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Manifestação artística x liberdade de expressão no Brasil : fragilidades, limites e as diferenças e semelhanças em relação ao ordenamento jurídico dos EUA

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Academic year: 2021

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ROBERT CARDOSO RODRIGUES

MANIFESTAÇÃO ARTÍSTICA X LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO BRASIL: FRAGILIDADES, LIMITES E AS DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS

EM RELAÇÃO AO ORDENAMENTO JURÍDICO DOS EUA

Araranguá 2020

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MANIFESTAÇÃO ARTÍSTICA X LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO BRASIL: FRAGILIDADES, LIMITES E AS DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS

EM RELAÇÃO AO ORDENAMENTO JURÍDICO DOS EUA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profª Fátima Hassan Caldeira, Drª

Araranguá 2020

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ROBERT CARDOSO RODRIGUES

MANIFESTAÇÃO ARTÍSTICA X LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO BRASIL: FRAGILIDADES, LIMITES E AS DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS

EM RELAÇÃO AO ORDENAMENTO JURÍDICO DOS EUA

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Araranguá, 11 de dezembro de 2020.

______________________________________________________ Professora e orientadora: Fátima Hassan Caldeira, Dra.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Elisângela Dandolini, Esp.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Nádila da Silva Hassan, Esp.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, ao meu pai, Severino Pinto Rodrigues, por todo o esforço investido na minha educação, acreditando em meu sonho de se tornar Bacharel em Direito no ano de 2015.

À minha mãe, Valkiria Cardoso, que me deu suporte e conselhos durante a minha jornada universitária.

À minha orientadora, professora Fátima Caldeira Hassan, que mesmo com seu escasso tempo durante todo o processo de criação deste trabalho de conclusão de curso, me deu todo e qualquer suporte e auxílio, tornando possível a conclusão desta monografia.

Igualmente, agradeço a todos os professores com quem cruzei o caminho, que desde o primeiro dia até a data de conclusão compartilharam seus vastos conhecimentos e, de certa forma, tornarão e influenciarão o meu “eu” profissional no futuro.

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“Quando a liberdade de expressão nos é tirada, logo poderemos ser levados, como ovelhas, mudos e silenciosos, para o abate” (George Washington)

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RESUMO

A presente monografia procura efetuar uma análise acerca da liberdade de expressão brasileira diante da liberdade artística, comparando-a com a liberdade de expressão prevista no ordenamento jurídico dos Estados Unidos da Améric a, buscando semelhanças e diferenças, além de avaliar os limites da própria liberdade de expressão que o Estado brasileiro impõe. Utilizou-se da pesquisa bibliográfica e documental para alcançar esses objetivos. Concluiu-se que a liberdade de expressão é um dos mais importantes direitos fundamentais encontrados no rol do art. 5° e no art. 220 da Constituição Federal Brasileira de 1988, em que se defende o direito à liberdade de expressar-se em atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença. Ademais, levando-se em conta que a Constituição Federal defende a liberdade de expressão, ela aponta, também, seus limites, repudiando o racismo, a discriminação de sexos, de religião e de nacionalidade, buscando, ao máximo, cessar o discurso de ódio que tanto tem imperado. Mas, apesar da liberdade de expressão servir para que discursos, até mesmo os discursos que podem ser considerados ofensivos, sejam expostos sem medo de que a mão invisível do Estado reprima-o, tem que haver um balanço, visando buscar defender e assegurar os direitos fundamentais do ser humano, especialmente no que diz respeito às manifestações artísticas.

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ABSTRACT

This monograph seeks to carry out an analysis of Brazilian freedom of speech in the artistic freedom, comparing with the freedom of speech provided by the legal order of the United States of America, looking for similarities and differences, to evaluate the limits of freedom of speech that the Brazilian State imposes. Bibliographic and documentary research been used to achieve these objectives. The conclusion was that the freedom of speech is one of the most important fundamental rights founded in the art. 5° and art. 220, both coming from the Brazilian Federal Constitution of 1988, that defends the right of freedom of speech, protecting the intellectual, artistic, scientific and communication activities, regardless of censorship or license. Furthermore, given how the Federal Constitution defends freedom of expression, it also reveal their limits, repudiating racism, discrimination of genre, religion and nationality, seeking, at the most, to stop the hate speech that has reigned for so long. But, besides freedom of speech assure the right of expression, even preserving the right of expressions that may be considered offensive without the fear that the invisible hand of the State could represses it, it has to be a balance, defending and ensuring the fundamental rights for the human beings, especially about the artistic manifestations.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 8

2 LIBERDADE DE EXPRESSÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL ... 10

2.1 NO MUNDO ... 12

2.2 NO BRASIL ... 14

2.3 LIBERDADE DE EXPRESSÃO E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ... 19

2.4 LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO DIREITO BRASILEIRO ... 21

2.4.1 Liberdade de manifestação de pensamento ... 22

2.4.2 Liberdade de reunião ... 24

2.4.3 Liberdade de informação ... 25

2.4.4 Da relativização dos direitos fundamentais ... 26

2.4.5 Métodos da ponderação na solução de conflitos entre direitos fundamentais ... 26

2.4.6 Posição do Supremo Tribunal Federal (STF)... 28

2.5 UMA VISÃO DO DIREITO COMPARADO SOB A ÓTICA DA PRIMEIRA EMENDA À CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA ... 28

3 LIBERDADE DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA ... 33

3.1 NA MÚSICA ... 33

3.2 NA LITERATURA ... 36

3.3 NO HUMOR ... 38

3.4 DECISÕES JURISPRUDENCIAIS ACERCA DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA NO BRASIL ... 42

4 CONCLUSÃO ... 45

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca esclarecer o conceito da liberdade de expressão no Brasil e os temas que a cercam, fazendo, também, a comparação de nossa liberdade de expressão com a liberdade de expressão dos Estados Unidos da América, tendo como foco o setor artístico e cultural. Para tanto foi utilizada a pesquisa bibliográfica e documental para sua realização.

A liberdade é um direito e uma garantia fundamental, sendo prevista no rol de direitos fundamentais do art. 5° de nossa Constituição Federal de 1988, buscando dignidade ao ser humano após os terríveis tempos de censura e de imposições da Ditadura Militar e do Ato Institucional nº 5.

Desde Sócrates, que foi condenado à morte pelo Estado por não reconhecer seus deuses e corromper a juventude ateniense com a sua filosofia de vida, na época de 399 a.C., a liberdade de expressão vem caminhando a passos curtos, sendo modificada e adaptada conforme nossa sociedade evolui.

Inúmeras figuras históricas sofreram, no passado, por emitirem uma opinião que contrariasse o entendimento social da época. Podemos citar como exemplo, Nicolau Copérnico, o primeiro cientista europeu que levantou a ideia de que a Terra e outros planetas giravam em torno do Sol, indo totalmente c ontra a interpretação bíblica da Igreja Católica na Idade Média, que, por medo de represálias, publicou seu trabalho quatro décadas depois, em seu livro “Os Movimentos dos Corpos Celestes”, no ano de 1543, mesmo ano de sua morte. A igreja condenou seu livro por heresia e colocou sua obra na lista de livros proibidos, sendo aceito, pelo Vaticano, somente 292 anos depois, no ano de 1835.

Além de Nicolau Copérnico, Joana D'Arc, Galileu Galilei, Giordano Bruno, Gulag, os campos de concentrações nazistas que dizimaram minorias e a ditadura militar brasileira que censurou, torturou e assassinou pessoas contrárias ao regime, as diversas ditaduras na África, a Coréia do Norte, são exemplos de como a liberdade de expressão deve ser expressamente defendida.

