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3 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E AS RELAÇÕES PRIVADAS NO BRASIL

3.8 Núcleo essencial dos direitos fundamentais: a dignidade da

A dignidade da pessoa humana está prevista expressamente no artigo 1o, inciso III, da CRFB e representa o valor supremo de todo o Direito brasileiro.

Historicamente, a dignidade da pessoa humana está ligada ao preceito do Cristianismo de respeito ao próximo. Os seres humanos são criados à imagem e semelhança de Deus, assim, devem respeitar ao próximo como a si mesmos, sendo todos iguais em humanidade.

Inspirado na filosofia kantiana, José Afonso da Silva afirma que:

53 Confira-se a ementa do acórdão

prolatado pelo STF naquela oportunidade: “Sociedade civil sem fins lucrativos. União Brasileira de Compositores. Exclusão de sócio sem garantia da ampla defesa e do contraditório. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. Recurso desprovido. I. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. Os princípios constitucionais como limites à autonomia privada das associações. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. (...)”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo de Instrumento nº 582965 Rio de Janeiro. Relator Ministro Celso de Mello. Brasília, DF. 30 de maio de 2006. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28uni%E3o+e+brasileira+e+co mpositores%29&base=baseAcordaos>. Acesso em: 7 de ago. 2012.

[...] todo ser humano, sem distinção, é pessoa, ou seja, um ser espiritual, que é, ao mesmo tempo, fonte e imputação de todos os valores, consciência e vivência de si próprio (...) todo ser humano se reproduz no outro como seu correspondente e reflexo da sua espiritualidade, razão por que desconsiderar uma pessoa significa, em última análise, desconsiderar a si próprio. Por isso é que a pessoa é o centro de imputação jurídica, porque o Direito existe em função dela e para propiciar o seu desenvolvimento54.

Apesar de haver divergência no tocante à possibilidade de conceituá-la, entende-se que a dignidade da pessoa humana representa um topoi do ordenamento jurídico brasileiro e, como tal, é um termo que não admite conceituação55.

A dignidade da pessoa humana é composta dos elementos materialmente essenciais para a preservação do patamar mínimo civilizatório do ser humano, notadamente os direitos de personalidade e o respeito à integridade física (direito à vida) e psíquica (direito à honra, à imagem, à felicidade, à privacidade e intimidade).

Trata-se de uma qualidade intrínseca ao ser humano, pois não há como se conceber o indivíduo sem dignidade. O ser humano deixa de ser o objeto e passa a ser a o protagonista do Direito contemporâneo. A dignidade da pessoa humana se tornou o “epicentro axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos estatais, mas também toda a miríade das relações privadas”56.

Como também obtempera Manoel Jorge e Silva Neto:

[...] a dignidade da pessoa humana deixa à mostra a obrigatoriedade de pôr no núcleo central das atenções o indivíduo, quer seja para torná-lo efetivamente destinatário dos direitos de cunho prestacional, quer ainda para demarcar, com precisão, a ideia de que o mais elevado e sublime propósito cometido à sociedade política é enaltecer a dignidade das pessoas que a compõem57.

54 SILVA, Afonso José da. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiro Editores:

2005, p. 37.

55 SILVA NETO, Manoel Jorge. Direitos fundamentais e o contrato de trabalho. São Paulo: LTr,

2005, p. 23.

56 SARMENTO, op. cit., p. 85-6. 57 SILVA NETO, op. cit., p. 21.

Assim sendo, a dignidade da pessoa humana “está na origem dos direitos materialmente fundamentais da CRFB e representa o núcleo essencial de cada um deles”58.

É a partir da constatação de que todos os direitos materialmente fundamentais se originam da dignidade da pessoa humana é que se faz possível afirmar que ela é o núcleo essencial de todos eles. Por tal razão, a dignidade da pessoa humana assume a condição de princípio de maior hierarquia, representando um verdadeiro valor-guia em nosso ordenamento jurídico59.

