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Núcleo central das representações sociais de ato infracional

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.2. AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE ATO INFRACIONAL

3.2.1. Núcleo central das representações sociais de ato infracional

No primeiro quadrante da Tabela 1, observamos as palavras que tendem a compor o núcleo central das representações sociais, ou seja, as palavras que foram citadas mais vezes, nos primeiros lugares. Nesse quadrante, têm-se as palavras cadeia, crime,

drogas, homicídio, roubo e tráfico como aquelas consideradas mais significativas

quando referentes ao termo ato infracional.

A presença dessas palavras como componentes do núcleo central, nos remete, primeiramente, a indagações acerca das palavras cadeia e crime. Observa-se que tais palavras são carregadas de um valor jurídico que não se refere a adolescentes em conflito com a lei e sim aos delitos cometidos por adultos. De acordo com Costa (2006), juridicamente, adolescentes em conflito com a lei cometem ato infracional e não crime,

bem como não são presos em cadeias e sim internados em unidades sócio-educativas. Porém, cabe nos questionarmos, por que grande parte dos adolescentes apontou

cadeia e crime como palavras relativas a ato infracional.

Primeiramente, acreditamos que essa representação de ato infracional, relacionada à cadeia e crime, pode significar que esses adolescentes pertencem ao mundo do adulto, no qual são cooptados e agenciados para o mundo do crime.

Ainda tentando responder a esse questionamento nos esbarramos em uma constatação que é veiculada pela mídia de forma freqüente: esses adolescentes em conflito com a lei não estão sendo tratados como adolescentes em condição peculiar de desenvolvimento como nos orienta o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 2005). Tal afirmação pode ser confirmada por Lima (2006) e Aranzedo (2006).

No estudo de Lima (2006), a autora aponta para as práticas violentas aos adolescentes dentro da unidade de internação estudada (FEBEM-SP) e às más condições de atendimento desses adolescentes. Em convergência com tal estudo, Aranzedo (2006) também expôs que, por meio da avaliação dos adolescentes, a unidade de internação em que estavam (UNIS), possuía caráter preferencialmente negativo. Nesse sentido, os adolescentes atribuíram as palavras inferno, sinistro, cadeia, esquisito e sofrimento às condições materiais e de atendimento a que estavam submetidos nesta unidade.

Nesse sentido, consideramos lógico que esses adolescentes assimilarão a maneira como são tratados, seja por policiais, seja pela justiça, seja pelo sistema sócio- educativo, à representação social de ato infracional como referente a termos judiciais relacionados a adultos que transgridem as normas e valores sociais, uma vez que seus direitos de adolescentes em desenvolvimento não estão sendo respeitados.

Também pertencente ao núcleo central das representações sociais de ato infracional, as palavras drogas e tráfico denotam que o provável envolvimento por meio do uso ou do tráfico de entorpecentes é um dos fatores que contribuem para o cometimento de ato infracional. Tais dados são confirmados pelo estudo de Assis e Souza (1999) que afirmam que “[…] uma relação familiar conflituosa pode facilitar o envolvimento do adolescente com o uso de drogas que, por sua vez, estimula a entrada para o mundo infracional.” (p.142)

Além desses dados, Volpi (2008) também associou o fator drogas e o ato infracional, uma vez que apresentou, por meio de seu estudo, que dos adolescentes autores de ato infracional entrevistados, 53% eram usuários de drogas.

Nesse sentido, Rosa et al. (2007), ainda demonstraram que, de acordo com seus entrevistados, o tráfico de drogas é apontado como a “melhor” opção de delinqüência, uma vez que teria um baixo risco imediato e a obtenção de bom ganho.

Por sua vez, Toledo (2010) expõe que o envolvimento com o tráfico de drogas e o uso de drogas não foram os principais motivos pelos quais os adolescentes, por ele pesquisados, iniciaram seu percurso na criminalidade. Isso não significa que o tráfico de drogas não seja um dos delitos mais freqüentes entre aqueles que cumprem uma medida sócio-educativa e, portanto, adentram no sistema de justiça.

