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O discurso da notícia

No documento julianadecastromillen (páginas 113-117)

2 QUASE CARLOS HEITOR CONY

5.2 SOBRE NOTÍCIA E CRÔNICA

5.2.1 O discurso da notícia

Vida fluindo Pelos cilindros, Rolando Em cada bobina. Rodando Em cada notícia. No branco da página Explode. Todo jornal é explosão. Carlos Drummond de Andrade63

A palavra, como lembra Cony (2001b), constrói e reconstrói o mundo, dá um novo sentido à vida e aos fatos cotidianos: “A palavra é material plástico demais, serve para tudo e para nada. O jornalista dela se utiliza, primariamente, para dar uma informação ou uma opinião” (2004a, p. 330). Palavra essa que Cony transformará em notícia. O primeiro passo na construção do que é notícia reside no sentido do que propõe o professor Nilson Lage, em Ideologia e técnica da notícia: “a notícia é articulação simbólica que transporta a consciência do fato a quem não o presenciou” (2001, p. 49).

A essa afirmação, aderem-se outras duas que complementam a reflexão. Na década de 1970, Cremilda Medina, amparada numa visão marxista, avisava que a notícia, sob o complexo mercantil, nada mais é do que um produto de consumo da indústria cultural. Se é produto, acrescenta Lage, deve ter acabamento padronizado, obedecendo à lógica de mercado estabelecida pela classe dominante.

A esse ponto, é necessário que nos perguntemos: então, se é produto, se tem acabamento padronizado e se obedece à lógica de uma classe dominante, a notícia é o relato do fato ou um fato novo? Quem responde a essa indagação é Jorge Pedro Sousa, para quem as notícias podem representar a realidade, embora não sejam a realidade e nem o seu espelho. Entretanto, é fato incontroverso que elas contribuem para a construção de imagens da realidade, para a construção de significações sobre os acontecimentos e ideias e para a escolha de temas na lista de preocupações do público:

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Drummond publicou esse poema na capa do caderno comemorativo das novas instalações do Jornal do Brasil, em 15 de agosto de 1973. (COSTA, 2005, p. 115-116).

O jornalismo é, portanto, uma modalidade de comunicação social rica e diversificada. Não há um jornalismo. Há “vários” jornalismos, porque também há vários órgãos jornalísticos, vários jornalistas, várias pessoas que podem ser equiparadas a jornalistas, vários contextos em que se faz jornalismo. (SOUSA, 2001, p. 15).

Cony, em entrevista, refletiu criticamente sobre a relação entre imprensa e sociedade no momento em que a notícia se tornou um bem de consumo, as vendas aumentaram e o jornalismo passou a ser uma empresa interessada em atender à classe alta dominante:

A imprensa moderna, altamente competitiva e cara, não chegou a mutilar o gênero, mas direcionou-o à estratégia geral do que hoje se chama “comunicação”. Numa palavra: exige que tudo o que é veiculado no jornal ou revista, das condições do tempo ao desempenho das bolsas, seja útil ao leitor, seja aquilo que nas redações é chamado de “serviço”. Daí que sobra um espaço reduzido ao cronista sem assunto, sem informação e sem outro serviço que não o estilo mais sofisticado que só será apreciado por determinados leitores e não pela massa consumidora do jornal ou revista (2014a, não paginado).

Com essa ponderação, Cony propôs que pensemos sobre o real significado da palavra comunicação. Entende-se que, para o autor, comunicar é um ato social, uma troca mútua, ao invés disso, os veículos destinados a essa função fazem desse canal uma forma de segregação social no qual poucos entendem os textos opinativos e com uma linguagem mais elaborada e a massa se contente com o que lhes parece óbvio e imutável como dados, tabelas e gráficos.

Os veículos impressos, além do aspecto visual, oferecem a oportunidade do contato tátil-sensível, em um tempo diferenciado de outros veículos de comunicação – como a internet, por exemplo – para a experiência de fruição do processo de produção-recepção. Em função disso, deveriam aproveitar do suporte que dispõem para dedicar a maior parte de suas notícias aos leitores que estão dispostos a usufruírem de um tempo leitura superior ao que normalmente é dispensado a outras mídias.

Diante desse pensamento, torna-se relevante a análise do conceito de notícia a partir de teóricos que substantivam seu significado para o jornalismo. O ponto de partida é o princípio básico de que os acontecimentos são transformados em notícias pelo sistema jornalístico e que a notícia deve ser recente, imediata, verdadeira, objetiva e de interesse público.

Segundo Adriano Rodrigues (1988), a notícia seria mesmo um meta- acontecimento, um acontecimento que se debruça sobre outro acontecimento, sendo tratado assim por ser notável, singular e potencial fonte de notícias importantes. Notícia e acontecimento estariam, aliás, interligados. Os assuntos noticiáveis variam e, entre aqueles considerados importantes hoje, muitos já não mais o serão amanhã.

Na direção do que argumenta Rodrigo Alsina: “notícia é uma representação social da realidade cotidiana, produzida institucionalmente e que se manifesta na construção de um mundo possível” (1996, p. 185). Para o autor, a principal função da notícia é “ser a mediação de algo” (ALSINA, 1996, p. 185). Ele valoriza sua concepção de signo, fruto da produção institucional com a capacidade de ger ar todo um universo social.

