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Na ponta do fio: novas questões para a semiologia

2 DA FIGURA E SUA PROBLEMATIZAÇÃO DE UM CAMPO À

3.1 O FIO DE ARIADNE DA SEMIOLOGIA

3.1.2 Na ponta do fio: novas questões para a semiologia

Aula 3.

Benveniste aponta que, separando a língua da linguagem e a definindo como um sistema de signos, Saussure coloca a língua como princípio de unidade entre os fatos de linguagem e como princípio de classificação entre os fatos humanos, o que – em um só movimento – funda a linguística como ciência e possibilita o surgimento da semiologia. Eis aqui o fio de Ariadne da semiologia que Benveniste encontra com Saussure; fio que conduz o Benveniste semiólogo em sua reflexão a propósito da língua e de seu lugar entre os sistemas de signos.

Saliento, contudo, que essa “condução” significa tão somente o apontamento de um caminho, pois, na ponta do fio, são as novas questões colocadas pelo Benveniste semiólogo que o conduzem metaforicamente para fora do Labirinto, permitindo, repito, a resolução de um problema: a definição do modo particular como Benveniste pensa a questão semiológica em meio a um emaranhado de pontos de vista.

No próximo item – “Na ponta do fio: novas questões para a semiologia” –, sigo esse fio encontrado com Saussure, retomando a discussão apresentada no Curso em torno da semiologia, de um lado, e as considerações de Benveniste a esse respeito tanto na primeira parte de “Semiologia da língua” quanto em suas aulas no Collège de France, de outro. Também refiro, pontualmente, os artigos “Tendências recentes em linguística geral”, “Vista d’olhos sobre o desenvolvimento da linguística” e “Saussure após meio século”, do PLGI.

3.1.2 Na ponta do fio: novas questões para a semiologia

Saussure174, no capítulo “Objeto da Linguística” do Curso, define a língua como o objeto da linguística e a classifica entre os fatos humanos, na medida em que a considera uma instituição social; instituição esta, no entanto, distinta das outras instituições políticas, jurídicas etc. A língua é, para ele, “um sistema de signos que exprimem ideias, e é comparável, por isso, à escrita, ao alfabeto dos surdos-mudos, aos ritos simbólicos, às formas de polidez, aos sinais militares etc., etc. Ela é apenas o principal desses sistemas” (SAUSSURE, 1916/2006, p. 24).

A partir disso, Saussure (1916/2006, p. 24, grifos do autor) propõe, prospectivamente, “uma ciência que estude a vida dos signos no seio da vida social”: a “Semiologia (do grego

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sēmeîon, ‘signo’)”. Em suas palavras, essa nova ciência geral – que faria parte da psicologia social e, consequentemente, da psicologia geral175 – teria como objeto os signos e as leis que os governam, e a linguística a ela está relacionada e dela depende. Saussure, através dessa relação, estabelece, pela primeira vez, um lugar para a linguística entre as ciências:

A Linguística não é senão uma parte dessa ciência geral; as leis que a Semiologia descobrir serão aplicáveis à Linguística e esta se achará dessarte vinculada a um domínio bem definido no conjunto dos fatos humanos (SAUSSURE, 1916/2006, p. 24).

É preciso, contudo, ressaltar que, no capítulo “Natureza do signo linguístico”, ao defender que os signos inteiramente arbitrários realizam melhor que os outros o ideal do procedimento semiológico, o linguista explica porque “a língua, o mais complexo176 e o mais difundido dos sistemas de expressão, é também o mais característico de todos” (SAUSSURE, 1916/1976, p. 101, tradução minha) e inverte a relação semiologia-linguística antes definida, colocando, nesse momento, a linguística como padrão de toda a semiologia, ainda que a língua seja apenas um sistema particular.

Saussure, no Curso, não avança muito mais em sua reflexão sobre a semiologia. Apesar disso, quando reconhece a preeminência da língua em relação aos demais sistemas semióticos, o mestre genebrino estabelece de forma clara: “a tarefa do linguista é definir o que faz da língua um sistema especial no conjunto dos fatos semiológicos” (SAUSSURE, 1916/2006, p. 24, grifos meus). Isso porque, para ele, “o problema linguístico é, antes de tudo, semiológico” (SAUSSURE, 1916/2006, p. 25), e pensar a verdadeira natureza da língua, comparando-a aos demais sistemas, esclarecerá não apenas o problema linguístico em si, mas também contribuirá para uma reflexão no campo da semiologia (uma reflexão que envolve os fatos humanos, os ritos, os costumes, por exemplo, como signos).