Embora seu estudo tenha sido qualitativo, o autor chama a atenção para o fato de que nenhum dos seis sujeitos de seu estudo tenha entrado para o mundo do crime por motivos relacionados à droga. Todos afirmaram terem sido motivados pelo consumo de outros produtos como comida, roupas e tênis, e somente em momento posterior a droga e o tráfico figuraram como delito ou motivação para o delito para os adolescentes. Portanto, os delitos contra o patrimônio foram os mais encontrados pelo autor.

Além disso, observou-se que as palavras homicídio, roubo e tráfico, componentes do núcleo central, referem-se a tipos de ato infracional, o que denota que parte dos adolescentes entrevistados considera como significados das representações sociais de ato infracional, tipos desse ato e, ainda assim, tipos de ato infracional que são passíveis de fazer parte de seus cotidianos ou também que são de grande divulgação e acontecimento.

No estudo de Volpi (2008), roubo e furto estão entre os atos infracionais mais cometidos pelos adolescentes entrevistados (57,2%), sendo que o homicídio e o latrocínio, considerados atos infracionais mais graves, representaram 18,6%. Nesse sentido, o autor destaca que o mito da periculosidade desta população se desfaz, uma vez que a maior parte dos atos infracionais cometidos foram contra o patrimônio e não contra a pessoa.

No estudo de Rosa et al. (2007), os autores apresentam que as principais infrações mencionadas pelos adolescentes entrevistados compunham, entre outros, os atos infracionais apontados pelos nossos entrevistados: homicídio, roubo e tráfico.

No estudo de Santos, Severino e Brandão (2004), ao analisarem projetos de uma Vara da Infância e Juventude, mais especificamente do Setor de Medida Sócio-Educativa – SEMSE, as autoras apontaram que o roubo (32,1%) e o homicídio (26,2%) também estão entre os principais tipos de atos infracionais praticados pelos adolescentes analisados.

Gallo e Willians (2009) também apontaram para a prevalência de crimes contra o patrimônio nos adolescentes autores de ato infracional brasileiros, enquanto que no estudo comparativo com adolescentes autores de ato infracional canadenses, obteve- se a prevalência de crimes de ordem sexual. Essa prevalência nos adolescentes canadenses foi explicado pelos autores como associada à cultura do país, em que se considera a ofensa sexual um ato infracional que mantém contato direto com a vítima, sendo, portanto, denominada grave. Sendo assim, os autores afirmaram que, enquanto no Brasil as infrações de ordem sexual envolveriam estupro, atentado ao pudor e atentado violento ao pudor, no Canadá, o ato de passar a mão nas nádegas da vítima é definido como infração de ordem sexual.

Applegate, Smith, Sitren e Springer (2009) estudaram adolescentes que estavam cumprindo algo semelhante às medidas sócio-educativas de meio aberto brasileiras nos Estados Unidos. Nesse estudo, os autores procuraram verificar o efeito dessas medidas nos adolescentes, por meio de suas respostas a questionários.

Dentre os dados encontrados pelos autores (APPLEGATE et al., 2009), os adolescentes que fizeram parte da amostra, cometeram, em sua maioria, infrações relacionadas ao trânsito, mais especificamente, o fato de dirigirem sem habilitação, totalizando 40,2% das respostas. Além disso, infrações como envolvimento com drogas e roubo representaram 12,7% e 9,6% da amostra, respectivamente.

Diante das exposições feitas, relacionadas ao núcleo central das representações sociais, observamos que os adolescentes entrevistados se apoderam do termo ato infracional, previamente teorizado no universo reificado, para fazer parte de seu

universo, do universo consensual. Nesse sentido, os adolescentes relacionaram o termo às palavras cadeia, crime, drogas, homicídio, roubo e tráfico, a idéias e

pensamentos já presentes em suas vidas, como prevê o mecanismo da ancoragem. Desse modo, observamos que as representações sociais de ato infracional estão relacionadas aos tipos de atos infracionais existentes ou mesmo aqueles já praticados por esses adolescentes (homicídio, roubo e tráfico) e das vivências (causas ou conseqüências) relativas ao ato infracional (cadeia, crime e drogas).