouvir barulho de pássaros e do vento nas folhagens das árvores e; passar por muitas árvores caídas no chão. A comunicação no meio da mata acontece através do grito, pois só assimé possível perceber que outras pessoas estão nas proximidades ou até mesmo conjecturar sobre quem seja a outra pessoa que grita de outro lado da mata. Antes de chegar ao barracão é preciso descer uma ladeira não tão íngreme quanto a da primeira subida. Durante a descida é possível ter uma visão do horizonte com uma vastidão de árvores infinitas e rios de águas pretas. Em volta do barracão há plantação de cacau, de cupu, manga e de mandioca. O caboclo e sua família retornam para fora (o percurso de volta) somente às 17:00 h e chegam a trabalhar até o sábado, se não forem adventistas.

O barracão de farinha é feito com varas grossas da árvore cariúba, as quais são os esteios das bases principais, e de varas finas, que são os caibros de árvores como pau caboclo, envira24, moorta, que recebem a cobertura de palha. Na cumeeira é colocado um jacaré, que é feito de palha preta para evitar que chova no meio do barracão. Este pode ter dimensões pequenas, médias e grandes, dependendo da quantidade de famílias que trabalham nele e da necessidade de ampliação para maximizar a produção de farinha.

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Envira é o nome da casca de um pau ou planta também chamada de envira. Devido à resistência da fibra,é usada como alça nos paneiros por onde o roceiro coloca a cabeça.

Figura 2 Barracão de farinha Fonte: Pesquisa de campo (AZEVEDO, 2010).

O lugar onde se produz farinha e outros derivados pode ser construído permanente ou provisoriamente próximo à casa dos roceiros ou muito mais distantes nos chamados centros. As pessoas preferem colonizar lugares distantes para fazer o barracão e a roça em torno dele, “[...] porque é bonito, lá vem tudo da gruta. É riacho. É chavascal, porque tudo é mole e tem açaí, tem banana, jerimum, tem água pra gente tomar banho e lavar mandioca, e a água é bem gelada” (relatos de uma informante com mais de 60 anos). Os açaizeiros e buritizeiros fazem parte de toda a extremidade do riacho, que possui águas claras e peixes pequenos. Segundo os moradores locais não se pode brigar nem brincar no riacho, porque ele tem mãe, que judia quem não a respeita devidamente. Segundo relato de um morador local, houve um caso em que dois moradores estavam lutando no riacho e mataram um pequeno jacaré que apareceu na ocasião. Durante a noite, eles não conseguiram dormir com forte febre e dores pelo corpo, e na manhã seguinte foram ao riacho e não conseguiram encontrar maiso pequeno jacaré.

Algumas famílias procuram passar semanas no barracão para evitar o desperdício de tempo na ida ao Centro e na vinda de lá; além do mais, ao ficarem dormindo no local de trabalho, eles agilizam todo processo de produção da farinha. Durante o tempo que ficam no meio da mata, eles sobrevivem caçando porco-do-mato, cotia, paca, veado, jacu, jabuti etc. ou comprando peixes de outras famílias que trazem de fora por encomenda. Quando vêm para fora do Centro, trazem o resultado

árduo de todo trabalho, que servirá para pagar dívidas e comprar produtos como bolachas, roupas, querosene, enlatados etc. Toda produção é escoada para Parintins e para Manaus pelos pequenos e grandes recreios da região.

No Igarapé do Juruti-velho são comuns as casas de madeira construídas, atualmente,pelo beradão, onde os casais têm muitos filhos, de modo que os ascendentes constituem novas famílias morando na mesma propriedade dos pais. Por exemplo, na comunidade Raifran, um casal de mais de oitenta anos tem dez filhos e mais de setenta netos.

