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Parte II A cultura e a liderança numa escola secundária

Capítulo 4 A Escola Secundária ATENA

2. Traços culturais dominantes da escola

2.1. A perspectiva institucional

2.1.2 Na voz do Regulamento Interno

Num segundo momento analisamos o regulamento interno. Através de uma análise comparativa entre o Regulamento elaborado em 1998 e o de 2006, podemos constatar que o primeiro tinha subjacente um cuidado no transmitir de certos valores capazes de identificar a escola e orientá-la na sua actuação pedagógica e educativa e que são retomados pelos projectos educativos de 2003 e 2006. Contudo, o regulamento interno de 2006 tem um cariz mais normativo e essa normatividade é visível em todos os capítulos. Destacamos o capítulo dedicado aos direitos e deveres do pessoal docente e não docente. Enquanto o de 1998 apelava à promoção do espírito de respeito, responsabilidade, cooperação, crítica construtiva, solidariedade e fraternidade (Regulamento interno, 1998, pp.45-48) o de 2006, nesta área, limita-se a referir e a reproduzir os normativos legais em vigor. Existe uma mudança clara na forma de redigir o regulamento interno e este passa a ser entendido unicamente como um documento onde se define o regime de funcionamento da escola, de cada um dos seus órgãos, bem como os direitos e os deveres da comunidade escolar. Deixou de ser um documento impregnado de uma certa filosofia passando a ser mais regulador e normativo.

No quadro 4.3 apresentamos os dados recolhidos no regulamento de 1998 e que nos indiciam uma escola onde a coesão, a “consistência nos valores e o consenso de objectivos” (Estêvão, 2000, p.40) são visíveis e orientam as práticas dos diferentes actores escolares numa determinada direcção.

A análise do regulamento interno deixa transparecer uma organização com traços de carácter integrador onde são valorizados os princípios do respeito, da responsabilidade, da fraternidade, da solidariedade, do trabalho, da colaboração e do diálogo como forma de resolução de conflitos. Parece-nos que os valores presentes neste regulamento são uma antecipação daqueles que surgem plasmados no projecto educativo deixando antever uma interligação muito forte entre ambos os documentos. Neste regulamento interno é possível verificar a continuidade, e mesmo a oficialização, de alguns rituais que se foram sedimentando ao longo do tempo e que fazem parte da história desta escola nos últimos 30 anos, e consequentemente da sua cultura. Estamos a falar da Semana Aberta e do Encontro Anual da Associação dos Antigos Estudantes. São duas realidades que marcam o quotidiano da escola e contribuem para a sua identidade e valorização no seio da comunidade em que se insere e onde a escola se revela como um locus de produção (Lima, 1998) de pressupostos básicos ou de manifestações visíveis (Torres, 2004) apoiada nos valores que lhe

estão subjacentes e que suportam todos os rituais inerentes a estas duas práticas. Assistimos à criação e recriação do mundo desta organização através dos seus actores (Morgan, 2006). Como nos dizem os entrevistados em relação à Semana Aberta:

“ [A escola] tem que se afirmar no exterior. Ela tem que se projectar, mostrar aquilo que faz. […] Ainda me recordo perfeitamente de haver verdadeiras romarias aqui para a escola, em que a escola se abria, se disponibilizava para mostrar tudo aquilo que fazia. Isto era a escola a mostrar- se, a cativar o seu público, […] ao mostrar aquilo que fazia” (E1).

“ […] em termos de tradições, coisa que é comum, a nossa Semana Aberta, que culmina sempre com todas as actividades de diferentes áreas e acho que é, já lá vamos, este ano celebramos a 29ª e, portanto, fomos pioneira nisso, e achamos que, de facto é um evento que não deve terminar porque, eu acho, há um envolvimento tão grande de toda a escola e para os alunos,[…] é forma de eles mostrarem o trabalho que fazem, verem um bocado gratificado esse trabalho, é um momento que no fundo é de festa[…]”(E 3).