Esse trabalho de conclusão de curso foi dividido em dois capítulos. O primeiro capítulo trata do conceito de liberdade de expressão, sua relação com os direitos fundamentais e o princípio da dignidade da pessoa humana, reproduzindo o ordenamento jurídico no que concerne a este direito. Sequencialmente, relata o surgimento da importância da liberdade de expressão nos primórdios e ao redor do

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mundo, desde a Grécia Antiga até os dias atuais, reservando um subcapítulo para a história da liberdade de expressão no Brasil, relatando desde o descobrimento até os dias atuais.

Em seguida, há o esmiuçamento do que a Constituição Federal de 1988 defende em relação à liberdade de expressão, tratando de descrever e ponderar a respeito da liberdade de manifestação de pensamento, da liberdade de informação e da liberdade de reunião, contendo posições doutrinárias sobre o tema, além de descrever quais os métodos utilizados na solução de conflitos e citando, ainda, a posição do Supremo Tribunal Federal acerca do assunto.

Reservado foi um subcapítulo para discorrer sobre a primeira emenda à Constituição dos Estados Unidos da América, que assegura a liberdade de expressão até mesmo para o discurso mais ofensivo e controverso de repressão do governo, construído em cima da ideologia do afrouxamento da mão do Estado no que tange à emissão de opiniões, acreditando que a melhor maneira de combate-se um discurso ofensivo seria com o debate de opiniões e não por meio da coibição e da restrição da opinião contrária.

O segundo capítulo trata da liberdade de expressão artística, retratando casos de brasileiros e de estrangeiros que utilizam de sua expressão na área musical, literária e humorística. Comparam-se as culturas brasileira e americana, distinguindo suas diferenças, observando que a liberdade de expressão ocasionalmente tem seus limites, considerando as suas diferenças por conta da cultura de ambos os países. Em seguida, são brevemente levantadas decisões jurisprudenciais acerca da liberdade de expressão.

A liberdade de expressão é um dos direitos fundamentais mais importantes de nossa democracia, que por meio de brechas do nosso ordenamento jurídico podem ser utilizadas de má-fé por figuras influentes e poderosas contra a sociedade, vindo a cercear e calar pessoas que carregam opiniões contrárias. Tal direito é essencial, e já se encontra intrínseco no ser humano, principalmente nos que vivem em países de primeiro mundo.

O nosso ordenamento jurídico basicamente direciona-se conforme a famosa frase de Helbert Spencer, "A liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro", impondo limites àqueles que abusam deste direito, buscando defender a dignidade da pessoa humana.

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2 LIBERDADE DE EXPRESSÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL

Segundo Vianna, o termo direito fundamental pode ser conceituado como um direito inerente ao ser humano, como por exemplo, os direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à dignidade e, inclusive, o direito de se expressar. São, portanto, direitos que integram o ser humano, provendo-lhe uma vida digna (2013, p. 1).

Tais direitos são percebidos como direitos fundamentais desde a Constituição do Império de 1824, passando a estar presentes em todas as Constituições desde então. Para Leite e Heuseler (2020, p. 1) “a defesa da liberdade de expressão e sua relevância para dignidade humana começou a partir do século XVIII e, progressivamente passou a integrar as Constituições liberais, reconhecida como direito fundamental”.

Em nosso país, a liberdade de expressão é constitucionalmente prevista, como um de nossos direitos fundamentais, em seu art. 5º, inciso IV, garantindo plena autonomia, sendo vedado apenas o anonimato. No entanto, segundo Freitas e Castro (2013, p. 349) “é importante ressaltar que essa liberdade, como as demais, não é de fruição ilimitada”, pois, conforme o disposto no art. 5º, inciso II da Constituição, “a liberdade de escolha estará sempre limitada pela integralidade do ordenamento jurídico” (FREITAS; CASTRO, 2013, p. 349).

Silva destaca o art. 220 da Constituição Federal, que afirma que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. Segundo o autor, o texto é taxativo em relação às suas últimas palavras “nos termos desta Constituição”, não deixando, assim, qualquer tipo de brecha à relativização da liberdade de expressão utilizando-se de lei infraconstitucional. Dessa forma, segundo destaca o autor, apenas a Magna Carta tem competência para relativizar a liberdade de expressão (SILVA, 2011, p. 1).

Conforme Leite e Heuseler (2020, p. 1), a liberdade de expressão abrange várias espécies dentro de nosso ordenamento jurídico, como, por exemplo, a liberdade de imprensa e a liberdade religiosa, sendo dotada de fundamental importância, por exemplo, para a afirmação do Estado Laico ou, ainda, para que políticos não usem do Estado para censurar jornalistas ou manchetes publicadas contra sua pessoa.

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Mas, apesar de muito importante, este direito não se sobrepõe a outros direitos fundamentais tão essenciais quanto. Por isso, as palavras de Fernandes, quando afirma que

Nesses termos, para a doutrina dominante, falar em direito de expressão ou de pensamento não é falar em direito absoluto de dizer tudo aquilo ou fazer tudo aquilo que se quer. De modo lógico-implícito a proteção constitucional não se estende à ação violenta. Nesse sentido, para a corrente majoritária de viés axiológico, a liberdade de manifestação é limitada por outros direitos e garantias fundamentais como a vida, a integridade física, a liberdade de locomoção. Assim sendo, embora haja liberdade de manifestação, essa não pode ser usada para manifestação que venham a desenvolver atividades ou práticas ilícitas (antissemitismo, apologia ao crime, etc.) (2011, p. 279). O entendimento é de que somos livres para emitirmos a opinião que quisermos, desde que não utilizemos esta liberdade para promover o ódio, ações violentas ou ilícitas. Nuno e Souza (1984 apud TAVARES, 2012, p. 633) realça que “toda a liberdade tem limites lógicos, isto é, consubstanciais ao próprio conceito de liberdade”. A própria Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão é clara em seu art. 10:

Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei (FRANÇA, 1789).

Segundo Freitas e Castro, estes limites, em teoria, são estabelecidos mediante leis que integram o ordenamento jurídico e que preveem deveres ou repressões derivados de leis em sentido estrito, tendo, como parâmetro de limitação da liberdade de expressão, a vontade popular, de tal modo a que se alcance a defesa do interesse coletivo da população. Assim, para os autores, “decretos regulamentares, portarias e outros dispositivos não teriam legitimidade popular para tanto e seriam tentativas infrutíferas em face da legalidade” (FREITAS; CASTRO, 2013, p. 335).

Para Moraes e Moreira (2020, p. 8), “a liberdade de expressão não pode sofrer nenhum tipo de limitação prévia (controle preventivo), sendo que a proibição da censura corresponde ao aspecto negativo da liberdade de expressão, em contraposição ao aspecto positivo de proteção da exteriorização da opinião”.

Para Denny e Tranquilim, a liberdade de expressão, sendo um dos principais direitos fundamentais da Constituição Federal, aparece como um dos pilares da nossa democracia, mas não como garantia intrínseca da mesma, tendo

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valor fundamental em sociedade democrática que se baseia no consenso (2003, p. 4).

2.1 NO MUNDO

As primeiras evidências acerca da liberdade de expressão surgiram na Grécia Antiga, onde surgiram questões sobre o próprio ser humano, ressaltando a importância do homem como um ser dotado de conhecimento e livre, uma visão diferente da comum em uma época em que a mitologia reinava. Nesta mesma época, em sua obra “A Política”, “Aristóteles definiu o homem como um ser político, capaz de se organizar, raciocinar, viver em sociedade e construir ideias” (ARISTÓTELES, 2004 apud CAETANO, 2016, p. 4).

