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Na imprensa

No documento julianadecastromillen (páginas 31-34)

2 QUASE CARLOS HEITOR CONY

2.2 DA ARTE DE FALAR COM RESSALVAS: A RECEPÇÃO CRÍTICA DE

2.2.1 Na imprensa

Fala-se bem de Cony. São muitos os amigos e admiradores, entre eles, o escritor catarinense Cristóvão Tezza que resenhou alguns dos livros do autor e os publicou em crônicas para a Folha de S. Paulo:

O caso de Cony é especial: desde a publicação de O Ventre, em 1958, no terreno da literatura, e da retórica brilhante e virulenta dos tempos de O ato e o fato, sobre a ditadura nascente do golpe de 64, na área do jornalismo, ele tem sido um dos mais notáveis "escritores militantes" da cultura brasileira dos últimos 40 anos. [...] Sustentar portanto uma coleção de crônicas que fique em pé é tarefa de mestre (2016a, não paginado).

Para Tezza, Cony é um dos grandes escritores nacionais. Ele relê o jornalista carioca com esmero e encantamento e comenta sobre um narrador completo que soube transitar na linguagem com maestria: “a passagem do jornalismo ao romance às vezes revela-se mortal. Não será esse o caso de Cony” (TEZZA, 2016b, não paginado).

O também membro da ABL, Arnaldo Niskier, anunciou em artigo, que, por ser amigo do escritor há mais de 30 anos, sabe que ele é um bom jogador, pois consegue esconder o jogo, afinal, na sua narrativa, ele se revela, mas só um pouco. Relata o prazer que sente em lê-lo e afirma ser ele um “mestre incomparável” do gênero crônica: “Como jornalista e escritor, tem o seu nome garantido na história da cultura brasileira” (NISKIER, 2016, não paginado).

Moacyr Scliar descreveu Cony como uma figura lendária, como um jornalista que "se tornou um verdadeiro ídolo para minha geração" devido ao seu “espírito inquieto, [...] à sua ousadia e a seu talento” (2016, não paginado), e exalta a sua obra como um marco na literatura brasileira.

Lygia Fagundes Telles, que fez a apresentação do livro Eu, aos pedaços, evoca a corajosa militância política de Cony contra o Golpe Militar.

Ruy Castro defende o jornalista de ter sido o primeiro e, por muito tempo, o único que se manifestou contra a violência e a arbitrariedade política da época (QUASE..., 2016, não paginado).

O que se pode dizer de uma figura emblemática, que esteve em exposição na mídia e nas livrarias no período de ditadura pós 1964 no país? Nem sempre as opiniões foram boas. Foi a partir dessa época que Cony começou a ser visto por meio de outros olhares, não tão complacentes com a sua escrita. Ao publicar Pessach: a travessia, em 1967, o mundo das críticas se abriu diante dele com duras polêmicas. O jornalista que, até então, dizia o que pensava e escrevia o que vivia, contou a história de um personagem que apenas via de longe um acontecimento, narrando uma experiência, a da luta armada, que ele nunca se propôs a viver. Tantas críticas a essa narrativa gerou o estranhamento da pesquisadora Beatriz Kusnir:

[...] foi a perspectiva de condenar ou aprisionar um autor à camisa-de-força das suas experiências pessoais. Assim, será que um escritor ficcional só pode narrar acontecimentos de que tenha participado? Ou será que iluminar uma determinada região pelo foco do não engajamento condena a narrativa a um segundo escalão? [...] Na sua perspectiva, Pessach pode auxiliar na

reflexão de uma história intelectual e das tramas da sociabilidade de uma geração por um outro foco (2000, p. 222).

É por esse foco, pela via do não tradicional, que se entende a importância da narrativa de Cony, que, como jornalista e como ficcionista, possui legitimidade para embrenhar-se na história, estando ou não lá, ou mesmo para inventá-la. O fato é que esse foi um livro emblemático, principalmente por ter sido escrito após a forte atuação política do autor no jornal Correio da Manhã. Em cada uma das suas edições, Pessach teve um colaborador na orelha do livro. Na primeira, foi o filósofo Leandro Konder, que afirmou que só escreveria se pudesse dizer o que pensava e para isso teve o apoio do próprio Cony. Assim fez, elogiou a parte inicial: "a primeira parte deste livro pode ser incluída entre as melhores páginas da ficção brasileira de todos os tempos" (KONDER, 1967, orelha). Quanto aos outros trechos, Konder lançou sua crítica:

[...] ao abandonar o "pequeno mundo" privado e ao lançar-se resolutamente à abordagem de questões mais difíceis de serem tratadas em termos ficcionais, Cony mostrou que a sua experiência já realizada como romancista não matou nele a inquietação, a audácia na busca de caminhos novos. Ao meu ver, a audácia acarretou certo prejuízo estético para a unidade, o equilíbrio da obra (1967, orelha).

Konder, em entrevista a Kusnir, afirmou que a segunda parte do livro é uma aventura criativa, o que é direito de todo autor que trabalha no campo da ficção, mas arriscada por enveredar por um caminho que ele não domina (KUSNIR, 2000, p. 236) e declarou, ao fechar a orelha do livro, que Cony estava consciente do que fazia.

Ostensivas críticas à opção ficcional do escritor foram comuns à boa parte dos intelectuais da época acostumados às crônicas autorais e de enfretamento de Cony, sempre engajado em questões que, devido à seriedade que carregavam, não poderiam, segundo os críticos, correr o risco de se desmoralizarem ou se banalizarem por meio de uma linguagem ficcionalizada.

Nas reedições de 1975 e de 1997, o texto da orelha de Pessach foi escrito pelo jornalista Paulo Francis, que declarou, diretamente a Cony, “que este livro podia enterrá-lo. Nos conturbados anos de 1960 e 1970, parece que Francis acertou, momentaneamente, na profecia. Cony deixou a literatura por longos vinte e um anos.” (KUSNIR, 2000, p. 238).

Com toda a polêmica instaurada sobre a obra e sobre o autor, até quem antes o defendia e o elogiava passou a criticá-lo. Cony acusa os intelectuais de patrulhamento e censura. Afirma que o livro:

[...] foi sabotado de toda maneira, inclusive dentro da editora, a Civilização Brasileira. Havia um grupo grande do Partidão com interferência na editora. O livro foi considerado uma pedra no sapato. Achava-se que não era o momento de questionar a pureza ideológica, a pureza tática da esquerda. Ora, não fiz outra coisa a não ser isso. Levei para a ficção o meu questionamento como jornalista. Não é porque eu critico o vencedor que estou dando razão ao vencido (CONY apud KUSNIR, 2000, p. 238).

Leandro Konder manteve uma posição crítica mais defensiva do autor ao afirmar, ainda na orelha do livro, que:

Ele se dispôs a pagar o preço que lhe era exigido por um imperativo ético. Depois de se ter empenhado de corpo e alma na luta política como jornalista [...] ele se sentiu obrigado a empenhar-se igualmente como romancista. Através da ficção, este intelectual inteiriço e combativo lança agora o seu protesto contra alguns aspectos terríveis da realidade política e humana do Brasil atual. E este protesto, seguramente, vai dar muito o que falar (1967, sem paginação).

Outros jornalistas do período também se empenharam na defesa de Cony como Ferreira Gullar, Rui Castro, Jânio de Freitas e Sérgio Augusto, grupo que se reunia com frequência, prática comum aos intelectuais da época.

No documento julianadecastromillen (páginas 31-34)

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