“ […] Fomos a primeira escola do país a ter uma Semana Aberta. […] Fomos a primeira. […] Eu acho que essa Semana Aberta nos primeiros anos […] teve um impacto enorme na cidade. Eram avalanches de pessoas que iam lá visitar a escola e ver aqueles aparelhinhos com luzinhas que os alunos faziam lá nas oficinas. Eram os bordados. Na altura ainda tínhamos a área do design.

Era tudo isso …. Toda a gente fazia exposições. Não havia um grupo que não fizesse, que não

quisesse mostrar aquilo que faziam […]” (E8).

“Nós temos aqui a Semana Aberta, que fomos pioneiros em termos nacionais e isso deixa- nos muito orgulhosos” (E7).

Quadro 4.3. Valores, práticas e artefactos dominantes no Regulamento interno 1998

Ideias /Valores dominantes Práticas Artefactos

internas formais/informais rituais/festas/prémios estruturas/instrumentos Aberta à mudança p.4

Colaboração com as instituições locais p.11 Colaboração com a imprensa local p.15

Educação para a cidadania, civismo, cultura, respeito, direitos do homem e da natureza p.11

Promoção da criatividade e a humanidade nos alunos através do desenvolvimento de projectos p.39

Promoção do espírito de respeito, responsabilidade, cooperação, crítica construtiva, solidariedade e fraternidade pp. 45-48 Promoção de condutas dominadas:

- Pelo respeito ao outro e ao património; - Pelo diálogo

- Pela convivência cooperativa; - Pelo dever do trabalho;

- Pela solidariedade como forma de resolver problemas disciplinares p. 50 Trabalho colaborativo e interdisciplinar p.11 Estabelecimento de parcerias p.16 Desenvolvimento de projectos entre eles a rádio escola pp.43-44

Semana aberta p.15 Associação dos antigos estudantes promove convívios entre os diferentes corpos da comunidade educativa (antigos e actuais); Atribuição de bolsas de estudo p.42

Encontro anual dos antigos alunos com espectáculos de variedades, homenagens ao pessoal docente e não docente com serviços relevantes prestados à instituição p.42

Revista da associação dos antigos estudantes p. 42

O mesmo é verdade para o Encontro Anual dos Antigos Estudantes:

“É com estima, alegria e orgulho que, ano após ano, num ritual que já entrou no calendário das nossas rotinas, pelo mês de Maio, recebemos a visita dos nossos antigos alunos, na sua conhecida e reconhecida Confraternização. Nós sabemos o que a [nossa escola] representa para os Antigos Alunos: […] é a instituição onde cresceram e se fizeram mulheres e homens de carácter, de trabalho e de sucesso. […] Importa que os Antigos Alunos […] saibam o que representam para a Escola […]: são a sua referência, o mostruário que a Escola apresenta aos seus clientes e à sociedade, e que prova, sem reservas, a altíssima qualidade do ensino e da formação que pode ministrar; são o exemplo de trabalho, de ousadia, de sentido de risco e de projecção no futuro que a

Escola aponta aos jovens de hoje, aos seus actuais alunos, às gerações de amanhã […]”.28

“ […] nossa Escola, instituição modelar na sua orgânica, funcionamento, cultura e atitude perante o trabalho, a vida e os poderes, verdadeiro alforge de cidadãos responsáveis, participativos,

dinâmicos, solidários e voltados para o Mundo e para o Amanhã”.29

É evidente a prevalência de um quadro de valores que perpassa toda a organização e que revela o carácter único e singular da mesma onde a homogeneidade, a harmonia e a coesão parecem caracterizar toda a acção organizacional. Os seus líderes parecem reproduzir os traços dominantes da cultura desta escola e os seus discursos vão no sentido de chamarem a si um papel preponderante na construção do sucesso dos seus alunos fazendo um apelo recorrente ao exemplo do seu passado.