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1.3 Descri¸c˜ao do Trabalho

2.1.5 Muta¸c˜oes

Ocasionalmente, podem ocorrer erros espontˆaneos durante a replica¸c˜ao do DNA provo- cando altera¸c˜oes na sequˆencia dos nucleot´ıdeos. Estas altera¸c˜oes, ou muta¸c˜oes, podem ser causadas por erros de c´opia do material durante a divis˜ao celular, por exposi¸c˜ao a ra- dia¸c˜ao ultravioleta ou ionizante, mutagˆenicos qu´ımicos, ou v´ırus. A c´elula pode tamb´em causar muta¸c˜oes deliberadamente durante processos conhecidos como hipermuta¸c˜ao. Em organismos multicelulares, as muta¸c˜oes podem ser divididas entre muta¸c˜ao de linhagem germinativa, que pode ser passada aos descendentes, e muta¸c˜oes som´aticas, que n˜ao s˜ao transmitidas aos descendentes em animais. Em alguns casos, plantas podem transmitir muta¸c˜oes som´aticas aos seus descendentes, de forma assexuada ou sexuada (em casos em que as gemas de flores se desenvolvam numa parte que sofreu muta¸c˜ao som´atica. Assim, essa classifica¸c˜ao ´e pouco eficiente para plantas, se ajustando melhor a animais. Uma nova muta¸c˜ao que n˜ao foi herdada de nenhum dos pais ´e chamada de muta¸c˜ao de novo. A fonte da muta¸c˜ao n˜ao se relaciona com seus efeitos, apesar de seus efeitos estarem relacionados com quais c´elulas s˜ao afetadas pela muta¸c˜ao.

Muta¸c˜oes geram varia¸c˜oes no conjunto de genes da popula¸c˜ao. Muta¸c˜oes desfavor´aveis (ou delet´erias) podem ter sua frequˆencia reduzida na popula¸c˜ao por meio da sele¸c˜ao natural, enquanto muta¸c˜oes favor´aveis (ben´eficas ou vantajosas) podem se acumular, resultando em mudan¸cas evolutivas adaptativas. Por exemplo, uma borboleta pode produzir uma prole com novas muta¸c˜oes. A maioria dessas muta¸c˜oes n˜ao ter´a efeito. No entanto, uma delas pode mudar a cor dos descendentes desse indiv´ıduo, tornando-os mais dif´ıceis (ou f´aceis) de serem vistos por predadores. Se essa mudan¸ca de cor for vantajosa, a chance dessa borboleta sobreviver e produzir sua pr´opria prole ser´a um pouco maior, e com o tempo o n´umero de borboletas com essa muta¸c˜ao constituir uma maior propor¸c˜ao da popula¸c˜ao.

Muta¸c˜oes neutras s˜ao definidas como muta¸c˜oes cujos efeitos n˜ao influenciam a aptid˜ao dos indiv´ıduos. Essas muta¸c˜oes podem se acumular ao longo do tempo devido `a deriva gen´etica. Acredita-se que a imensa maioria das muta¸c˜oes n˜ao tem efeito significativo na aptid˜ao dos organismos. Al´em disso, mecanismos de reparo de DNA s˜ao capazes de corrigir a maior parte das mudan¸cas antes que elas se tornem muta¸c˜oes permanentes, e muitos organismos tˆem mecanismos para eliminar c´elulas som´aticas que sofreram muta¸c˜oes.

As muta¸c˜oes s˜ao consideradas o mecanismo que permite a a¸c˜ao da sele¸c˜ao natural, j´a que insere a varia¸c˜ao gen´etica sobre a qual ela ir´a agir, fornecendo as novas caracter´ısticas vantajosas que sobrevivem e se multiplicam nas gera¸c˜oes subsequentes ou as caracter´ısticas delet´erias que desaparecem em organismos mais fracos.

