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11.340/2006) – NATUREZA , TIPOS E FORMAS DE FISCALIZAÇÃO E GARANTIA

5.1 N ATUREZA DAS M EDIDAS P ROTETIVAS DE U RGÊNCIA

Quanto à natureza das MPU, juridicamente, Lavigne e Perlingeiro (2011) defende que é de medidas cautelares18, adotadas em cognição sumária19 na fase inquisitiva (de investigação) ou judicial, inclusive sem a oitiva da parte contrária (acusado). Também não são definitivas, e correm paralelamente (e em autos separados) do processo criminal. Parte majoritária da doutrina compreende as medidas protetivas de suspensão da posse ou restrição do porte de armas; afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; proibição de aproximação da ofendida)20, da Lei como cautelares processuais penais, cujo objetivo principal seria assegurar os meios e fins do processo penal em que se busca ou se irá buscar a realizar a punição do crime cometido pelo acusado (PIRES, 2011). Porém, Pires (2011) defende as medidas protetivas possuem uma natureza jurídica sui generis, são um instituto diverso das ações cautelares (de urgência) cíveis ou penais:

as medidas protetivas traduzem a opção legislativa por uma política criminal extrapenal voltada para os fins de prevenção do direito penal (em contraponto a uma política criminal penal, ancorada unicamente no recrudescimento da intervenção penal, na criminalização de mais condutas e no aumento de penas) e em tudo se assemelham às civil restraining orders americanas (PIRES, 2011, p. 161) (grifos nossos)

Afirma o autor que a própria Lei Maria da Penha previu que as medidas protetivas serão aplicadas isolada ou cumulativamente sempre que os direitos reconhecidos por ela forem ameaçados ou violados, ou ainda substituídas (fungibilidade das medidas), sem mais nada exigir ou mencionar (art. 19, § 2º), tendo como única ressalva o fato de que a juíza ou juiz não pode concedê-las de ofício, sem que a mulher a requeira. Trata-se isso de construção a partir da interpretação de juristas, vez que a lei é omissa a esse respeito.

Do ponto de vista formal, as MPU não tem caráter inicial e predominantemente punitivo ou criminalizante, tampouco visa a punir antecipadamente o homem, o que se consubstanciaria com a pretensão das mulheres, conforme apontaram as autoras acima. Na realidade, objetiva atender a necessidade de proteção dos direitos humanos das mulheres em risco iminente e são também uma alternativa ao encarceramento. Além de ser substituída por outras diversas, quando das alterações do contexto fático, elas não têm prazo determinado,

18 Medidas tomadas “por cautela”, para proteger um ou vários direitos ameaçados. 19 Conhecimento rápido

vigorando enquanto houver perigo de lesão ao direito e pelo seu caráter provisório, podem ser revistas e cassadas a qualquer momento (Artigo 19, §3º, LMP).

Ainda quanto ao encarceramento, muitas críticas têm afirmado o caráter punitivista da Lei Maria da Penha e, por conseguinte, das próprias medidas protetivas. De fato, a Lei acrescentou o inciso IV ao Artigo 313 do Código Penal, que afirma:

Art. 313. Em qualquer das circunstâncias, previstas no artigo anterior, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos: [...] IV. Se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.

Porém, esse acréscimo não representa uma inovação punitiva, sendo inócua e constituindo-se, na verdade, enquanto viés simbólico, de modo a apontar uma suposta intolerância estatal com a violência contra a mulher. Isso porque o caput do artigo, referente à autorização de prisão preventiva em sede de crimes dolosos, já abarcaria as condutas presentes no contexto de violência contra as mulheres, contanto que estivessem presentes as outras circunstâncias genéricas do Código de Processo Penal, como afirma o Art. 312:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o).

Além disso, faz-se importante questionar, ainda conforme Lavigne e Perlingeiro (2011): a forma desproporcional de supervalorização do direito penal e extrapolação do poder punitivo do Estado legitima a não utilização da retenção cautelar do agressor quando o iminente risco de morte da mulher? E também: a prerrogativa estatal de utilizar instrumentos gravosos para a defesa das mulheres corresponde igualmente à intenção punitiva que deposita no direito penal a expectativa de se lidar com o problema da violência de gênero? De fato, são legítimas e necessárias as críticas ao sistema prisional brasileiro e ao clamor existente em torno do rigor punitivista, mas, como dito, a prisão aqui possui caráter de excepcionalidade, e ainda que não se possa desprezar a severidade da interferência estatal na privação de liberdade cautelar de alguém, tampouco se pode mitigar a gravidade do ato e seu potencial lesivo face aos direitos humanos de outra pessoa, notadamente num contexto de violência estrutural contra as mulheres para o qual o próprio Estado outrora contribuiu.

A prisão preventiva se dá quando verificada a não-colaboração do indivíduo com a medida restritiva de direito imposta por meio da medida protetiva, sucessivamente descumprida. Aqui, tem-se, de um lado, a necessidade de devida diligência estatal na proteção dos direitos da mulher (integridade pessoal e vida) e, de outro, a observância à necessidade de mínima intervenção penal (liberdade). Na realidade, objetiva atender a necessidade de proteção dos direitos humanos das mulheres em risco iminente. Quando não surtem o efeito pretendido, a prisão preventiva do agressor revela-se enquanto única medida ao alcance do Estado, diante dos meios de que dispõe, para tentar garantir a integridade pessoal da mulher em situação de violência, numa situação de risco imediato.

Dados do Conselho Nacional de Justiça - CNJ mostram que as medidas protetivas de urgência constituem o procedimento mais aplicado pelos Juizados especializados, representando cerca de 60% de sua atuação. De 2006, quando promulgada a Lei Maria da Penha, até 2010, foram deferias 96.098 contra 11.659 prisões deferidas21. A relação de, em

média, uma prisão a cada nove medidas demonstra que o tratamento prioritário na defesa dos direitos humanos das mulheres não está no sentido contrário ao esforço de contenção do poder punitivo. (LAVIGNE; PERLINGEIRO, 2011)