Conforme estes pensamentos foram sendo trazidos à tona, ao longo dos anos, os primeiros indícios da democracia foram surgindo, limitando o poder estatal com representantes do povo, escolhidos pelo próprio povo. Após a Antiguidade Clássica, chega o período da Idade Média, segregando o poder político, como os cleros e os diversos reinos feudais, tornando alguns direitos conquistados inválidos para a maioria da população, tendo direito a estes direitos apenas uma minoria subordinada (FERREIRA FILHO, 1998 apud CAETANO, 2016, p. 5).

A Magna Carta Libertatum, do ano de 1215, foi assinada à força por João Sem-Terra, um importante documento que possibilitou a criação de vários direitos humanos que não seriam possíveis por meios democráticos. Posteriormente, conforme Caetano (2016, p. 6), este documento “garantiu ao povo direitos como a liberdade de ir e vir, a possibilidade de a população ter acesso à propriedade privada, oportunizando direitos como a herança, à proibição de impostos abusivos e a desvinculação da lei e da jurisdição da pessoa do monarca”.

Segundo Ville, a primeira lei que tratou especificamente sobre a liberdade de expressão foi o Bill of Rights - a Declaração de Direitos, de 1689, considerado um dos pilares do sistema constitucional do Reino Unido, que estabelece limites aos poderes da monarquia inglesa (2009, p. 1). A mesma diz, em um de seus trechos, que “That the freedom of speech and debates or proceedings in Parliament ought not to be impeached or questioned in any court or place out of parlament”1.

1 “Que a liberdade de expressão, debates ou procedimentos no Parlamento, não devem ser impedidos ou questionados por qualquer tribunal ou local fora do Parlamento” (tradução nossa).

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Para Caetano (2016, p. 7), a grande mudança aconteceu nas Treze Colônias da América do Norte, com o aproveitamento da doutrina estabelecida por John Locke, surgindo o constitucionalismo, que teve reflexos na luta por direitos na Inglaterra.

Após esse acontecimento, em 1776, apareceram dois outros acordos que reafirmavam direitos e fortaleciam cada vez mais os ideais de uma vida humana com dignidade, respeito às liberdades individuais e garantias contra abusos, como é o caso da Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia que propunha o direito de liberdade, a vida e a felicidade dos seres humanos (CAETANO, 2016, p. 7).

Em 15 de dezembro de 1791, seguindo a proposta do Bill of Rights - Declaração de Direitos, de 1689, o direito à liberdade de expressão foi adotado e incrementado pelos Estados Unidos em sua Primeira Emenda à Constituição.

Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to assemble, and to petition

the government for a redress of grievances2 (UNITED STATES OF

AMERICA, U.S Constitution, 1791).

Na Europa, durante a Revolução Francesa, surge a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, inspirada nos ideais iluministas e liberais, trazendo consigo dezessete artigos que visam à liberdade e aos direitos fundamentais do homem, abrangendo todos os seres humanos, sem distinção. Ela foi a base para Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, promulgada pelas Nações Unidas.

No século XX, segundo Pinheiro (2006 apud CAETANO, 2016, p. 7-8) surge outro modelo de constitucionalismo, buscando assegurar direitos prestacionais, tais como a Constituição Mexicana de 1917, que dá ênfase aos direitos trabalhistas, e a Constituição Alemã de 1919, que traz a organização do Estado e que declara “direitos fundamentais e sociais já definidos por outras cartas”, sendo que ambas legislações são consideradas “documentos base do constitucionalismo social”.

Já em 1945, ocorre a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) e, em 1948, surge a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Tais eventos levaram a uma internacionalização dos direitos fundamentais, ultrapassando as

2 "O congresso não deverá fazer qualquer lei a respeito de um estabelecimento de religião, proibir o seu livre exercício restringindo a liberdade de expressão, ou da imprensa; ou o direito das pessoas de se reunirem

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fronteiras de um só Estado ou país. Afirma Agra (2018, p. 225) que a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, garante a liberdade de expressão de pensamento e de opinião: “liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independente de fronteiras” (AGRA, 2018, p. 212).

Para Brites (2020) essas manifestações de direitos outorgam a aprovação dos direitos fundamentais da humanidade, que se manifestaram em conquistas atingidas ao longo do percurso da história humana, estando a milhares de distância de se exaurirem e não podendo retroceder. Por conta desses direitos humanos, afirma o autor, os cidadãos mundiais adquiriram o direito de se expressarem livremente, não podendo ser punidos ou responder criminalmente por suas ideias e expressões, salvo se articuladas em prejuízo de outrem.

Como relata Brites (2020, p. 1), os gregos tornaram-se os primeiros a desenvolver a ideia de democracia no mundo. As nações evoluíram e desenvolveram-se como meio de amparo imprescindível à conservação desse sistema de dominação. O homem procurou libertar-se do poder dos influentes privilegiados por meio de batalhas e de confrontos, conquistando sua própria história. A cada ano que se passa, cada homem pode disseminar seu conteúdo por meio da liberdade de expressão por conta do passado. Em decorrência disso, os direitos humanos trouxeram força à liberdade, à independência, à autonomia e à iniciativa pela maneira de se expressar de cada indivíduo em sua Nação (BRITES, 2020).

Foi a partir desses marcos históricos que os países começaram a dar maior importância a esses direitos, levando à criação e à definição de outras espécies de direitos humanos, que variavam de acordo com suas necessidades e suas culturas, passando a serem vistos como algo que era necessário à limitação da tirania estatal e à garantia das liberdades individuais (CAETANO, 2016, p. 8).

2.2 NO BRASIL

A história do Brasil foi marcada, principalmente, pela sua violência, pelos portugueses exterminando e escravizando o povo indígena após o descobrimento do pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas reparações de queixas" (tradução nossa).

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Brasil, tendo, ainda, um longo caminho pela escravidão negra, que servia apenas como uma “propriedade”, sem quaisquer direitos e, tendo por fim, pequenos espaços de censura e autoritarismo, principalmente entre 1964 e 1985, período ditatorial brasileiro (PINHEIRO, 2014).

Denny e Tranquilim (2003, p. 6) relatam que Cabral encontrou, no Brasil, em 1500, “uma rede complexa e ampla de indígenas que exerciam o domínio sobre o território brasileiro, vivendo livremente numa sociedade organizada”. Assim, antes da escravidão dos negros, houve o uso do próprio índio como mão-de-obra, além de haver um grande interesse em nossos recursos naturais, sendo o maior exemplo dele, o pau-brasil, que, conforme o Ministério do Meio Ambiente (2012, p. 1), é árvore nativa da Mata Atlântica que foi extraída e exportada para as terras portuguesas durante anos, os quais, segundo Assis (2012), utilizavam esta matéria-prima para o tingimento de tecidos, devido à existência de um corante de coloração avermelhada chamado brasilina.

Assis (2012, p. 1) informa que a árvore pau-brasil “chegou a ser considerada extinta da natureza e, por pouco, não desapareceu, depois de 375 anos de exploração. Agora, ela é considerada a árvore nacional, está protegida por lei e não pode mais ser cortada das florestas.”

Segundo Pinsky (2010), o pau-brasil, além de outras matérias primas, era primeiramente conseguido através da troca de “quinquilharias” dadas pelos portugueses aos índios, porém ao passar do tempo, essa troca foi ficando cada vez menos eficiente, denotando desinteresse por parte dos índios perante os produtos europeus. Desta forma, o índio foi aos poucos sendo escravizado, sendo que, aproximadamente 300 (trezentos) mil índios foram caçados e aprisionados, sendo que alguns índios, inclusive, ofereciam familiares aos portugueses para venda ou em troca por alimentos.

