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Esvaziar o quê? Esvaziar o pensamento e as ações para contar e criar outras histórias. Esvaziar não quer dizer negar o que já existe e muito menos querer destruir coisas que já foram ditas, pois a palavra carrega muita força. Segundo Deleuze (1992:217) o importante, talvez, venha a ser criar ―vacúolos de não comunicação‖, interruptores para escapar ao controle.

Silenciar um pouco já é um começo, quando a gente fala em esvaziar. Silenciar para ter mais clareza no que buscar, no caminho que se faz ao caminhar, todos os dias, por trajetos diferentes. Porque saber que é preciso esvaziar para criar, como uma obra de arte que não quer interpretação ou representação.

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Do que se foge?

Falo de mulheres que são vítimas de acidentes mulheres com câncer mulheres lesadas mulheres machucadas mulheres mal amadas mulheres hiperativas mulheres loucas mulheres frígidas mulheres alegres mulheres bem-sucedidas mulheres belas mulheres feias mulheres magras mulheres gordas mulheres mães mulheres solteiras mulheres livres mulheres inteligentes mulheres burras mulheres furiosas e bravas mulheres calmas mulheres putas mulheres santas mulherzinhas mulherão mulheres neuróticas mulheres fortes mulheres guerreiras mulheres machorras mulheres gostosas mulheres canhão, mulheres macho, mulheres infantis mulheres alcoólatras, mulheres vulgares mulheres solitárias mulheres espíritas mulheres freiras mulheres propagandas, mulheres hiper sexualizadas, mulheres felizes, mulheres faladeiras mulheres alcoviteiras, mulheres amadas, mulheres intensas mulheres artistas, mulheres criadoras, mulheres sonhadoras, mulheres românticas mulheres supimpas, mulheres idosas e abandonadas, mulheres descoladas, mulheres costureiras donas de casa mulheres sem casa mulheres de rua mulheres nas ruas mulheres com homem mulheres sem homem mulheres com muitos homens mulheres presas mulheres que fogem de homens mulheres com gays mulheres gays mulheres parecidas com gays gays mulheres mulheres coloridas mulheres muito amadas mulheres maravilhosas mulheres perfeitas mulheres juntas...

Também relato mulheres com braços e pernas quebradas, fora do padrão de beleza estético, que são abandonadas e esquecidas. Para a grande maioria, o que é visto, é somente o problema externo. Por isso mulheres diagnosticadas como depressivas na maioria das vezes são evitadas pela sociedade em geral. Também mulheres com corpos mutilados, são evitadas.

Essas situações conduzem ao medo e ao afastamento. Pois as pessoas ditas normais fogem e se afastam de qualquer tipo de pessoa que tenha algum problema físico ou psicológico. A cobrança em torno do que é ser mulher virou um fardo insuportável para muitas mulheres, que na maioria das vezes, não sabem mais o que querem em relação à vida e ao mundo. Mulheres solteiras querem ficar solteiras, gostam de sair sozinhas e ter liberdade. Algumas optam por não ter filhos, mas a sociedade cobra e exige que elas arrumem um marido e casem com alguém para manter a tradição. Outras querem ter

42 filhos e não conseguem. Logo se frustram, devido ao fracasso nesta empreitada. Algumas têm muitos filhos: 10 ou mais, talvez, 15 filhos. Como não podem sustentá-los, acabam doando-os para instituições de caridade, e por isso, são tachadas de mães irresponsáveis.

Enquanto isso continua os adjetivos discriminatórios sobre um conjunto significativo de mulheres. O preciosismo da discussão, também se deve à relutância de muitas mulheres em encarar a luta contra a discriminação. Assim a autoestima da mulher ficou ferida. Podemos destacar o filme As horas, dirigido por Stephen Daldry, baseado no livro de mesmo título, de Michael Cunningham. Segundo a sinopse do filme, são três épocas, três mulheres, em três histórias, que se mesclam e se transformam pela influência de uma grande obra literária. A primeira é Virgínia Woolf, que vive num subúrbio londrino nos anos 20, lutando contra a insanidade, enquanto começa a escrever seu primeiro grande romance: A senhora Dalloway. As outras mulheres, a dona de casa Laura Brown, de Los Angeles, nos anos 40 e a editora Clarissa Vaughan, nos dias de hoje, em Nova York, enfrentam situações diferentes entrelaçadas pelo livro que Virgínia escreveu. O filme mostra que estas mulheres não cabem nas vidas que levam. A dona de casa, que vive nos anos 1950, que está grávida de quatro meses, se depara com um mundo que não é o seu, quando decide sair de casa e vai para um hotel, leva antidepressivos e planeja se matar, mas não consegue, então, volta para casa e decide sair de casa, deixando para trás marido e filhos, pega um ônibus e vai trabalhar em outra cidade. O filho da dona de casa cresce e se torna um poeta, mas com muitos problemas, e na vida adulta torna-se amigo de Clarissa Vaugham, a editora que leva uma vida bem agitada, o poeta que tem aids é muito amigo de Clarissa, mas enfrenta episódios de muita crise e quando está prestes a receber um prêmio, pelas suas poesias ele se joga da janela e antes de se matar ele diz para Clarissa que está vivo somente para satisfazer a ela. Já Virginia Woolf acaba por se matar, se jogando em um rio. Uma frase dela é fazer pensar no movimento do filme quando ela diz que não se acha a paz, evitando a vida.

