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Não queria ser vista para não criar pirraça com língua fuzilada.

As mulheres

Desde que comecei a pesquisar este tema, conheci muitas mulheres interessantes, aqui justifica- se a escolha pelo método da cartografia que permite mais liberdade para a pesquisadora inventar uma pesquisa junto com uma mulher da década de 20 e outras mulheres de hoje. Comecei a produzir diversos vídeos sobre a história de vida de diferentes mulheres. Conversei com sociólogas, ativistas, prostitutas, professoras, manicures, desempregadas, cabeleireiras, portadoras de necessidades especiais etc. Eram muitas mulheres. Nas viagens que fiz durante a pesquisa, conheci uma diversidade de mulheres, nas nossas conversas muitas contavam sobre suas histórias de luta, suas conquistas e dores. Porém decidi que os vídeos não entrariam para a pesquisa, pois eram muitos, para especificar o

79 trabalho mudei de ideia em relação à pesquisa e resolvi fazer um trabalho que não fosse tão amplo, mas que fosse um trabalho que possibilitasse que as mulheres falassem por si mesmas, contassem suas histórias. Optei por fazer uma pequena entrevista com mulheres que seriam escolhidas. Tive a oportunidade e a felicidade de conhecer diversas mulheres, mas precisei escolher algumas para participar da pesquisa.

Como escolher? Qual o critério que utilizei para fazer esta escolha? Isto foi muito importante para decidir quais seriam os rumos da pesquisa. Então decidi escolher mulheres de culturas diferentes e mulheres que não aparecem na mídia, ou seja, mulheres que optaram por viver uma vida simples. Mulheres que não aparecem na televisão e que não levam uma vida consumista. Escolhi mulheres que criam micropolíticas no seu cotidiano. Essa escolha se baseou na possibilidade de interação entre eu e as mulheres, que eu pudesse interagir com as mulheres pesquisadas, ou seja, construir algo interessante junto com elas. E foi o que aconteceu, com Lúcia construí uma horta onde plantamos diversas hortaliças, com Vera aprendi sobre diversas plantas e árvores, com Inaida pude aprender sobre a cultura africana. Já com Estamira aprendi sobre diversas questões como a importância de cada cuidar de sua vida e com Maria Lacerda de Moura aprendi sobre a importância da mulher na sociedade, de como a mulher pode ser livre e ser dona de seu próprio corpo e lutar contra o machismo existente em nossa sociedade.

Nesta parte pretendo apresentar as mulheres que conheci com as quais convivo e por quem tenho um profundo carinho e respeito. Falar em mulher tem a ver com potência de agir, transformar-se para estar sendo e nunca o que já está pronto, mas transformar-se e inventar uma vida bela. Para dar início a este capítulo trago um texto de que gosto muito, da poetisa africana Tolba Phanem, que fala das relações que as mulheres africanas estabelecem na tribo em que vivem.

A canção dos homens

Quando uma mulher de certa tribo da África sabe que está grávida, segue para a selva com outras mulheres, e juntas rezam e meditam até que aparece “A canção da criança”. Quando nasce a criança, a comunidade se junta e lhe cantam sua canção. Logo, quando a criança começa sua educação, o povo se junta e lhe canta a sua canção. Quando se torna adulto, a gente

se junta novamente e canta.

Quando chega o momento de seu casamento, a pessoa escuta sua canção. Finalmente, quando a sua alma está para ir-se deste mundo, a família e amigos aproximam-se e, como em seu nascimento, cantam sua canção para acompanhá-la na “viagem”. Nesta tribo da África, há

outra ocasião na qual os homens cantam a canção. Se em algum momento da vida a pessoa comete um crime ou um ato social aberrante,

levam-no até o centro do povoado e a gente da comunidade forma um círculo ao seu redor. Então lhe cantam “sua canção.” A tribo reconhece que a correção para as condutas antissociais não é o castigo; é o amor e a lembrança de sua verdadeira identidade. Quando reconhecemos

80 nossa própria canção, já não temos desejo nem necessidade de prejudicar ninguém. Teus amigos conhecem a “tua canção”. E a cantam quando a esqueces. Aqueles que te amam não podem ser enganados pelos erros que cometes, ou as escuras imagens que mostras aos demais. Eles recordam tua beleza quanto te sentes feio, tua totalidade quando estás quebrado, tua inocência quando te sentes culpado e teu propósito quando estás confuso.(Disponível em http://historico.miradasolidaria.es/poemas47.htm).