O estado em que foi encontrado o homem que habitou as terras brasileiras foi o de liberdade natural, organizado de acordo como viviam os indígenas daquela época, o que foi sendo substituído, gradativamente, pelo escravismo e a morte de sua cultura e de seu povo, como resultado de um tratamento brutal por parte dos colonizadores, aliado à propagação de doenças trazidas da Europa que dizimou as populações indígenas e acabou com sua cultura (DENNY; TRANQUILIM, 2003).

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Após a escassez do trabalho indígena, veio a exploração do trabalho dos escravos negros, que, mediante a força, tinham que aceitar sua condição de escravos, naturalizando-se que houvesse um ser humano que pudesse ser considerado como inferior. Diante desse quadro, Denny e Tranquilim (2003, p .6) comentam que não há motivos de falar-se em liberdade nesta fase da história brasileira. Segundo os autores,

A vida, o trabalho, a dignidade dos negros não pertenciam a eles, mas sim aos seus senhores. E a liberdade de expressão? Se encararmos a liberdade de expressão como parte do sistema, estaríamos contradizendo todo o sistema ideológico escravista. Mas, se encararmos a liberdade de expressão como algo transcendente ao humano, como uma característica própria, podemos dizer que a liberdade não esteve presente em qualquer de suas formas, entretanto a expressão escravista se fez presente em toda a cultura brasileira. A maior forma de expressão que simboliza a luta pela liberdade escrava, foi ao nosso ver, a formação de quilombos (DENNY; TRANQUILIM, 2003, p. 6).

Pinsky (2010) diz que dentre outros motivos, os negros eram escravizados por serem prisioneiros de guerra, por dívidas, havendo, ainda, aqueles que eram vendidos por membros da família devido à fome, no entanto, ressalta-se que este último motivo acontecia com menos frequência. Segundo Pinsky (2010, p. 15) “antes do século XV, mercadores árabes levavam escravos negros para haréns ou para a escravidão doméstica que persistiu no Mediterrâneo na Idade Média”. A escravidão passou a ser a atividade predominante economicamente para grupos de escravistas por conta da matéria-prima que os europeus barganhavam em suas transações como tecidos, trigo, sal e cavalos. (PINSKY, 2010)

Para Pinsky (2010, p. 16), outros produtos passaram a ser utilizados para barganha a partir do contato frequente com as terras americanas. Afirma o autor que

A partir da intensificação do contato com a América, outros produtos passaram a ser trocados por escravos, como o tabaco, a aguardente e o açúcar. Assim, o sistema mercantil nos revela um elemento muito importante de sua perversidade intrínseca: escravos eram adquiridos pelos traficantes em troca de mercadorias produzidas pela força de trabalho escrava; e os novos cativeiros teriam por função reproduzir essa cadeia diabólica. A captação do escravo se dava principalmente por cidades portuárias como Luanda ou Benguela – que tinham conexões com agentes que, por sua vez, iam até regiões do interior para a realização do escambo. Dessa forma, uma rede extremamente complexa estimulava aquilo que era para os traficantes um comércio de mercadorias, de bens de troca e para os negros, um simples escambo, troca de bens de uso. (PINSKY, 2010, p. 16). Segundo Denny e Tranquilim, em 1808, D. João VI desembarca com toda a sua corte em terras brasileiras, em Salvador, no estado da Bahia, a fim de fugir das tropas napoleônicas. Neste período, nasceu o Correio Braziliense e a Gazeta do

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Rio de Janeiro, os dois primeiros jornais brasileiros, sendo que o Correio Braziliense era editado e impresso em Londres, capital da Inglaterra, por conta da censura e das possíveis retaliações que poderiam ser sofridas por parte de seus redatores (2003, p. 7).

Porém,

Outro golpe contra a censura foi dado pelas Cortes de Lisboa em 15 de fevereiro de 1821, com a inclusão da liberdade de imprensa entre as bases da Constituição. Em 2 de março deste ano, o governo de D. João VI baixaria um decreto abolindo a censura prévia no Brasil. A medida se tornaria lei morta, eis que em 9 de março as Cortes decretavam as Bases da Constituição. Em 19 de janeiro de 1822 (ano que o Brasil se tornaria independente de Portugal), José Bonifácio de Andrada e Silva, o ministro do Reino e de Estrangeiros baixaria portaria, garantindo, de vez, a liberdade de imprensa no Brasil. (DENNY; TRANQUILIM, 2003, p. 7).

Conforme Nunes (2010, p. 38), a revolução do Porto trouxe mudanças para a situação brasileira no que tange à liberdade de expressão. Em 26 de fevereiro de 1821, após um levante militar da Divisão Portuguesa que defendia o instantâneo reconhecimento da Constituição espanhola, frustrado pela intervenção de D. Pedro, D. João comprometeu-se a aceitar a Constituição que as Cortes elaboravam. Segundo a autora, este documento transcrevia a declaração francesa no que tange à liberdade de expressão. Posteriormente, ocorreu a abolição permanente da censura no Brasil, mais precisamente no dia 28 de agosto de 1821, com o advento da decisão do Ministério do Reino que considerava a sua manutenção “injusta” após as decisões das Cortes de Lisboa de acabar com a instituição em Portugal. Assim, tal decisão ordenava que não se proporcionassem impedimentos de publicação de nenhum escrito, obedecendo às mesmas regras impostas na Corte (NUNES, 2010).

Segundo a mesma autora, a liberdade que foi conquistada a partir da revolução do Porto deu autorização para que a imprensa tivesse um significativo papel no processo de independência. Para a autora, seu valor, como veiculadora dos projetos de emancipação do Brasil e peça-chave no alastramento dessas ideias é de fato indiscutível para a história brasileira, tanto em produções mais recent es quanto nas mais antigas (NUNES, 2010).

Conforme Brites (2020) a Constituição do Império do Brasil, de 1824, protegeu os direitos individuais do homem no que concerne à liberdade de expressão, a fim de garantir sua proteção no âmbito jurídico, sendo, posteriormente,

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moldados na Constituição de 1891, que possuía os conhecidos direitos e garantias individuais.

Brittes (2020, p. 1) afirma que

a Constituição de 1934 antepôs um capítulo destinado para a declaração de direitos, adicionando direitos de nacionalidade e políticos. O documento constituinte concebeu os direitos econômicos e sociais do homem, ainda que de maneira pouco eficaz. De maneira inovadora para o Brasil, trouxe, em seu conteúdo, a inviolabilidade aos direitos à subsistência, elevando estes, por conseguinte, também, à categoria dos direitos fundamentais do homem, trazendo os direitos econômicos e sociais do homem, dando nova dimensão aos direitos individuais.

Brites (2020, p. 1) relata que este direito foi mantido c om o advento da promulgação da Constituição de 1937, contudo, no época do Estado Novo, momento no qual o Brasil foi governado pelo presidente Getúlio Vargas, este princípio constitucional, que visava a proteger a liberdade de pensamento, ausentou-se, manifestando-se a censura e impedindo a publicação ou a reprodução de determinadas informações, procurando reprimir a liberdade de expressão no Estado brasileiro. Já a Constituição de 1946 veio dentro do novo período da redemocratização do Brasil, certificando a garantia da manifestação do pensamento, contendo, em seu texto, a promessa de livre manifestação do pensamento, sem censuras. Porém, o Presidente Getúlio Vargas veio a ocupar o poder novamente, editando a Lei nº 2.083, de 1953, chamada, à época, de Lei da Imprensa, que passou a regulamentar os crimes relativos a essa mídia, instaurando-se a repressão à liberdade de imprensa (BRITES, 2020).