A significação desses aspectos reforça a afirmação de que toda realidade transformada em linguagem é uma forma de interpretação ou uma representação dessa realidade, como referenda Lúcia Santaella:

As linguagens não são inocentes nem inconsequentes. Toda linguagem é ideológica, porque ao refletir a realidade, ela necessariamente a refrata. Há sempre, queira-se ou não, uma transfiguração, uma obliquidade da linguagem em relação àquilo a que ela se refere. (1996, p. 330).

Da mesma forma, para Patrick Charaudeau (2003, p. 67), o fundamento de todo discurso está baseado nas condições enunciativas, responsáveis por permitirem que certo mecanismo de comunicação social possa produzir sentido.

Nesse aspecto, a notícia torna-se um produto de consumo e o jornalista tem um papel socialmente institucionalizado. No sentido dessa argumentação, pode-se considerar que:

Realmente, política e ideologia estão presentes na organização de todo noticiário, que não é neutro ou objetivo. O jornal, ao contrário do que apregoa a teoria da objetividade jornalística, engaja-se na divulgação de uma concepção de mundo. Ele não é um espelho do mundo, mas um aparelho produtor de interpretações do mundo. (MAGNOLI, 1996, p. 16).

De acordo com o que declara Magnoli, o jornalista é um leitor privilegiado dos acontecimentos do mundo real que, a partir deles, como explica Ronaldo Henn, “vai construindo mundos possíveis que logo transmitirá a receptores. [...] é um ser de

linguagem a processar ininterruptos recortes em um mundo que se força sobre ele, narrando-o e hierarquizando-o” (1996, p. 36).

Retomando a ideia de que toda linguagem é uma forma de ação, é possível perceber que: “ ‘dizer’ é, sem dúvida, transmitir ao outro certas informações sobre o objeto de que se fala, mas é também ‘fazer’, isto é, tentar agir sobre o interlocutor e mesmo sobre o mundo circundante” (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004, p. 72).

O fato de estar inserido naquele espaço garante ao enunciado um valor inquestionável, que ultrapassa o significado da mensagem e passa a ter um valor agregado às características do próprio suporte.

Também importa esclarecer que o jornalismo não admite um estilo, mas diversos, que são definidos de acordo com a natureza e a estrutura de cada órgão de comunicação social, embora existam elementos estilísticos comuns a vários veículos jornalísticos, como analisa Sousa:

Escrever sobre o que se sabe e contar bem o que há para contar representam, em última análise, os principais ingredientes da enunciação jornalística. Mas pode ser-se criativo, pode contar-se bem o que há para contar, respeitando-se as regras que fazem do texto jornalístico um texto informativo capaz de chegar a um grande número de pessoas. (2001, p. 19).

Mesmo diante dos elementos comuns, as notícias estão classificadas em gêneros jornalísticos, que variam de acordo com autores, que são dinâmicos, que se transformam através do tempo e que nem sempre dão contam de todos os formatos de redação existentes. Diante desses fatores, a classificação de Marques de Melo (2012) é a que se mostra mais ampla e atual, pois, diferente dos demais autores, é o único que categoriza os gêneros como hegemônico e complementares. O gênero hegemônico está dividido em informativo no qual estão nota, notícia, reportagem e entrevista; e o opinativo que agrupa carta, crônica, editorial, coluna, resenha, caricatura, comentário e artigo. No que Melo denomina de gêneros complementares, estão o interpretativo ou explicativo (dossiê, perfil, enquete, cronologia), o diversional ou de entretenimento (história de interesse humano; história coletiva) e o de serviço ou utilitário (indicação, cotação, roteiro, serviço).

Após revisão sobre gêneros jornalísticos, Lailton Costa (2008, p. 63) menciona que, apesar de mudanças decorrentes da internet, a exemplo dos blogs, vistos como páginas de “jornalismo pessoal”, propícios para a publicação de textos híbridos, os formatos da categoria opinativa pouco se modificaram. Marques de Melo

rebate: “os conteúdos da internet ainda não foram suficientemente estudados para permitir uma classificação e uma tipologia” (2012, p. 247).

Para Luiz Beltrão (1980, p. 14), a opinião é uma “função psicológica pela qual o ser humano, informado de ideias, fatos ou situações conflitantes, exprime a respeito seu juízo”. Isso significa que, para o autor, opinar demanda um conhecimento anterior, dados memoriais e sensoriais a respeito do objeto em questão.

O “monolitismo opinativo”, para Marques de Melo, “caracterizou a vida dos primeiros jornais e revistas, que eram obra de uma só pessoa” (2003, p. 101), como o primeiro jornal brasileiro, o Correio Braziliense, criado em 1808, editado em Londres, que expunha apenas o posicionamento de seu proprietário e produtor: Hipólito da Costa, o “primeiro jornalista brasileiro” (LUSTOSA, 2003, p. 11).

Cony tem “por norma achar que a verdade é uma questão de opinião e não de informação” (1999, 115). É por meio da crônica, inserida no gênero de conteúdo opinativo / argumentativo ou no “gênero comentário”, como atribui Manuel Carlos Chaparro (2008, p. 178), que o cronista melhor expressa esse pensamento.

No documento julianadecastromillen (páginas 113-117)

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