A sequˆencia de um gene pode ser alterada de diversas maneiras. Muta¸c˜oes gen´eticas tˆem diferentes efeitos na sa´ude, dependendo de onde ocorrem e se alteram a fun¸c˜ao de prote´ınas essenciais. Estruturalmente, as muta¸c˜oes podem ser classificadas em:

1. Muta¸c˜oes de pequena escala, como aquelas que afetam um pequeno gene em um ou poucos nucleot´ıdeos, incluindo:

• Muta¸c˜ao de ponto - Geralmente causada por substˆancias mutagˆenicas ou erros na replica¸c˜ao do DNA, h´a a troca de um ´unico nucleot´ıdeo por outro [28]. A mais comum, conhecida por transi¸c˜ao, ocorre quando h´a a troca de uma purina por outra purina (A ↔ G) ou uma pirimidina por outra pirimidina (C ↔ T). Transi¸c˜oes podem ser causadas por ´Acido N´ıtrico, erro de pareamento entre as bases, ou mutagˆenicos an´alogos, como 5-bromo-2-desoxiuridina (BrdU). Um tipo de muta¸c˜ao pontual menos comum ´e a transvers˜ao, em que h´a a troca de uma purina por uma pirimidina, ou vice-versa (C/T ↔ A/G). Uma muta¸c˜ao pontual pode ser revertida por outra muta¸c˜ao pontual em que o nucleot´ıdeo ´e mudado de volta ao seu estado original ou por uma revers˜ao a partir de outra muta¸c˜ao (uma muta¸c˜ao complementar em outro local que resulta no retorno do gene `a fun¸c˜ao anterior) [29]. Muta¸c˜oes pontuais que ocorrem dentro da regi˜ao codificadora da prote´ına podem ser classificadas em trˆes tipos, dependendo do tipo de express˜ao apresentado pelo c´odon mutado [26]:

a) Muta¸c˜ao silenciosa: O c´odon codifica para o mesmo amino´acido; b) “Missense”, sentido trocado: Codifica para um amino´acido diferente; c) Muta¸c˜ao sem sentido: Codifica para um c´odon de parada, que interrompe

a prote´ına antes de seu t´ermino

• Inser¸c˜ao - Ocorre pela adi¸c˜ao de um ou mais nucleot´ıdeos na sequˆencia de DNA. Geralmente, esse tipo de muta¸c˜ao ´e causado por transposons ou erros durante a replica¸c˜ao de elementos repetitivos (sequˆencias AT, por exemplo). Inser¸c˜oes na regi˜ao codificadora de um gene podem alterar o corte (splicing) do mRNA, ou causar mudan¸ca no quadro de leitura dos c´odons. Ambas altera¸c˜oes podem modificar significativamente o produto gˆenico.

• Dele¸c˜ao - H´a a remo¸c˜ao de um ou mais nucleot´ıdeos da sequˆencia de DNA. As- sim como inser¸c˜oes, essas muta¸c˜oes podem modificar o quadro de leitura do gene. Geralmente elas s˜ao irrevers´ıveis; apesar de teoricamente a mesma sequˆencia po- der ser restaurada por inser¸c˜ao, elementos de transposi¸c˜ao capazes de reverter uma dele¸c˜ao muito curta (com uma ou duas bases) em um dado local s˜ao muito improv´aveis ou mesmo inexistentes. ´E importante notar que uma dele¸c˜ao n˜ao ´e o oposto exato de uma inser¸c˜ao. Enquanto dele¸c˜oes s˜ao aleat´orias, inser¸c˜oes consistem de uma sequˆencia espec´ıfica sendo inserida em locais que n˜ao s˜ao com- pletamente aleat´orios.

2. Muta¸c˜oes de grande escala da estrutura do cromossomo, incluindo:

• Amplifica¸c˜ao (ou duplica¸c˜ao gˆenica) - Dada pela cria¸c˜ao de v´arias c´opias de uma regi˜ao cromossˆomica, aumentando a dosagem dos genes dentro dela;

• Dele¸c˜ao de regi˜oes cromossˆomicas - Leva `a perda dos genes presentes nessas regi˜oes.

• Inser¸c˜ao - Muta¸c˜oes cujo efeito ´e unir partes do DNA anteriormente separadas, potencialmente unindo genes de tal forma que surjam genes fundidos funcional- mente distintos (por exemplo, bcr-abl). Esse tipo de muta¸c˜ao inclui:

a) Transloca¸c˜ao cromossˆomica: Ocorre a troca de por¸c˜oes de cadeias de DNA entre cromossomos n˜ao hom´ologos;

b) Dele¸c˜ao do interst´ıcio: H´a a dele¸c˜ao de um segmento de DNA de um cromossomo, agrupando, assim, genes anteriormente distantes;

c) Invers˜ao cromossˆomica: Ocorre a invers˜ao da orienta¸c˜ao de um segmento do cromossomo.

