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4 A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10639/03 POR ATORES NÃO PREVISTOS NO

4.3 Não Alisa Não, instância do Movimento Negro

Passados mais de 17 anos da Lei 10639/03 o que constatamos é que muitas redes de ensino ainda têm muitas dificuldades na implementação do ensino de história e cultura africana e afro-brasileira em seus planos, na formação continuada dos docentes e no trabalho cotidiano dos currículos praticados na escola. Várias são as dificuldades enfrentadas no exercício de implementação da Lei 10639/03.

De acordo com Gomes (2009, p. 40):

Com avanços e limites, a Lei 10639/03 e suas diretrizes curriculares possibilitam uma inflexão na educação brasileira. Elas fazem parte de uma modalidade de política até então pouco adotado pelo Estado brasileiro e pelo próprio MEC. São políticas de ação afirmativa voltada para valorização da identidade da memória e da cultura negra.

Dentre as dificuldades, deparamos com alguns entraves tais como: falta de material didático, formação de professor, ausência de literaturas da temática racial, pouco trabalho relacionado à história e cultura Afro-brasileira e Africana. O que se observa é que o governo institui a obrigatoriedade do cumprimento da lei, porém, deixa boa parte da responsabilidade a cargo das instâncias estaduais e municipais, para que os gestores se adequam e façam com que funcionem, mesmo que os profissionais não tenham um efetivo preparo para o exercício dos novos desafios. O governo não garante plena condição para sua concretização.

Como diz Oliveira (2016, p 31) para que haja uma implementação efetiva da Lei 10639/03 se faz necessário mudar o olhar sobre o negro. Gomes (2003, p. 172), alerta que o olhar sobre o negro e sua cultura, na escola tanto pode valorizar identidades e diferenças quanto pode estigmatizá-las, discriminá-las, segregá-las e até mesmo negá-las. Dessa forma, são necessárias ações em conjunto, das experiências e práticas cotidianas do Movimento Negro, coletivos, organizações, conversando com o conhecimento que será produzido nos currículos escolares, do saber produzido com os professores/alunos em sala de aula, e na relação dos alunos com seus familiares.

Nesse contexto, trazemos a importância de se entender o conceito de Agência para conseguirmos enxergar a importante contribuição do Não Alisa Não no processo de implementação da referida lei numa escola de Araputanga-MT.

Giddens (1984, p.9) em um dado momento associa agência à intencionalidade. Porém, ele admite que a intenção embora seja um aspecto relevante, não é suficiente para

explicar a capacidade de agência. Sendo assim, ele considera que a agência não consiste tão somente na intenção que os indivíduos possuem de realizar as coisas, mas na sua habilidade de fazer tais coisas em primeiro lugar, o que implica poder.

Para Giddens (1984) a estrutura (sociedade) só existe na medida em que a ação do agente (indivíduo) se realiza, pois é na agência que a estrutura ganha vida. Tendo em vista que é a ação do agente que dá vida à estrutura, o que se entende por ação? Ação é aquilo que só pode ser feito por um ator, por exemplo: uma luz só apaga com a ação de alguém que aperte o interruptor. Entretanto, essa ação não se restringe só a que um agente pode fazer em um ambiente ou em si mesma, intencional ou incontroladamente. A capacidade de agência também reside sob aquilo que o ator não tem controle e não consegue perceber as consequências da ação. Dessa forma, o ato do agente pode encontrar respostas direto na estrutura, ou seja, nas regras e recursos daquela sociedade.

Sendo assim:

Agência é a capacidade de interferir em eventos, não necessariamente de modo intencional. Agir, mais do que pretender algo, é ser significativo na sua ocorrência, na medida em que a ação depende da capacidade do indivíduo de fazer uma diferença em um estado pré-existente de coisas ou curso de eventos. ( GIDDENS, 1984, p.14)

Tendo em vista essa definição, a intencionalidade do agente não é negada, nem encarada como a característica principal da capacidade de agência. Mesmo que toda ação envolva uma intenção inicial, o seu resultado jamais pode ser explicado completamente por essa intenção, mas apenas quando se reconhece a interferência de consequências não intencionais. Por exemplo: quando um indivíduo em determinada ação tenciona um fim A e alcança um fim B, ele é um agente em relação ao fim B, pois participou de sua consecução, embora não intencionalmente.

Já a agência coletiva dentro do sistema social desenvolvida por Giddens (2003) é resultado de presença maciça de organizações na sociedade, com relações fora das barreiras tradicionais, que permitem intersecção com diferentes ambientes, juntando com a pluralidade de participação de atores em diversas organizações, cria uma grande oportunidade para a agência coletiva e mudança. Desta forma, a estrutura não acaba com a agência por meio de uma força monolítica, mas a capacita por sua complexidade e contradição.

Assim, a agenda do Não Alisa Não centrada na valorização da estética capilar negra nos faz observar o fenômeno ora da perspectiva desses atores sociais, ora da perspectiva dos atores estatais. Nesse sentido, trazemos a importância da agência do Não Alisa Não para a estrutura escolar de Araputanga-MT. O seu trabalho coletivo tem corroborado para a formação de alunas negras e consequentemente, contribui fortemente para o processo de implementação da Lei 10.639/03 na escola Costa Marques em Araputanga.

Como já foi dito, o Governo responsabiliza gestores Estaduais e Municipais, bem como professores como responsáveis por essa implementação, mas não podemos negar a importância do Movimento Negro e Coletivo nesse processo de implementação. O trabalho de agência desenvolvido por eles, como relata Giddens tem interferido em eventos, não necessariamente de modo intencional, que é o caso do Não Alisa Não, a agência desse grupo adentrou as estruturas escolares contribuindo na implementação da Lei 10639/03, embora saibam que essa não era a intenção do grupo.

Uma bandeira levantada por mulheres militantes negras e não negras, chamou atenção de uma pequena cidade do interior de Mato Grosso. O grupo que se intitula como Não Alisa Não desenvolve um trabalho com meninas e mulheres que passam pela chamada transição capilar. O grupo vem promovendo uma série de ações em locais públicos da cidade e até mesmo nas escolas. Embora suas ações estejam voltadas para a questão da valorização da estética capilar negra, é desejo do grupo buscar formação, pois pretendem desenvolver discussões com mais profundidade sobre as relações raciais. Nesse sentido, o grupo Não Alisa Não acaba se tornando uma instância do Movimento Negro, haja vista que, o trabalho desenvolvido por elas está em consonância com as propostas de trabalho do Movimento Negro.