Segundo Reimão (2014), após a promulgação da Constituição de 1967 e o Ato Institucional n° 5, foi oficializada a censura como um dos ofícios do governo federal, onde diversos escritores, editores, intelectuais, artistas, cientistas e professores mobilizaram-se para a queda do regime autoritário.

A Constituição de 1967 tentou adequar a liberdade de expressão aos princípios conservadores da ordem pública e dos bons costumes, prometendo sanções a todos que antagonizassem em contradição ao governo. Pinheiro (2014, p. 7) relata que o Estado, com um caráter antidemocrático, “restringiu ao máximo a liberdade de expressão em relação às Constituições anteriores”.

No mesmo ano, foi promulgada a Lei nº 5.250, regulando a liberdade de expressão e regularizando a censura aos espetáculos e diversões públicas, passando a ter um sistema ainda mais rígido no ano seguinte (PINHEIRO, 2014).

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Segundo Reis, as primeiras manifestações contra o golpe militar desenvolveram-se em 1968, já em 1977, começam o movimento estudantil e a luta pela anistia e, em 1978, começa o movimento operário, com a greve de São Bernardo (2005, p. 69). Ainda em 1978, por decisão arbitrária dos militares, o Ato Inconstitucional n° 5 foi revogado, tendo esta revogação, validade apenas no ano seguinte, 1979.

Reimão (2014, p. 1) relata que, segundo estimativas apresentadas por Zuenir Ventura (1988),

Nos dez anos de vigência do AI-5 (13 de dezembro de 1968 a 31 de dezembro de 1978), segundo estimativas apresentadas por Zuenir Ventura, 1.607 cidadãos foram atingidos direta e explicitamente por esse Ato com punições – como cassação, suspensão de direitos políticos, prisão e/ou afastamento do serviço público. No que tange ao cerceamento da produção artística e cultural, nos dez anos de vigência do AI-5 foram censurados, ainda segundo dados apresentados por Zuenir Ventura (1988, p. 285), "cerca de 500 filmes, 450 peças de teatro, 200 livros, dezenas de programas de rádio, 100 revistas, mais de 500 letras de música e uma dúzia de capítulos e sinopses de telenovelas".

Em 1988, foi promulgada, durante o governo do ex-presidente José Sarney, a atual Constituição Federal, conhecida como "Constituição Cidadã", sendo a sétima Constituição adotada no país. Segundo Brites (2020), nossa atual Constituição carrega, como um de seus fundamentos, dar maior liberdade e direitos ao cidadão, direitos estes que foram reduzidos durante o regime militar, além de manter o Estado como República Presidencialista.

2.3 LIBERDADE DE EXPRESSÃO E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Para Sarmento (2006, p. 48), a ausência do princípio da dignidade da pessoa humana tornaria nossa Constituição incompleta, uma vez que a dignidade da pessoa humana atua não somente como uma forma de limitar a interferência do Estado, mas como proveniência de deveres positivos, impondo ao Estado o dever de agir para promover e para defender a população das ameaças que poderão acarretar uma fragilidade à sua dignidade. Segundo o autor, este princípio também se estende a áreas das relações privadas, fundamentando obrigações que podem ser favoráveis ou desfavoráveis para os cidadãos, limitando e preservando proporcionalmente os interesses (SARMENTO, 2006).

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Freitas e Castro (2013, p. 329) afirmam que a dignidade humana “equivale a um valor existente em sociedade e que corresponde a uma ideia de justiça e de adequação essencial ao desenvolvimento da vida humana em sua plenitude.” Para os autores, por ser de valor social, ela poderá vir a ser alterada com o passar do tempo e dependendo de onde se encontra, havendo, dessa forma, variadas expectativas acerca da dignidade da pessoa humana devido a uma longa e extensa variação de visões políticas e sociais (FREITAS; CASTRO, 2013).

O Tribunal Constitucional Alemão, por exemplo, utiliza-se da dignidade da pessoa humana, tomando-o como norte no conflito entre direitos fundamentais, sendo o pináculo da hierarquia de valores, sendo o direito de maior valor. Segundo Cruz (2004), “seria a base material para configuração de todos os direitos fundamentais e suporte para realização da personalidade humana” (apud SILVEIRA, 2007, p. 69). Assim, tendo o valor da dignidade humana no topo da hierarquia dos valores constitucionais, a colisão entre direitos passou a ser resolvida pela sua densidade ou peso hierárquico. (SILVEIRA, 2007)

Conforme Brites (2020), atualmente, a liberdade de expressão é um direito fundamental e intransferível, inerente a todas as pessoas, sendo uma obrigação para a existência de uma sociedade democrática. A atual Constituição Federal evidencia a representação de uma técnica avançada que procura garantir a proteção aos direitos do homem, o que significa um grande desenvolvimento comunitário, fruto de conquistas históricas e sociais. Como se sabe e destaca a autora, as declarações de direitos surgiram para garantir, de modo estável e constante os direitos destacados como fundamentais à condição humana, inclusive a liberdade de se expressar.

Conforme Brites (2020, p. 1), após sua evolução constitucional, no Brasil,

os tratados internacionais de direitos humanos começaram a ser ratificados com a redemocratização do País, ocorrida após 1985, pois houve a possibilidade de incorporação de tratados internacionais de direitos humanos pelo Direito Brasileiro, por meio da ratificação, em 1989, da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes; desde essa ratificação, inúmeros outros importantes mecanismos internacionais de proteção dos direitos humanos foram também incorporados pelo Direito Brasileiro, sob a égide de nossa atual Constituição Federal de 1988.

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2.4 LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO DIREITO BRASILEIRO

Em 1988, o constituinte decidiu tomar a importante decisão de deixar a liberdade de expressão destacada no rol do art. 5° de nossa Constituição Federal como um dos direitos fundamentais mais importantes do ser humano, visto que, houve gravíssimas infrações a este direito durante o período militar, que perdurou de 1964 até 1985.

Para Freitas e Castro (2013), ela constitui-se na autenticação da plena autonomia para o seu exercício, com a única exceção que consiste em vedar o anonimato como forma de evitar a verbalização do discurso sem que o autor seja responsabilizado. É importante salientar, ainda, que essa liberdade, como as demais, não é de fruição ilimitada (FREITAS; CASTRO, 2013).

Os mesmos autores afirmam, acerca do discurso de ódio, que

Quanto ao discurso do ódio pode-se observar vedações expressas infraconstitucionais promovidas pela Lei n. 7.716/89, que tipifica, em seu artigo 20, como condutas criminosas, a prática da discriminação que deprecia e desqualifica em razão da raça, cor, etnia, procedência nacional ou religião. Fica claro, portanto, o limite promovido por texto de lei infracosntitucional à Liberdade de Expressão, consoante o artigo 5º, II da CF/88, que estabelece o princípio da legalidade. Entretanto, apesar de, num primeiro momento, essas questões doutrinárias e dogmáticas aparentarem já certa estabilidade, constata-se ainda que são controvertidas, especialmente quando se verificam decisões do Supremo Tribunal Federal, como esta que ora se tratará (FREITAS; CASTRO, 2013, p. 349).