Quando alguém passa pelo Igarapé em uma embarcação qualquer avista as terras pertencentes aos Carlitozadas (produtores de roças de mandioca na Comunidade Raifran), Queirozadas (no Canta-galo, onde os irmãos eram mais voltados para a pecuária bovina, mas se dispersaram indo morar na vila da Porração ou do Juruti-velho, em Parintins e em Manaus), osLanternazadas (criadores de gado e cultivadores de roça de mandioca)e assim sucessivamente as pessoas falam das terras pertencentes aos donos de outras comunidades como Uxituba, Nova Aliança, Capelinha, Monte Sinai, Boa Esperançaetc., uma vez que uma única família pode ter seis, oito, onze ou mais filhos vivendo em um único terreno, e o nome ou apelido do pai é que identificará de quem é a terra.

Nas comunidades do Igarapé do Juruti-velho, a divisão do trabalho não obedece verdadeiramente a uma hierarquia rígida, mas os papeis desempenhados pelo homem e pela mulher possuem certa peculiaridade, pois eleé o responsável pelo sustento da casa, tendo que pescar nos lagos chamados de Araçá Grande e Araçazinho, principalmente, com malhadeiras ou com caniços nos igapós; mas também como foi visto anteriormente, ele caça durante a noite em um determinado lugar chamado de moitá, onde costuma passar veado, tatu, paca, cotia, catitu ou quexada (os nomes que eles chamam para o porco do mato) ou então aves como o jacu. Para a mata, ele leva rede e ata no alto entre as árvores para esperar a caça passar. É um trabalho que exige paciência, pois os carapanãs aproveitama ocasião para se alimentar de sangue, e não se pode fazer nada, a não ser deslizar a mão sobre a pele levemente para não espantar os animais que se aproximam para comer durante a noite. Entretanto, a atividade principal que o homem faz é a plantação de mandioca feita próxima a casa, que fica na bera do Igarapé ou então é feita distante nos grandes centros. Além disso, o homem é responsável pela construção da casa, que antigamente era feita de palha e a atualmente é feita de madeira. Embora o homem faça todas essas atividades, ele participa de outras com menor frequência tais como lavar

roupas, cuidar do peixe e fazer o almoço e a janta. Por outro lado, a mulher cuida dos afazeres domésticos, do filho, mas possui uma participação muita ativa no plantio e na produção da farinha e, principalmente, na de seus subprodutos.

A maniva na linguagem dos moradores do Igarapé pode se referir tanto ao arvoredo da mandioca quanto ao caule, que alguns chamam também de istaca, onde ocorre o geotropismo negativo25. Além de chamarem maniva, os moradores chamam também de árvre, árvi a planta. Demoninam manicujá para a cova reservada para enterrar as manivas; braço para o pecíolo; cortar para cortar as folhas da maniveira e decotar para separar as mandiocas do tronco; brotoe olho para as gemas florais; guia para as gemas apicais; capoeira para a roça, da qual foi retirada toda a mandioca e onde o mato está crescendo; espalhadera para a pessoa que joga os dois pedaços de maniva no manicujá; puxirum ou ajuri paraa reunião de trabalhadores que vão ajudar no roçado de alguém; derribar para derrubar árvores com machado.

Para fazer o plantio da maniva, o caboclo precisa cavar com a enxada, abrir as valas para enterrar as manivas decotadas ou cortadas. Essa vala, como dito anteriormente, recebe o nome de manicujá. Quando possível são divididos três grupos: um abre as valas com a enxada; outro composto pelos espalhadores ou espalhaderas, jogam os pedaços de maniva na vala ou manicujá;e por último, o terceiro grupo vai enterrando em pé ou de outra forma como:

Pedaço é decotar, a gente corta do toco pra ponta e impurra do toco pra ponta, a gente não planta ela em pé, porque deitado dá muita raiz. No verão forte deixa dentro, e no inverno deixa os olhinho (broto) de fora, que depois cresce a vergonta (broto). No inverno se deitar muito, ela morre. Outubro, novembro e dezembro são datas boa pra plantar, mas quando o verão é forte, eles plantam em dezembro. No inverno de janeiro vem feia, mas plantam. Eles fazem em agosto (roça de agosto) o plantio da maniva e quando é dezembro já tem roça madura, no ponto de tirar, na terra firme. (Informante de mais de 60 anos)

O relato de outro informante confirma os dados da citação acima, porque trabalhou na produção de farinha durante sete anos no igarapé do

