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3 LIBERDADE DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA

3.1 NA MÚSICA

Segundo Torres (2020, p. 1), durante o período militar, de 1965 a 1985, músicos como Chico Buarque, Tom Jobim, Gilberto Gil, Geraldo Vandré e Roberto Carlos tiveram de usar do jogo de palavras para que suas músicas passassem desapercebidas pela censura dos militares. “Apesar de Você”, música de Chico Buarque, onde o “você” era direcionado ao terceiro presidente do período da Ditadura Militar, Emílio Garrastazu Médici, passou pela censura militar vendendo mais de 100 mil cópias em uma semana. Após um jornal insinuar que a música era direcionada a Médici, Chico Buarque foi chamado para um interrogatório a fim de

prestar esclarecimentos, tendo a sua gravadora invadida e as suas cópias confiscadas e destruídas (TORRES, 2020, p. 1).

Conforme Costa (2016, p. 1), após a democratização brasileira, em 1988, apenas músicas contendo incitação à violência ou intolerância religiosa foram parar nos tribunais, como foi o caso da banda mineira UDR, que foi denunciada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Segundo o autor, o Ministério Público abriu uma denúncia contra a banda por “incitação à crimes de estupro de vulnerável, homicídio e uso de drogas e disseminação de preconceito religioso por meio das letras de músicas satíricas”, sendo condenados a três anos, oito meses e 22 dias de prisão e 120 dias-multa (COSTA, 2016, p. 1).

Costa informa que o repertório da banda UDR conta com as músicas Bonde da Orgia de Travecos, Bonde do Aleijado, Gigolô Autodidata, Rock and Roll Anti Cósmico da Morte, Bonde da Mutilação, Você é Moderno e Eu te Odeio e, ainda, Todos os Nossos Fãs são Gays (2016, p. 1).

Costa aponta, ainda, a opinião do advogado Vianna Filho, que acredita que a decisão em relação à mencionada banda é equivocada e dá visibilidade desnecessária à uma banda que atua em um nicho pequeno. Segundo as palavras de Vianna Filho,

“casos como este, para os quais não há critérios absolutamente objetivos, envolvem uma carga maior de subjetividade. Ele argumenta que tanto a denúncia quanto a decisão do juiz podem ter sido motivadas por visões ideológicas ou religiosas diante da violência das letras da banda” (2016

apud COSTA, 2016, p. 1).

Como destaca Rangel (2005), o funk é conhecido por suas letras polêmicas, muitas vezes retratando a vida humilde e, em outras, a ostentação, a luxúria e a criminalidade, este último tema, por diversas vezes, tem sido alvo da justiça por apologia ao crime. Em 2005, a polícia indiciou 13 funkeiros que se apresentaram em bailes no Rio de Janeiro, conhecidos como “proibidões”, sendo acusados de apologia ao tráfico de drogas, com músicas exaltando e glamourizando a vida criminosa. Além dos funkeiros, o dono de uma rádio que transmite as músicas por meio da internet também foi preso (RANGEL, 2005).

Há também, oferecimento de denúncias de alguns Estados contra cantores de funk. Por exemplo, contra o conhecido “Funk Proibidão” que, em suas músicas, contém letras de baixo calão, obscenidades, apologia ao crime e, em alguns casos, apologia ao assédio contra mulheres. Um caso exemplar é o Pr ocesso

nº 0002438-06.2014.8.19.0001, movido pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em desfavor de Paulo Ricardo Martins de Oliveira por apologia ao crime, por conter, em suas músicas, as seguintes frases: “'piranha de Camará pode fumando o boldinho'; 'se o playboy botar na Vila vai tomar de para-fal' 'nós vamos dominar a pedreira, vai virar peneira'; 'vai morrer quem mandou mexer’” (MIGALHAS, 2015, p. 1).

O funkeiro MC Maneirinho, considerado um dos maiores nomes do funk no Brasil, conforme a matéria escrita por Ernani (2020), recebeu uma intimação da polícia por apologia ao crime. O funkeiro mostrou-se indignado com as acusações, relatando que suas músicas servem para “retratar o que acontece nas comunidades”, questionando se a polícia também investigará pessoas como Wagner Moura por sua interpretação de Pablo Escobar ou “os playboys que sobem o morro para retratar o que acontece na favela nos documentários”. (ERNANI, 2020, p. 1).

Nos Estados Unidos, músicas com apologia ao crime até podem ser passíveis de processos criminais movidos pelo Estado, porém sempre terminam favoravelmente aos cantores por conta da primeira emenda. Muitos rappers utilizam- se da música para demonstrar a realidade que vivem ou, até mesmo, utilizam-se dela como forma de protesto por conta da violência policial sofrida, inclusive utilizando palavras pesadas que, muito provavelmente, seriam recebidas de forma negativa em nosso país. No entanto, nos Estados Unidos é visto como algo comum, além de estar coberto pela Primeira Emenda à Constituição (HUDSON JR., 2020).

A icônica música “Fuck tha Police”, do grupo N.W.A, é considerada, até hoje, pela comunidade negra norte-americana, como um grito de revolta contra a violência policial direcionada à população negra nos Estados Unidos, contendo frases muito polêmicas como: “olham o meu carro, procurando algum produto acham que todos os negros vendem narcóticos”, “vocês preferem me ver na penitenciária, do que eu e Lorenzo andando por aí de Mercedes-Benz”, “espanco um polícia de uma tal maneira, quando eu terminar, tragam a fita amarela”, “a polícia acha que tem autoridade de matar uma minoria”, além de outras frases marcantes que, até os dias de hoje, ecoam fortemente na juventude negra que vivencia isso em seu dia a dia. (SABAGGA, 2018).

Segundo Pinheiro (2020), esta música passou por inúmeras tentativas de censura. A rádio australiana Triple J foi proibida, pela Corporação de Transmissão Australiana, de tocar novamente o hit. Como resposta, a rádio tocou “Express

Yourself”, outra música do N.W.A, que trata acerca da liberdade de expressão e das restrições impostas a outros rappers nas rádios, tocando-a durante 24 horas ininterruptas.

Conforme Sabbag (2018), a censura mais icônica recebida pelo grupo, foi a uma carta escrita pelo próprio FBI, enviada à gravadora Priority Records, acusando a música “Straight Outta Compton” de estimular a violência e o desacato em relação às autoridades da lei. Porém, como relata o autor, a carta gerou apenas mais publicidade ao grupo, iniciando discussões sobre a censura.

No clipe da música Babushka Boi, o rapper norte-americano A$AP Rocky é mostrado como o chefe de uma quadrilha de assaltantes de bancos que efetua um assalto à mão armada em um banco e foge, sendo, logo em seguida, perseguida por policiais caracterizados literalmente de porcos, termo pejorativo a policiais norte- americanos, que se equipara ao termo “coxinha”, utilizado para insultar policiais brasileiros e pessoas conservadoras. No final do vídeo, a quadrilha assassina os policiais em uma “troca de tiros”, aparecendo, em seguida, a cena de um açougue mostrando salsichas e linguiças de porco, dando a entender de que este foi o fim dos policiais. (ROCKY, 2019)

Em terras brasileiras, todos esses artistas seriam processados pelo Estado por apologia ao crime, isso se a composição chegasse a ser aprovada por uma gravadora brasileira.

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