A visão doutrinária acerca da liberdade de expressão, para Tavares (2012, p. 626), é ambígua, incerta e ausente de clareza, sendo que grande parcela de culpa é do próprio legislador constituinte por espalhar distintos conceitos acerca da liberdade de expressão no art. 5º da Constituição Federal de 1988. Segundo o autor,

Serve para agravar o problema o uso da locução liberdade de expressão no inciso IX desse mesmo artigo: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, o que deixa transparecer que a liberdade de expressão seria direito de natureza diversa, v. g., do direito à manifestação do pensamento, o qual tem como lastro o inciso IV do art. 5º da CF (TAVARES, 2012, p. 626). Para Tavares, o termo liberdade de expressão estende-se tanto à liberdade de pensamento como à de externar sensações, tornando-se um direito genérico que busca abarcar variadas situações e direitos conexos, o que não a restringe. Dentre os direitos presentes no gênero liberdade de expressão contamos com “a liberdade de manifestação de pensamento; de comunicação; de informação;

(23)

de acesso à informação; de opinião; de imprensa, de mídia, de divulgação e de radiodifusão” (TAVARES, 2012, p. 626).

Portanto, o que se pode depreender é que a Liberdade de Expressão não é absoluta, nem é um direito fundamental de hierarquia maior, aos moldes da tutela estadunidense. Essa Liberdade terá que ser compatibilizada com outros direitos fundamentais, em respeito ao sistema constitucional em vigor. Para tanto, poderá ser utilizada, em casos de violação de direitos, uma solução promovida pelo princípio da proporcionalidade ou da cedência recíproca entre valores constitucionais, ou ainda outros recursos disponibilizados pela hermenêutica. (FREITAS; CASTRO, 2013, p. 349).

2.4.1 Liberdade de manifestação de pensamento

A liberdade de manifestação de pensamento é prevista na Constituição Federal de 1988, no rol do art. 5° e, também, no art. 220.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; [...]

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística (BRASIL, CRFB, 2020).

Para Agra (2018), um dos pilares do regime democrático é a possibilidade de os cidadãos terem o direito de expressarem-se de acordo com o seu pensamento e as suas convicções, formando sua opinião e posicionando-se perante as decisões políticas tomadas pela população, apresentando uma relação intrínseca com a democracia. Segundo o autor, havendo restrições abusivas a esse direito, a expressão dos cidadãos estará reprimida, sem que eles possam manifestar-se de forma livre, totalmente contra o que é proposto em um regime democrático (AGRA, 2018).

Afirmam Paulo e Alexandrino (2017, p. 124) que qualquer pessoa, em princípio, “pode manifestar o que pensa, desde que não o faça sob o manto do anonimato. A proteção engloba não só o direito de expressar-se, oralmente, ou por escrito, mas também o direito de ouvir, assistir e ler”.

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Para os autores, a vedação ao anonimato tem como propósito assegurar a responsabilização do agente que acarreta danos a terceiros em consequência da expressão de juízos ou de opiniões ofensivas, levianas, caluniosas ou difamatórias, buscando, assim, impedir o abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e, ainda, a formulação de denúncias falsas, que, caso ocorram, terão consequências tanto na esfera cível quanto no âmbito criminal (PAULO; ALEXANDRINO, 2017)

Segundo Agra (2018), há dois modelos de liberdade de expressão: a) o modelo norte-americano, em que a liberdade de expressão é suprema e de extrema importância, pois o regime democrático não admite qualquer tipo de afrouxamento nos direitos individuais, sob pena de desvirtuar sua essência; e b) o modelo europeu, que procura garantir o pluralismo político, em que o interesse público deve ser mais importante que o interesse individual.

É importante destacar que, conforme Agra (2018), a liberdade de expressão sofrerá restrição somente quando ela for exteriorizada, pois permanecendo dentro da esfera mental, sua integridade estará resguardada, sem nenhuma penalidade contra sua pessoa. O autor cita, ainda, que, com relação a essas mitigações, elas podem ser preventivas ou repressivas, sendo as “preventivas aquelas que impõem restrições a alguns conteúdos, como bebidas alcoólicas, drogas, cigarros, materiais considerados pornográficos etc. A posteriori ocorre quando a prerrogativa analisada causar gravame ao regime democrático” (AGRA, 2018, p. 227).

O mesmo autor acrescenta ainda que

As restrições à liberdade de pensamento devem ser interpretadas de forma literal, só podendo ser realizadas quando houver uma base fática que as ampare. Sobre esse alicerce, a lei federal poderá disciplinar as diversões e espetáculos públicos, fixando as faixas etárias, os horários e os locais apropriados para a exibição de determinadas programações artísticas que tragam constrangimento para a moral e os bons costumes imperantes na sociedade. Também a propaganda comercial de bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos, terapias e tabaco estão sujeitas a limitações, devendo o seu conteúdo trazer advertência acerca dos malefícios provocados pelo seu consumo. E, por último, a propaganda de produtos, serviços e práticas que possam ser nocivas à saúde e ao meio ambiente deve ser restringida por meio de instrumentos legais, sendo disciplinada por normas de âmbito federal (AGRA, 2018, p. 227).

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2.4.2 Liberdade de reunião

O Direito de reunião encontra-se expresso no rol do art. 5°, no inciso XVI, garantindo o direito de manifestação de um interesse em comum.

Art. 5º [...]

XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente (BRASIL, CRFB, 2020). Sendo um meio de manifestação coletiva da liberdade de expressão, segundo Paulo e Alexandrino, engloba o mero intercâmbio de ideias, a divulgação de problema da comunidade ou a reivindicação de alguma providência, podendo ser em local aberto ao público ou envolver manifestações em percurso móvel, como as passeatas, os comícios, ou desfiles (2017, p. 141).

Mendes e Branco (2019, p. 436) afirmam que não basta que haja convocação sob certa liderança de um agrupamento de pessoas para que se aperfeiçoe a figura jurídica da reunião.

As pessoas devem estar unidas com vistas à consecução de determinado objetivo. A reunião possui um elemento teleológico. As pessoas que dela participam comungam de um fim comum – que pode ter cunho político, religioso, artístico ou filosófico. Expõem as suas convicções ou apenas ouvem exposições alheias ou ainda, com a sua presença, marcam uma posição sobre o assunto que animou a formação do grupo. (MENDES; BRANCO, 2019, p. 436).

Segundo Tavares (2012), a Constituição veda que as autoridades públicas decidam sobre a realização ou não da reunião, porém deverá de ser informado às autoridades sobre a reunião antes que ela ocorra, pois se a reunião ocorrer arbitrariamente, não será caracterizada como uma reunião livre, podendo a própria polícia intervir para encerrá-la. Para o autor, a questão de informar as autoridades tem como objetivo resguardar a realização tranquila da r eunião, sem prejuízos para as pessoas envolvidas e, também, para as não envolvidas, tomando-se as precauções necessárias. No entanto, tomando-se a autoridade tomar medidas que possam limitar a liberdade, estará cometendo abuso de autoridade (TAVARES, 2012).

Nas palavras do mesmo autor, para que a reunião ocorra pacificamente, a autoridade

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procederá às alterações do trânsito, ao reforço da segurança pública nas imediações, inclusive tomando as precauções para impedir que outra reunião se realize naquele local, frustrando a realização da reunião já marcada anteriormente. Não se deve confundir essa situação com aquela outra na qual a reunião venha a ser marcada para prédio público. Nesta hipótese, por se tratar de bem público com destinação específica, será necessária a prévia autorização (não licença), que é ato discricionário, podendo ser revogado a qualquer momento (TAVARES, 2012, p. 650). Segundo Paulo e Alexandrino, além disso, os participantes da reunião não poderão portar armas, até mesmo quando se tratar de uma reunião de autoridades policiais. Mas, para os autores, caso apenas um dos manifestantes estiver portando arma, não acarretará o encerramento forçado da reunião, uma vez que a autoridade tem o pleno direito de atuar contra esse manifestante, desarmando-o ou afastando-o da reunião, prosseguindo a reunião com os demais participantes desarmados (PAULO; ALEXANDRINO, 2017).