Como sintetiza Amauri Mascaro Nascimento, a dignidade da pessoa humana é um fundamento axiológico subjacente a inúmeras outras regras e que reconduz o direito positivo ao dever de protegê-la e garanti-la contra quaisquer atos que possam levar à sua violação60.

O que se discute na doutrina é se a dignidade da pessoa humana representa um direito fundamental absoluto, ou se, ao revés, se trata de um direito fundamental igual aos demais e, por conseguinte, passível de sopesamento.

Robert Alexy entende que a dignidade da pessoa humana precisa ser sopesada com os demais direitos fundamentais para se estabelecer o conteúdo da regra da dignidade da pessoa humana, de sorte que apenas a norma-regra da dignidade é absoluta. Para Alexy, a impressão de um caráter absoluto da dignidade da pessoa humana provém da constatação de que em inúmeras hipóteses o princípio da dignidade humana prevalecerá em face de outros princípios com ela sopesados61.

Também defendendo a possibilidade de ponderação da dignidade da pessoa humana, Rubens Fernando Clamer dos Santos Júnior esclarece que o princípio pode ser relativizado pelo juiz quando da análise do caso concreto, especialmente quando houver colisão entre dois valores que possam desaguar na dignidade do indivíduo.

58 BARROSO, op. cit., p. 251.

59 SANTOS JÚNIOR, Rubens Fernando Clamer dos. A eficácia dos direitos fundamentais dos trabalhadores. São Paulo: LTr, 2010, p. 44.

60 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 26. Ed. São Paulo: LTr, 2011, p. 462. 61 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva. São

Por outro lado, Inocêncio Mártires Coelho afirma que por ser o centro epistemológico dos demais direitos fundamentais, a dignidade da pessoa humana não se sujeita a ponderação:

[...] porque sobreposta a todos os bens, valores ou princípios constitucionais, em nenhuma hipótese é suscetível de confrontar-se com eles, mas tão somente consigo mesma, naqueles casos limites em que dois ou mais indivíduos - ontologicamente dotados de igual dignidade - entrem em conflitos capazes de causar-lhes lesões mútuas a esse valor supremo62.

Endossando a impossibilidade de sopesamento da dignidade da pessoa humana com outros direitos fundamentais, Ingo Wolfgang Sarlet acrescenta que o “reconhecimento de diversos níveis de dignidade constitui, na verdade, uma

contradictio in terminis, uma vez que é a dignidade das pessoas que as torna iguais

em humanidade”63.

Em que pesem as respeitáveis opiniões em sentido contrário, entende-se que a dignidade da pessoa humana representa o núcleo essencial intangível dos direitos fundamentais e, dessa maneira, constitui-se princípio absoluto não suscetível a ponderação, exceto naquelas hipóteses em que ela confrontar-se consigo mesma, oportunidade que o juiz, no caso concreto, poderá se valer da boa-fé objetiva para estabelecer qual delas cederá à outra64.

62 COELHO, op. cit., 2009, p. 174. 63 SARLET, op. cit., 2009, p.109.

64 Como critério solucionador para o conflito entre dignidades, Nunes propõe a adoção do standard da

boa-fé objetiva, ao definir que: “(...) pode-se afirmar que na eventualidade de lide, sempre que o magistrado encontrar alguma dificuldade para analisar o caso concreto na verificação de algum tipo de abuso, deve levar em consideração essa condição ideal apriorística, pela qual as partes deveriam, desde logo, ter pautado suas ações e condutas, de forma adequada e justa. Ele deve, então, num esforço de construção, buscar identificar qual o modelo previsto para aquele caso concreto, qual seria o tipo ideal esperado para que aquele caso concreto pudesse estar adequado, pudesse fazer justiça às partes e, a partir desse standard, verificar se o caso concreto nele se enquadra, para daí extrair as consequências jurídicas”. NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa