4.1. Escoamento secundário
4.1.1. Número de Reynolds crítico
No escoamento em curvas, o fluido experimenta maior resistência ao passar através da curva do que em canal recto (Singh (1974)). Este aumento de resistência resulta numa diminuição do caudal e numa maior queda de pressão ao longo da curva. Consequentemente, o escoamento torna-se mais estável do que em canal recto, apresentando um número de Reynolds crítico (
Re
crítico, é o número de Reynolds de transição do estado laminar para o estado turbulento) mais elevado (Soh & Berger (1984)). Enquanto oRe
crítico para um canal recto é de2100
, num canal curvo, mesmo de curvatura reduzida, será maior num factor de dois ou mais, dependendo da geometria (Berger et al. (1983)). Este facto foi primeiramente confirmado por White (1929a), Taylor (1929) e Adler (1934). White (1929a) verificou que é necessário umRe
superior a9000
para que o escoamento turbulento persista ao longo de um canal com razão de curvaturaR
c15
, e mesmo para um canal com curvatura pouco acentuada (C 1 50
) o escoamento mantém-se não turbulento atéRe= 6000
. Para a mesma curvatura Adler (1934) reportou umRe
crítico5620
, eRe
crítico4730
e3980
para as curvaturasC 1 100
e 1 200, respectivamente. O gráfico da Figura 4.3 mostra a variação decrítico
Re
com a curvatura, reportada por diferentes autores, ficando claro o aumento quase linear deRe
crítico comC
, na escala logarítmica. Todavia, Taylor (1929) foi mais longe nas observações e mostrou, pela primeira vez, a existência de uma gama de valores deRe
onde o escoamento tem características variáveis (dependentes do tempo) sem que seja turbulento. Apresentou dois valores deRe
distintos: oRe
crítico máximo para o qual o escoamento é estacionário; e oRe
crítico mínimo para o qual o escoamento é completamente turbulento.Assim, para razões de curvatura
R
c18.7
e31.9
, verificou umRe
crítico mínimo de7100
e6350
, respectivamente. No entanto, o escoamento é estacionário apenas quandoRe 5830
e
Re 6350
para a primeira e segunda curvatura, respectivamente. A curvatura tem, assim, um papel fundamental neste processo, que foi estudado por Cioncolini & Santini (2006a, 2006b). Para curvatura acentuada (R d 25
) a transição de escoamento laminar para turbulento na curva é gradual, mas as curvaturas intermédias (25R d150
) são mais eficientes no retardamento da transição e, por isso, requerem maiorRe
para que oescoamento atinja o estado turbulento, relativamente às curvas mais acentuadas. No caso de curvatura pouco acentuada (
R d 150
) o retardamento ocorre apenas no início da curva e rapidamente transita para escoamento turbulento, sendo a transição tão rápida quanto menor o comprimento angular da curva.0.0001 0.001 0.01 0.1 1
Cd/R
1000 10000 100000R
e
cr ít ic o Ito (1959)Kubair & Varrier (1961) Schmidt (1967) Srinivasan et al. (1968) Mishra & Gupta (1979a) Cioncolini & Santini (2006a) Cioncolini & Santini (2006a) Cioncolini & Santini (2006a) Taylor (1929)
White (1929a) Choi et al (1979) Adler (1934)
Figura 4.3- Valores de Recrítico em função da curvatura do canal, apresentados por diferentes autores.
O valor de
Re
crítico em canais curvos, depende claramente da curvatura, onde se verifica um aumento doRe
crítico com o aumento deC
. No entanto, esta relação não é linear na extensão total da curva (Sreenivasan & Strykowski (1983)). Para além da dependência decrítico
Re
comR
c, Sreenivasan & Strykowski (1983) verificaram que este valor é distinto para diferentes localizações na secção transversal e ao longo da curva. Isto é, é necessário maiorRe
para que o escoamento se torne turbulento junto da parede interior do que na parede exterior da curva; e oRe
crítico aumenta ao longo do comprimento da curva até um valor constante (mais precisamente, 3 voltas completas através de canal helicoidal). Por estemotivo, os autores consideraram o
Re
crítico, numa determinada posição na curva, como sendo o valor em que a transição ocorre em toda a secção transversal dessa localização. O mesmo tipo de observações foi feito, mais tarde, por Webster & Humphrey (1993). Para5060 <Re< 6330
eR
c18.2
, Webster & Humphrey (1993) verificaram que o escoamento apresenta oscilações de baixa frequência na metade da secção transversal do canal junto à parede exterior da curva, enquanto na metade junto à parede interior da curva o escoamento permanece estacionário. O escoamento só passa a turbulento paraRe 7590
. Estasoscilações tinham sido já visualizadas por Taylor (1929). Por este motivo, Webster & Humphrey (1993) defendem que no caso de canais curvos não se deve falar de um valor único de transição, mas de uma região de transição. Embora o
Re
crítico exacto seja difícil de determinar, para escoamentos em canais curvos, vários autores propuseram equações de correlação para determinar este valor em função da razão de curvatura (R
cR d
). A Tabela 4.4 resume algumas destas correlações propostas por diferentes autores.Tabela 4.4- Correlações propostas por diferentes autores para determinar o número de Reynolds crítico (Recrítico) de transição de escoamento laminar para escoamento turbulento em função da razão de
curvatura.
Autor Expressão Condições
Ito (1959) 0.32 20000 crítico c Re R 15R dc 860
Kubair & Varrier (1961) 0.32
12730 crítico c Re R 10Rc2000 Schmidt (1967) crítico 2300 1 8.60.32 c Re R R c 200
Sreenivasan et al. (1968) crítico 2100 1 1260.25
c Re R R c 200
Mishra and Gupta (1979a)
0.32 2 20000 1 2 crítico b Re R
tem em conta o passo (b) do canal helicoidal
Cioncolini & Santini (2006a, 2006b)
0.47 30000 crítico c Re R R c 24
0.31 12500 crítico c Re R 30Rc110
0.57 120000 crítico c Re R
1.12
2300 1 210 crítico c Re R R c 150A estabilização do escoamento, que é turbulento em canal recto, por efeito da curva designa-se por laminarização, e foi testemunhada primeiramente por Taylor (1929) e White (1929a). Durante a laminarização, ocorre, em primeiro lugar, a estabilização do escoamento turbulento junto da parede interior da curva (parede convexa e estabilizadora) e só depois, a uma distância a jusante na curva, ocorre a estabilização do escoamento junto da parede
exterior da curva (parede côncava e desestabilizadora) (Sreenivasan & Strykowski (1983)). Por este motivo, a laminarização pode ser parcial ou completa, dependendo das condições de escoamento. A capacidade de uma conduta curva laminarizar um escoamento de entrada turbulento diminui com o aumento de
Re
, i.e., no caso limite em que oRe
à entrada da curva excede oRe
crítico da curva, não ocorre laminarização, mas depende também da distância axial para ser efectiva. Em curvas com distância angular de90
, por exemplo, a laminarização praticamente não ocorre (Kurokawa et al. (1998)).Ademais, a estabilização do escoamento prolonga-se para além da curva. Considerando que a seguir à secção curva do canal existe um canal recto de saída, apesar de o