Na primeira parte de “Semiologia da língua” e, também, na Aula 3, Benveniste recupera essa discussão em torno da noção de semiologia apresentada no Curso; afinal, é com Saussure, e não com Peirce, que Benveniste segue em sua reflexão semiológica.

Essa discussão marca, todavia, a ponta do fio. A partir dela, desejando promover a análise semiológica e consolidar as bases da semiologia, Benveniste (1969/1989, p. 50)

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O linguista situa, assim, a semiologia no campo da psicologia; no entanto, também estabelece uma tarefa para o psicólogo: “determinar o lugar exato da semiologia” (SAUSSURE, 1916/2006, p. 24) nesse campo.

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Referindo-se à língua, saliento que Saussure diz “o mais complexo” [“le plus complexe”] (SAUSSURE, 1916/1976, p. 101) e não, como consta na tradução brasileira, “o mais completo” (SAUSSURE, 1916/2006, p. 82).

retoma “este grande problema no ponto em que Saussure o deixou” e formula novas questões que a reflexão da segunda parte do artigo pretende responder.

Essas questões, que também aparecem nas Aulas 4 e 6, envolvem não apenas os sistemas de signos (seu número, suas diferenças e semelhanças), mas sobretudo as relações existentes entre os sistemas (se são autônomos ou não), o que conduz Benveniste a estabelecer, de seu ponto de vista, o problema central da semiologia – “o estatuto da língua em meio aos sistemas de signos” (BENVENISTE, 1969/1989, p. 51) –, definindo, consequentemente, seu modo particular de pensar a questão semiológica. Nessa perspectiva, para o linguista, é preciso determinar “a noção e o valor do signo” nos conjuntos nos quais se pode estudá-lo; exame esse que “deve começar pelos sistemas não linguísticos” (BENVENISTE, 1969/1989, p. 51).

É importante salientar, aliás, que Benveniste menciona Peirce e sua reflexão sobre o signo no artigo “Tendências recentes em linguística geral”, mas – nesse texto, assim como em “Vista d’olhos sobre o desenvolvimento da linguística” e “Saussure após meio século” (todos do PLGI) –, quando traz, de fato, para a discussão a questão de uma ciência dos signos, o linguista sempre trata das ideias de Saussure e de sua proposição de uma semiologia geral, deixando de lado a perspectiva semiótica. Ou seja, se Peirce e Saussure são referências incontornáveis nessa discussão a propósito de uma teoria ou ciência geral dos signos, o fio que conduz à saída desse Labirinto, desde sempre, Benveniste encontra com Saussure.

Nesses textos, contudo, Benveniste ainda não problematiza a reflexão de Saussure como faz em “Semiologia da língua” e nas aulas do Collège de France. Essa problematização somente é apresentada no final dos anos 60.

Passo, então, aos itens seguintes deste terceiro capítulo – “A dupla significância da língua: as noções de semiótico e semântico”, “A língua significando semiologicamente: a noção de interpretância” e “De uma semiologia do signo a uma semiologia da língua” –, que se relacionam especificamente com a segunda parte do artigo “Semiologia da língua”.

Considero, nesse momento, os textos “Os níveis da análise linguística”, do PLGI, “A forma e o sentido na linguagem” e “Estrutura da língua e estrutura da sociedade”, do PLGII, assim como suas aulas no Collège de France. São mobilizados ainda os textos “Natureza do signo linguístico”, do PLGI, e as entrevistas “Estruturalismo e linguística” e “Esta linguagem que faz a história”, do PLGII.

Ressalto que a discussão desenvolvida nos dois primeiros itens permite compreender no que consiste sua reflexão semiológica. Por sua vez, a discussão desenvolvida no último

permite compreender o efeito dessa reflexão semiológica sobre o lugar da linguagem nas ciências humanas.

3.2 A DUPLA SIGNIFICÂNCIA DA LÍNGUA: AS NOÇÕES DE SEMIÓTICO E