Juruti-velho. Segundo esse ex-agricultor, caboclo trabalha o solo através do fogo e vai usar o verão amazônico para fazer a queimada. Ele começa a fazer o roçado em torno junho e julho e a queimada ocorre em setembro ou em outubro, no forte do verão. A plantação começa em novembro, mas existe alguma variação em que se planta até mesmo em janeiro. Portanto, existem épocas diferentes para a derribada das árvores, para a secagem do roçado e para o plantio das manivas. Depois de alguns meses ou um ano, dependo da variedade plantada, o roceiro começa a fazer a colheita para a produção da farinha e de outros subprodutos da mandioca ou faz a sociedade com outro caboclo, que divide a produção com o dono do roçado.

Quando chove muito, poucos caboclos conseguem fazer o roçado. Como consequência o preço do saco de farinha chega a custar R$ 150,00e é repassado nos preços do quilo ou do frasco nas cidades de Parintins e Manaus no Amazonas.

1.1.1.2 Aspectos históricos da vila do Juruti-velho

Muito da história do Juruti-velho se perdeu no passado devido às dificuldades para se encontrar documentos que retratem o passado dessa localidade. Mas algumas informações em um relatório histórico (sem autoria) sobre o Juruti-velho são encontradas como a menção ao termo povoação, quevem desde 1963. O nome povoação sofreu variação para povação, que depois derivou porração. O fato linguístico curioso e histórico é a alternância feita pelos moradores locais no uso entre as formas Juruti-Velho, Distrito Muirapinima Pae, povoação, povação, porração e mais uma que costumam chamar de “vila”.

A localidade foi habitada primeiramente por índios mundurucus e foi fundada sob a forma de aldeia em 1818. “A aldeia era situada sobre as praias do lago de juruti (hoje Juruti-velho) e era conhecida com o nome de Muirapinima. Logo que os índios construíram a suas custas uma pequena igreja, foi a aldeia elevada à freguesia”. Segundo relatos de uma moradora local no final de agosto de 2010, houve a mudança do nome Juruti-velho para Distrito Muirapinima Pae em consequência do progresso advindo, sobretudo, da exploração de bauxita nessa região. Entretanto, no relatório histórico sobre a localidade menciona o seguinte: “[...] e com a luta do povo da comunidade da região, foi elevado à categoria de distrito de Juruti Velho que passou a vigorar dia primeiro de janeiro de 2007”. Na festa da mandioca ocorrida em agosto de 2010 estava o nome Juruti-Velho fixado na entrada do local onde ocorre o evento. O Juruti-velho (figura 3) só não é uma cidade por falta

de interesse político, pois se destaca como pequeno centro urbanizado diante de muitas comunidades próximas.

Figura 3 Vista da frente da vila do Juruti-velho Fonte: Pesquisa de campo, 2010.

1.1.2 O Estado do Amazonas

O Estado do Amazonas é o maior do Brasil em extensão territorial com uma área de 1.570. 745,7 Km2. Em seu território habitaa maior quantidade de índios do Brasil com 91,3 mil nativos.

Segundo a Constituição Estadual de 1989 as sub-regiões geopolíticas do Estado do Amazonas são: Juruá, Purus, Madeira, Médio Amazonas, Baixo Amazonas, Alto Solimões, Jutaí-Solimões-Juruá, Alto Rio Negroe Rio Negro-Solimões.

Os sete pontos de inquérito do Estado do Amazonas foram selecionados da sub-região do Rio Negro-Solimões, que é composta por quinze municípios, a saber: Anamã, Anori, Autazes, Beruri, Caapiranga, Careiro Castanho, Careiro da Várzea, Coari, Codajás, Iranduba, Manaquiri, Manacapuru, Novo Airão, Rio Preto da Eva e Manaus, que é o centro regional do Estado. A extensão total dessa área é de 190.212 km2e parte de seus municípios está situada nos rio Purus, no Médio Solimões, no rio Madeira e na confluência do Rio Negro com o Solimões, próximo ao encontro das águas.

Mapa 4 Sub-regiões geopolíticas do Estado do Amazonas

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