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5.3 OS SENTIDOS E ESCOLA NO ENTRE-LUGAR DAS

5.3.2 Na Educação Física

Entre os diferentes contextos nos quais se desenrola o cotidiano escolar, o de Educação Física foi considerado pelas crianças como um dos lugares mais significativos às vivencias da infância. Da mesma forma, consideraram as atividades desenvolvidas nessa disciplina, como as mais atraentes e motivadoras, percepção essa evidenciada em conversas que estabeleci com elas em horário de recreio. Interroguei-as

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sobre seus desejos e perguntei do que mais gostavam na escola. Elas responderam de maneira enfática: brincar, brincar com os colegas e outras crianças, fazer amigos, cantar, aprender a ler e escrever, ouvir histórias, ir à biblioteca ver os livros, fazer aula de educação física. Essa realidade foi configurando-se à medida que as crianças manifestavam satisfação e contentamento ao falarem sobre o assunto como pode ser ilustrado pela observação de Marcos K. (sete anos): Eu gosto de fazer aula de Educação Física, a gente pode brincar. Gosto do pula-pula. Todo mundo quer brincar com ele. É bem “legal”. Talvez pela quebra das posições tão demarcadas, talvez pela expectativa de poder brincar, talvez pelo entendimento de poder viver as “experiências do encontro com o outro”, em que os lugares ocupados geograficamente se confundiam, misturando as identidades e aproximando as fronteiras das diferenças. Talvez por tudo isso, esse espaço passe a sensação de ser mais lúdico do que de obrigação.

As experiências nesse sentido podem ser consideradas como aprendizagem, pois o encontro com o outro, com o novo e com o desconhecido possibilita sermos além do que somos: sujeitos em contínua aprendizagem. (LARROSA, 2004). Aprendizagem que, nas aulas de Educação Física, parecem ser favorecidas pela possibilidade de explicitação mais aceita de conflitos, confrontos, diálogos, acordos, gritos, gestos e expressões contraditórias, mediados por uma “desordem” de uma “ordem” infantil.

Quando se fala na palavra “aula”, geralmente vislumbra-se o professor, as crianças em uma relação hierarquizada, pressupondo identidades definidas e posições demarcadas, tanto no lugar ocupado, quanto no lugar relacional. No entanto, para a criança, falar da “aula” de Educação Física parecia ganhar outro significado. A ênfase nas respostas dadas pelas crianças sobre suas preferências chamou-me à atenção por apresentar como não conflituosa as características de ser “criança” e ser “aluno”. Uma análise mais acurada, contudo, fez com que aparecessem, também, aspectos do enquadramento institucional, exemplificado em uma frase dita por Maria Vitória (seis anos) que, com ar de muita seriedade, assim se expressou: “Uma criança precisa saber que na sala de aula não pode brincar.” As palavras de Maria Vitória parecem reconhecer e legitimar as práticas disciplinares da escola. Acho

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que devemos considerar se de fato não temos enfatizado que o brincar deve ocorrer fora do espaço da sala de aula e reforçado que ali é lugar proibido para as atividades tidas como coisa de criança, não havendo espaço para os movimentos infantis.

Nesse movimento, pude perceber nitidamente o entre-lugar construído pelas crianças, com suas diferenças que potencializavam o encontro com o outro e também se ampliava no encontro com muitos outros, entendido muitas vezes como desordem que deve ser corrigida e normatizada, uma vez que se confrontava com o luga imposto por uma cultura escolar já determinada. Esta situação de conflito entre a tendência à contenção da energia em ebulição nas crianças e a crença de que a aprendizagem exige ordem e disciplina extremadas não é tranqüila para a maioria de nós professores. Formados por uma cultura dominada por uma noção positiva da “ordem” e negativa do “caos” enfrentamos grandes dificuldades para admitir uma certa dose de caos como necessária à formação de identidades plurais e de cidadãos livres. Diante disto, considero pertinentes as indagações colocadas por Silva Filho (2004:129): “Até onde os adultos podem levar em conta os desejos das próprias crianças, as manifestações sobre o que querem/gostariam de fazer? Qual o grau de imposição, de “assujeitamento”, que consideramos aceitável nas relações adulto/crianças?

O olhar que me foi apresentado pelas crianças sobre as aulas de Educação Física evidenciou-se como um importante subsídio para a análise sobre os sentidos que elas constroem e partilham na escola, na medida em que foi possível perceber por ai um pouco do como aprendem e o que consideram importante nesse espaço de convívio coletivo, reforçando a convicção já estabelecida entre os profissionais da educação infantil de que a brincadeira é para as crianças espaço de convívio entre pares, lugar de liberdade e de criação.

Também possibilitou entender que as demais disciplinas constantes do currículo pouco contêm do lúdico tão indispensável na vida e na educação das crianças. A ênfase ainda é dada ao conteúdo, desenvolvido principalmente por meio de aulas expositivo-dialogadas, ministradas habitualmente por um professor, as crianças sentadas, constrangidas entre quatro paredes numa sala de aula. Felizmente as

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crianças não estão totalmente subjugadas ao rigor das rotinas. São ainda presas fáceis da imaginação. Como pétalas de flor que voam pelo ar, elas necessitam do espaço livre para mostrar toda a sua graça e beleza.

Talvez seja esta vocação de unir ação e sentimento que alimente a preferência que demonstram ter pela Educação Física. Mas, seja lá pelo que for, nós, os adultos, precisamos compreender melhor estes vôos para poder sermos parceiros delas nestas aventuras e permitirmo-nos ensinar no mesmo ato de aprender e cumprir a nossa vocação de sermos terra, porto seguro em que podem confiar para realizar a difícil missão de ser criança e ser aluno no mesmo corpo. (Cf. Silva Filho)