2.4.3 Liberdade de informação

A nossa Constituição Federal segue duas grandes vertentes acerca da liberdade de informação: a liberdade na divulgação e no acesso à informação, além também, da liberdade de informação, todas previstas nos art. 5°, XIV, e 220, § 1º do diploma legal.

Art. 5° [...]

XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

Art. 220 [...]

§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”. (BRASIL, CRFB, 2020).

Tavares (2018, p. 646) cita que o direito a obter informações implica a exigência de que essas informações sejam verdadeiras, não alcançando as informações falsas, errôneas, não comprovadas ou levianamente divulgadas, ou seja, se houver a informação, esta deve ser objetiva, clara e isenta. Por outro lado, o sigilo processual não viola a liberdade de informação, na medida em que também a Constituição assegura a privacidade das pessoas.

A proteção à fonte da qual se obteve a informação é regra que reforça a liberdade de divulgação da informação. É extremamente preciosa na atividade jornalística de maneira geral. Assim é que o art. 71 da Lei n. 5.250/67 (Lei de Imprensa) determina: “nenhum jornalista ou radialista, ou, em geral, as pessoas referidas no art. 25, poderão ser compelidos ou coagidos a indicar o nome de seu informante ou a fonte de suas

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informações, não podendo o silêncio, a respeito, sofrer qualquer sanção, direta ou indireta, nem qualquer espécie de penalidade (TAVARES, 2018, p. 647).

2.4.4 Da relativização dos direitos fundamentais

Para Silva, não existe direito absoluto por mais fundamental que este direito seja, pois, todo direito carrega em si um dever a ser cumprido. Segundo o autor, até mesmo o direito à vida, que é o direito mais protegido em nosso ordenamento jurídico, não é totalmente absoluto, já que ele pode ser perdido ou enfraquecido diante de casos de legítima defesa ou em caso de guerra declarada pelo Estado (SILVA, 2011, p. 1).

Até mesmo a própria vedação ao anonimato, prevista no inciso IV, art. 5°, da Constituição Federal (1988), que afirma que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” carrega exceções, sendo relativa em certos casos. Quando informações prestadas por testemunhas ou partes importantes de um processo possam colocar a sua vida em risco, estas mesmas pessoas têm o direito de manterem-se anônimas, existindo, inclusive, linhas telefônicas de modo anônimo para a população efetuar denúncias ao departamento policial.

Portanto, com base em Glória (2018, p. 1), podemos considerar que a liberdade de expressão não se trata de um direito absoluto e que a sua relatividade abriga praticamente qualquer direito fundamental, admitindo uma grande gama de possibilidades, admitindo-se, ainda, que existe um limite à livre manifestação de pensamento no que diz respeito à dignidade da pessoa humana. Tal limite encontra guarida desde que o discurso seja utilizado sem “fins discriminatórios e de apelo à violência moral contra determinados grupos em função de suas preferências religiosas, sexuais e ideológicas, bem como pela manifestação de preconceito de raça e cor” (GLORIA, 2018, p. 1).

2.4.5 Métodos da ponderação na solução de conflitos entre direitos fundamentais

Para Mendes (2019, p. 1), “o principal problema que se apresenta, nessas situações, diz respeito ao ‘status’ assegurado à liberdade de expressão frente aos demais direitos fundamentais em eventual situação de conflito.”

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Para Sevalli (2015), uma das fórmulas utilizadas para solucionar os conflitos que surgem entre a liberdade de expressão e os direitos de personalidade, são as chamadas técnicas da ponderação, que se resumem a apreciar o peso que deve ser oferecido a cada norma jurídica em cada caso concreto, sendo indicada para os casos em que há colisão entre normas jurídicas de mesma hierarquia, como a liberdade de expressão e os direitos de personalidade, ambos previstos na Constituição Federal de 1988.

Sevalli (2015) afirma que a ponderação é um método empregado para se chegar e decretar uma decisão jurídica em casos em que se encontra certa dificuldade de solução, onde não se torna possível utilizar-se da técnica de subsunção, ou seja, quando esta se mostra insuficiente em algumas situações. Conforme Sevalli (2015, p. 1), “esta técnica é utilizada, principalmente, nos casos em que há conflito entre duas normas de mesma hierarquia, como é o caso da liberdade de expressão e dos direitos de personalidade.” (SEVALLI, 2015)

A dificuldade descrita já foi amplamente percebida pela doutrina e o entendimento se tornou pacífico que casos como esses não são resolvidos por uma subsunção simples, sendo necessário um raciocínio de estrutura diversa e complexo que seja qualificado de trabalhar em várias situações diferentes, que irá conduzir a hipótese a partir de um apanhado das mais diferenciadas informações normativas incidentes a respeito daquele agrupamento de fatos. (BARROSO, 2003)

Sevalli (2015, p.1) transcreve as três etapas que cercam a técnica de ponderação:

A técnica da ponderação pode ser dividida em três etapas. Na primeira delas, o intérprete identifica as normas que podem ser aplicadas àquele caso concreto e os eventuais conflitos entre elas. A segunda etapa consiste na examinação das particularidades do caso concreto, bem como a sua interação com os elementos normativos. Por fim, na terceira e última etapa tudo aquilo que foi colhido na primeira e na segunda etapa serão analisados de forma conjunta, ou seja, as normas aplicáveis ao caso concreto e as particularidades do caso concreto serão examinadas conjuntamente. Dessa forma, será analisado o peso que deve ser dado a cada elemento do caso, bem como, quais normas deverão ser ponderadas. Também será analisada a intensidade com a qual uma determinada norma deve prevalecer sobre a outra, de forma que a solução encontrada seja a mais adequada possível àquele determinado caso. Todas as etapas desta técnica devem ser baseadas na proporcionalidade e razoabilidade. (SEVALLI, 2015, p.1)

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2.4.6 Posição do Supremo Tribunal Federal (STF)

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou acerca da liberdade de expressão não ser absoluta em um julgado de 2003:

Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o ‘direito à incitação ao racismo’, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica (BRASIL, STF, 2003).

Porém, devido à história de censura que o Brasil possui, ela deve ser ampla, cerceando-se certas liberdades apenas em casos extremamente necessários.

Segundo Ramos (2019), a ADPF 187, polêmica e conhecida pela liberação da realização pública da “marcha da maconha”, que tratava do direito à livre reunião das pessoas em defesa do uso da planta para fins medicinais e recreativos, foi liberada pelo STF, uma vez que entendeu-se que a liberdade de expressão e de manifestação deve ser cerceada somente em casos de incitação à violência ou quando provocar ações ilegais e iminentes.

Conforme o mesmo autor, o ministro que julgou a ADPF 187 citou três pontos do porquê de a liberdade dever ser tratada como preferencial no ordenamento jurídico brasileiro (RAMOS, 2019).

1º “O passado condena”, o Brasil tem um passado de cerceamento da liberdade iniciando com a censura do padre Manuel Airez do Casal que censurou a Carta de Pero Vaz de Caminha e mais recentemente o país viveu a censura no Regime militar. 2º A liberdade de expressão é um pressuposto para outros direitos, como a autonomia privada. 3º A liberdade é um pressuposto para a democracia e cidadania. (RAMOS, 2019, p. 1)

2.5 UMA VISÃO DO DIREITO COMPARADO SOB A ÓTICA DA PRIMEIRA EMENDA À CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

Nos Estados Unidos, a primeira emenda da sua Constituição veda expressamente ao Congresso propor limites à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa, tendo a Suprema Corte protegido massivamente o discurs o do ódio

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como forma de garantir a liberdade de expressão, passando por cima inclusive de outros valores (FREITAS; CASTRO, 2013).