Mulheres discriminadas pela sociedade e sem os rótulos que a sociedade impõe podem sobreviver? Podem alterar a sua situação de miséria e resistir fazendo lutas emancipatórias? Isoladas e imiscuídas em seus problemas resistem à luta. Sentem-se incapacitadas e só veem os problemas, como um ―carma‖ que devem carregar durante toda a vida.

Para combater a relutância à luta sugiro a união. A união de mulheres, mulheres juntas, não criando um Estado de mulheres, mas mulheres junto com as pessoas, junto com as crianças, com homens, com idosas e toda a gente. Não ter medo de gente. Gente não deve ser motivo de medo. Gente não deve espantar gente. O combate é a união. Juntar para combater todo e qualquer tipo de preconceito.

43 O belíssimo texto Combater na imanência, de Luiz Orlandi, afirma uma ideia em relação ao combate. Orlandi (1999) entrevê o plano de consistência como tendência filosófica, a instalar-se num ―puro plano de imanência‖. Esta tendência, assumida como escolha, é imediatamente política, é imediata propensão ao combate em quaisquer dos fluxos ou dobras de campo de imanência. Qual é a operação que se reitera nessa tendência combativa? Pensando a imanência como campo problemático, a operação de combate, reiterada aquém de palavras de ordem, consiste em criar e fazer com que surjam os ―verdadeiros problemas‖, fazer com que liberem gritos, dores e também cantos sufocados, agitando saídas em meio à proliferação do intolerável. Combater na imanência é potencializar guerrilhas que não fazem o jogo cômodo das máquinas produtoras de universais, como os de contemplação, de reflexão e de comunicação, máquinas que, impondo seus próprios problemas, submetem outros ao domínio de estratégias ou focos transcendentes, sejam estes a razão, a racionalidade de presidentes da república, líderes de grupelhos, interesses de poderosos ou deuses quaisquer. Com efeito, esse combate privilegia a ―singularidade‖, que não é precisamente o individual, mas o caso, o acontecimento, uma configuração de acontecimentos, um ―devir ativo‖, uma decisão.

Mas para que fazer a união? Para iniciar a discussão do cotidiano das mulheres. Pois todas estas mulheres rotuladas têm uma vida e fazem algo em seu cotidiano. Este algo pode ser problematizado. Está certo o que você está fazendo? Pergunto às mulheres. Não poderia ser diferente a tua vida? Por que você está nessa situação de miséria ou de acomodação? Porque não posso sair e não tenho forças para fazer algo diferente, é a resposta que encontro. Você não vê a situação de outras mulheres? O que você pode sugerir a elas? Você acha que ela tem saída dessa situação? Você quer ainda continuar isolada, fazendo tudo sozinha ou valeria a pena você olhar para a tua colega?

Assim a primeira proposta está em problematizar as mulheres e ouvi-las. Depois disso, pode-se propor: você quer continuar isolada ou pretende buscar a união com parceiras do teu cotidiano?

Por isso meu estudo está baseado no cotidiano, na invenção de outra história com as mulheres. Uma história em que a mulher possa ter o seu espaço, independente de ter ou não um companheiro. Que possa sair sozinha à noite, que possa beber com os homens sem ser tachada de vagabunda por isso. Que possa até mesmo casar e, se quiser, ter filhos. É tudo uma questão de escolha. Escolher as amizades, eleger parceiros sentimentais. Digo sentimental por que o sexo é mais sentimental do que se pensa. Uma vida libertária vai além de sexo. O sexo é uma invenção. A vida libertária é outra coisa. Quando uma mulher chora, as outras também podem chorar. Ao mesmo tempo, em que, quando, uma mulher ri a outra também pode ri. A união das mulheres é fundamental para que a vida transcorra de forma prazerosa. Disputar não é interessante, na medida em que tudo pode ser compartilhado.

44 Compartilhado de uma forma espontânea e de coração. Fazer as coisas com coração como dizem as mulheres ciganas é fazer de forma delicada. É olhar para outra, ser de forma delicada. Pois delicadeza, leveza e desprendimento são o que unem as pessoas.