• Nenhum resultado encontrado

Nanicos, rebeldes e combatentes

No documento Dissertação - Scheyla Horst (páginas 95-97)

3.3 Do geral ao singular: a pluralidade de vozes e pensamentos

3.3.5 Nanicos, rebeldes e combatentes

Figura 12: Reportagem Nanicos, rebeldes, combatentes, por Nilson Monteiro

O jornalista Nilson Monteiro, em Nanicos, rebeldes e combatentes, apresenta aos leitores uma reportagem que realiza um apanhado histórico a respeito dos pequenos jornais que surgiram no Estado e – em uma breve participação de Milton Ivan Heller por meio de box – no país. Contextualizando o nascimento de alguns meios de comunicação, Nilson Monteiro entrevista participantes e traça relações com o contexto em que foram estabelecidos e os motivos pelos quais não conseguiram se manter por muito tempo. Fontes: pelo menos nove pessoas, sendo a maioria delas jornalistas ou pessoas diretamente envolvidas na criação dos jornais nanicos. Elementos do JL em destaque: Criatividade; Exatidão. Confira a Linha-fina:

Os poderosos ‘nanicos’, do alto de sua marginalidade, criaram um espaço de resistência e respiração no rarefeito ar da imprensa brasileira, polemizando, inventando, documentando o avesso das medalhas. É o que nos mostram aqui Nilson Monteiro, numa geral dos alternativos paranaenses, e Milton Ivan Heller, jornalista velho de guerra, ao historiar, no box, os ‘nanicos’ nacionais. Tamanho não é documento. (MONTEIRO, 1988, n. 14, p. 20).

96 O texto se estrutura como se fosse uma profissão de fé do Nicolau em um tipo de meio de comunicação com o qual simpatizaria, apesar de se distanciar bastante da proposta por estar atrelado ao Governo do Estado, enquanto a imprensa marginal foi historicamente perseguida e diluída pela administração pública. O material tem amplo destaque na edição nº 14, de agosto de 1988, ocupando quatro das 28 páginas do exemplar – que teve tiragem de 107.500 unidades. O texto ágil e divertido assinado por Nilson Monteiro é uma coletânea de relatos dos empreendedores marginais, que dedicaram tempo, dinheiro e coragem a projetos que buscavam divulgar o outro lado das histórias que se desenrolavam no Paraná, sobretudo na época da Ditadura Militar. O modo como o jornalista se aproxima da temática, com empatia33, nos aproxima das dificuldades vivenciadas por quem se aventurou a escrever contra o estabelecido. Por meio da redação e edição de Monteiro, os nanicos se tornam personagens da Reportagem. E então é como se ele traçasse um perfil deste tipo de publicação, que possui alguns aspectos marcantes, os quais são explicitados no próprio título da reportagem. Através de um exemplo, ele apresenta a ideia por trás do projeto protagonista do texto:

O Brasil Mulher é um exemplo pinçado do leque de jornais alternativos que existiram no Paraná desde o início dos anos 60, passando pela longa noite dos anos 70 e pelo fiapo de luz ao amanhecer dos anos 80. Todos, como um bando marginal que configura um capítulo do jornalismo e da cultura Macunaíma, feitos com muito esforço, sobrevivendo aos horrores da censura (política e econômica) e aos terrores do conservadorismo. Um bando que colecionou uma fileira de adjetivos: bem- humorados, sisudos, anárquicos, comprometidos, líricos, rebeldes, combatentes, porra-loucas, poéticos, sectários, criativos, briguentos, talentosos, inquietos, ousados, irreverentes, inteligentes, duros, corajosos, inovadores, politizados, etc. Ou nanicos, simplesmente. (MONTEIRO, 1988, n. 14, p. 20).

Vale ressaltar aqui a poética maneira de sintetizar as décadas em que a Censura tentava calar a todos: “passando pela longa noite dos anos 70 e pelo fiapo de luz ao amanhecer dos anos 80”. A longa noite se refere aos primeiros anos da Ditadura Militar, que pôs para correr a Liberdade de Expressão, trocando-a pela escuridão. O fiapo de luz ao amanhecer, por sua vez, traz um minúsculo otimismo quando da novidade da abertura política, um momento de muita incerteza, tendo em vista a persistência de alguns hábitos pelos políticos – como a citada apreensão de um jornal que criticou Sarney. Os nanicos, como mostra o fragmento acima, são muito adjetivados. Com posicionamento crítico e bastante criatividade, seus editores buscavam inovar tanto na forma quanto no conteúdo, “criando brechas para temas, enfoques e linguagens que dificilmente encontravam guarida na chamada grande imprensa”. (p. 20). Percebemos que

33 Nilson Monteiro, autor da reportagem, participou ativamente do Movimento Estudantil em Londrina, Norte do Estado, nos anos 1970, atuando com fôlego na resistência à Ditadura Militar no Paraná.

97 expressiva parte dessas características usadas para definir os pequenos jornais pode ser encontrada na trajetória do Nicolau.

Em mais de um momento, como já afirmamos, o nanico parece ser uma pessoa: “O nanico, aliás, sempre mostrou este lado esperto, a molecagem de quem procura ar dentro, mas à margem, do status, do estabelecido” (p.21). E nesta parte: “Para a grande maioria (dos nanicos), houve sempre a companhia, indigesta, da censura e da repressão política. O jornalismo, com este tempero, foi luta contra os embalos da repressão” (p. 21). A criatividade e o bom humor do narrador também ficam evidentes na elaboração dos subtítulos que dividem a matéria em temas: “Um decendiário que atacava mais que a linha do Santos”; “Pauleira para todo lado de um jornal sem concessões”; “Todo mundo achava bonito, mas ninguém punha grana”; “Enfiados de corpo e alma em um jornalismo esperto” e, por fim: “Polícia arrebenta a parede e acaba a carreira do nanico”.

O emprego de várias vozes ao longo da produção – pelo menos nove pessoas diretamente, além de outras indiretamente – lembra que o Jornalismo Literário é polifônico e polissêmico, não apenas na linguagem, mas também no posicionamento do jornalista, isto é, em um viés prático. Segundo Borges (2013, p. 236): “O repórter assume outra posição de onde continua a mediar informações. A linguagem referencial permanece presente, mas acompanhada de outros elementos que a relativizam, a contestam, a enriquecem e a transformam”.

No documento Dissertação - Scheyla Horst (páginas 95-97)