As mulheres que se misturaram em minha pesquisa são Vera, Lúcia, Inaida, Aline, Maria Lacerda de Moura e Estamira. Algumas entrevistei, outras li, outras apenas vi. Coloco em itálico as respostas que elas me deram, cada uma a sua maneira, e com elas componho o texto. Converso com seis mulheres, mulheres que em suas falas criam um novo estilo de vida. Esta tese tem a intenção de movimentar a vida destas mulheres, e de outras. Mulheres africanas e brasileiras se encontram aqui para dizer não para o machismo existente em nossas sociedades. Estas mulheres se encontram para criar uma escrita menor, se distanciar da escrita maior. Ou seja, viver num mundo menor, em que seja possível criar micropolíticas nos seus cotidianos.

Criam junto um novo rosto para um feminismo contemporâneo, que afirma que o homem pode ser feminista, a criança é feminista, o velho é feminista. E que não são somente as mulheres que queiram lutar a favor de uma sociedade onde a diferença apareça, mas sim todas as pessoas que fazem parte do mundo desejam um mundo melhor para se viver. Logo, é a partir deste mundo novo que pensamos na questão menor: ―o que é mulher?‖ Pensar a mulher, dizer sobre mulher, tudo isso tem a ver com educação, não uma educação normalizadora mas sim uma educação que priorize um conhecer com vontade que produza novas formas de vida.Pois sabe-se que é no corpo das mulheres que as crianças se desenvolvem e nascem. Então, tudo isso passa pela educação. Uma educação que tem a ver com vontade de estar no mundo e não morrer para o mundo e dizer chega.

Mas uma vontade de criar outros mundos, nos quais seja possível de viver através de formas de vida bela e não violenta. Escapar da tirania dos governos, da mídia, da publicidade, que ditam como as mulheres devem se comportar, é um dos objetivos desta tese. Não modelar comportamentos e sim questionar determinados estilos de vida, que levam as mulheres a sempre serem as melindrosas incapazes de dirigirem suas vidas. Esta pesquisa também aparece como um alerta à violência contra mulher. Por que dá força para as mulheres não se unirem a homens machistas e preconceituosos. Esta tese quer incentivar as mulheres a terem uma vida livre. Quer dar ânimo para que não haja cansaço ou esgotamento em ser mulher. Que seja bom ser mulher, assim que, como ser homem, ser velho e ser criança, ser pessoa.

81 com suas vontades. Vontade de harmonia, como diria Maria Lacerda de Moura. Harmonia para criar um jeito de ser que não pertence ao Estado. Um jeito de ser que só pertence à própria mulher. Escolhas, decisões tudo isso tem a ver com as mulheres pesquisadas. O que elas escolhem viver? Quais as decisões que elas desejam tomar durante seus cotidianos? Tudo isso passa por elas e não por alguém que vai mandar nelas e ditar como deve ser suas vidas. É com profunda paixão que este trabalho aparece e se tece nessas leituras do cotidiano feminino.

Porém, este trabalho aparece para desmanchar mundos já prontos e constituídos. Aparece como força para que se criem novas relações entre os seres, relações livres de mandos e obediências, mas sim relações construídas na horizontalidade e na coragem da verdade. Pois a vida não pode ser hierárquica. A vida aparece quando palavras novas são soltas e não apreendidas. Libertar as palavras para que a vida surja como forma de acontecimento. Acontecimento aberto a inúmeras novas formas de dizer.

Dessa forma acredito que é preciso que estejamos atentos a novas formas de dizer, dizer de outro jeito ou então, se não se tem nada a dizer, que tudo se silencie. Dar importância ao que estamos dizendo, dizendo para si e para os outros, só assim podemos mover e arrancar coisas velhas do mundo, coisas que já não nos pertencem mais. Um mundo novo pede alegria, uma boa escuta e sabedoria para saber dizer. Dizer, sem reclamar ou cair no ressentimento. Não reforçar palavras inúteis e desperdiçar tempo com as ditas bobagens, mas sim afirmar a verdadeira sabedoria em saber o que dizer e para que dizer. É com esta força que me uni a estas mulheres para compor esta tese, cheia de perguntas e de dizeres interessantes, mais do que de certezas acadêmicas.