• Perda de heterozigozidade - H´a a perda de um alelo por dele¸c˜ao ou recom- bina¸c˜ao num organismo que originalmente possuia dois alelos.

As mudan¸cas no DNA causadas por muta¸c˜oes desfavor´aveis podem causar erros na sequˆencia das prote´ınas, criando prote´ınas parciais ou completamente n˜ao-funcionais. Para funcionar corretamente, cada c´elula depende de milhares de prote´ınas para funcionar nos s´ıtios apropriados. Quando uma muta¸c˜ao altera uma prote´ına que tem um papel importante no corpo, isso pode resultar numa doen¸ca. Uma enfermidade causada por muta¸c˜oes em um ou mais genes ´e chamada de doen¸ca gen´etica. Contudo, apenas uma pequena percentagem de muta¸c˜oes causa doen¸cas gen´eticas; a maioria n˜ao tem impacto na sa´ude. Por exemplo, algumas muta¸c˜oes alteram a sequˆencia de bases de DNA de um gene mas n˜ao mudam a fun¸c˜ao

da prote´ına produzida por esse gene. Estudos na mosca da fruta Drosophila melanogaster sugerem que se uma muta¸c˜ao muda de fato uma prote´ına, esta mudan¸ca ser´a provavelmente mal´efica, com 70 por cento destas muta¸c˜oes tendo efeitos negativos e sendo as restantes neutras ou fracamente ben´eficas [30].

Se uma muta¸c˜ao estiver presente numa c´elula germinal, pode dar origem a descendentes portadores dessa muta¸c˜ao em todas as suas c´elulas. Este ´e o caso de doen¸cas heredit´arias. Por outro lado, uma muta¸c˜ao pode ocorrer numa c´elula som´atica de um organismo. Algumas muta¸c˜oes podem estar presentes em todos os descendentes desta c´elula e certas muta¸c˜oes podem provocar que a c´elula se torne maligna, e consequentemente cause cancro [31].

Muitas vezes, muta¸c˜oes gˆenicas que poderiam provocar uma doen¸ca gen´etica s˜ao repara- das pelo sistema celular de repara¸c˜ao do DNA. Cada c´elula tem um certo n´umero de vias bioqu´ımicas atrav´es do qual enzimas reconhecem e reparam erros no DNA. Como o DNA pode ser danificado ou mutado de diversas maneiras, o processo de repara¸c˜ao do DNA ´e uma maneira importante do corpo se proteger de doen¸cas.

Uma percentagem muito pequena de todas as muta¸c˜oes tem na verdade um efeito posi- tivo, que s˜ao consideradas muta¸c˜oes ben´eficas. Estas muta¸c˜oes levam a novas vers˜oes de prote´ınas que ajudam o organismo e futuras gera¸c˜oes a adaptarem-se melhor a mudan¸cas no seu ambiente. Por exemplo, uma dele¸c˜ao espec´ıfica de 32 pares de base no CCR5 humano confere resistˆencia ao HIV a homozig´oticos e atrasa o despoletar do SIDA em heterozig´oticos. A muta¸c˜ao CCR5 ´e mais comum em pessoas com ascendˆencia europeia. Uma teoria para a etiologia da relativa alta frequˆencia do CCR5-∆32 na popula¸c˜ao europeia ´e que esta confere resistˆencia `a peste bubˆonica que flagelou a Europa em meados do S´eculo XIV. Pessoas que tinham esta muta¸c˜ao foram capazes de sobreviver `a infec¸c˜ao; por isso, a sua frequˆencia na popula¸c˜ao aumentou. Isso pode tamb´em explicar porque esta muta¸c˜ao n˜ao se encontra na

´

Africa, que n˜ao foi afetada pela peste bubˆonica. Uma teoria mais recente diz que press˜ao seletiva na muta¸c˜ao CCR5-∆32 foi causada pela var´ıola em vez da peste bubˆonica [32].