Segundo a Embaixada dos Estados Unidos da América (2013), a primeira emenda procura resguardar até mesmo o discurso mais ofensivo e controverso da repressão do governo, procurando uma regulamentação limitada e restrita ao mínimo de casos possíveis. Foi construída em cima da ideologia de que o exercício livre e aberto de opiniões encoraja a compreensão, acreditando que a melhor forma de combater-se um discurso ofensivo não se dá por meio do cerceamento da opinião contrária, mas sim com mais discurso. A primeira emenda norte-americana defende: "Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to assemble, and to petition the Government for a redress of grievances"3 (UNITED STATES OF AMERICA, U.S Constitution, 1971).

Ainda, seguindo o raciocínio de Braga (2018, p. 1), verifica-se que “neste país, o debate jurisprudencial cinge-se a responder se o discurso se enquadra ou não na proteção conferida constitucionalmente e uma vez enquadrado, o discurso não pode ser restringido pelo Estado, por mais absurdo e odioso que seu conteúdo seja”.

A proteção à liberdade de expressão proporcionada pela Constituição dos EUA incorpora a noção de que a capacidade de um indivíduo de se expressar livremente – sem medo de punição por parte do governo – produz a autonomia e a liberdade que promove uma melhor governança. Permitir aos cidadãos discutir abertamente temas de interesse público resulta em um governo mais transparente e representativo, ideias mais tolerantes e uma sociedade mais estável (EMBAIXADA DOS ESTADOS UNIDOS, 2013, p. 1).

De acordo com uma matéria do site World Economic Forum, em uma pesquisa realizada em 38 países pelo The Pew Research Center, em 2015, os Estados Unidos da América aparecem em 1° lugar como sendo o país com maior suporte a favor, tanto cultural quanto jurídico, da liberdade de expressão no mundo, salvaguardados, principalmente, por sua primeira emenda constitucional. Em seguida, temos a Polônia e a Espanha. O Brasil está em 16° lugar (GRAY, 2016, p. 1).

3"O congresso não deverá fazer qualquer lei a respeito de um estabelecimento de religião, ou proibir o seu livre

exercício; ou restringindo a liberdade de expressão, ou da imprensa; ou o direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas reparações de queixas" (tradução nossa).

(31)

Seventy-one percent of Americans think that people should be able to say what they want without state or government censorship, 67% think that the media should report the news without this infringement, and 69% think people should be able to use the internet however they want without the

authorities getting involved4 (GRAY, 2016, p. 1).

A liberdade de expressão norte-americana inclui, por exemplo, o direito ao silêncio. Tal direito também está garantido constitucionalmente no Brasil como um direito fundamental no art. 5°, inciso LXIII, da Carta Magna, que afirma que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado" (BRASIL, CRFB, 2020).

Outro fato que chama atenção, em relação à liberdade de expressão nos Estados Unidos, trata-se de que, nas campanhas eleitorais/políticas norte-americanas, podem-se utilizar palavras ou frases ofensivas.

Segundo Weller (2016), em matéria publicada no site Business Insider, o Politifact's Truth-O-Meter, site não-partidário e sem fins lucrativos, dedicado a combater as fake news e verificar a autenticidade do que figuras políticas dizem ou prometem fazer, 231 das 331 declarações que Trump fez durante sua campanha presidencial são falsas ou parcialmente falsas, considerando que essas declarações e ataques, em sua maioria, tiveram como alvo sua concorrente Hillary Clinton.

Outro fato, destacado pelo mesmo autor, diz respeito ao fato de que, nos Estados Unidos, qualquer candidato político tem o direito de processar alguém se ele se sentir difamado ou caluniado. Porém, a tais figuras políticas caberá o ônus da prova, ou seja, terão de provar se de fato houve uma “malícia” por detrás das acusações e se as mesmas foram feitas propositalmente. Como ressalta o autor, isso é algo difícil de ser provado, além de constituir um processo caro e demorado (WELLER, 2016).

Já em solo brasileiro, quem profere acusações ou frases ofensivas durante uma campanha, para fins de propaganda eleitoral/política, pode responder por calúnia, por difamação e, também, por injúria, figuras penais descritas, respectivamente, nos artigos 324, 325 e 326 do Código Eleitoral.

Conforme o jornal Folha de São Paulo, em estudo realizado pelo Centro de Ensino e Pesquisa e Inovação da FGV Direito SP, o ex-candidato à presidência

4 “Setenta e um por cento dos norte-americanos pensam que as pessoas devem ter o direito de dizer o que quiser sem qualquer tipo de censura vinda do Estado ou do governo. 67% acham que a mídia deve publicar notícias sem este infringimento e 69% acham que pessoas devem utilizar a internet da forma que quiserem sem que as autoridades se envolvam” (tradução nossa).

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Fernando Haddad responde a 15 processos na Justiça Eleitoral por espalhar fake news em campanha de 2018, além de estar movendo 22 ações contra seus ex-concorrentes. Já Jair Messias Bolsonaro responde a 14 processos pelo mesmo motivo, além de ter movido 42 ações contra oponentes, acusando-os de propagar fake news (MELLO, 2019, p. 1).

Porém, a liberdade de expressão dos Estados Unidos também não é absoluta, não incluindo, por exemplo, incitar o ódio a fim de prejudicar a integridade de outra pessoa, perjurar através de um juramento falso ou, ainda, a violação do juramento perante processo judicial, usar de chantagem para conseguir informações, o uso de pornografia infantil, praticar calúnia ou difamação e, ainda, utilizar o plágio de marcas que têm seus direitos autorais resguardados. (FREEDOM FORUM INSTITUTE, 2020).

Segundo Braga (2018), a abordagem feita em torno da liberdade de expressão vem sendo feita por meio de execução de testes, abordagem esta que os tribunais têm fornecido em torno das manifestações, como por exemplo, o Miller Test, um teste que usa três regras para definir o que é obscenidade. Estes testes verificam se determinado discurso pode ou não ser empregado dentro da lei e ser protegido pela primeira emenda (BRAGA, 2018).

Hudson Jr. (2018) afirma que o Miller Test foi desenvolvido após o julgamento do caso Miller v. California, tornando-se padrão para definir se um material é obsceno ou não. Sendo obsceno, ele não será resguardado pela primeira emenda.

O juiz Warren Burguer delimitou o que poderia ser considerado obsceno:

As diretrizes básicas para o julgador de fato deve ser: (a) se “a pessoa média, aplicando padrões contemporâneos da comunidade” acharia que o trabalho, tomado como um todo, apela para o interesse lascivo … (b) se o trabalho mostra ou descreve, de um modo ofensivo, a conduta sexual especificamente definido pela lei estadual aplicável, e se o trabalho, tomado como um todo, não tem sério valor literário, artístico, político ou científico. Se uma lei obscenidade estado é, portanto, limitada, os valores da Primeira Emenda estão adequadamente protegidos por final de apelação independente de reivindicações constitucionais quando necessário. (GRYZINSKI, 2017, p. 1).

Anthony Elonis foi preso, em 2010, por efetuar ameaças contra sua ex-esposa, seus colegas de trabalho, a polícia local e agentes do FBI. Elonis fez inúmeras postagens em forma de rap em sua conta do Facebook, onde usava de seu pseudônimo Tone Dougie, sendo interpretadas como ameaças de morte pelas

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