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4. MITOS E LENDAS REFERENTES A PEDRA DO INGÁ

4.1 Os heróis civilizadores e o Sumé mítico na imaginação Ingaense

4.2.3 Narrativa do tesouro escondido dentro da Pedra do Ingá

O segundo tema mais frequente nos depoimentos da população local são as narrativas de cunho sobrenatural, mágico, onde a Pedra do Ingá possui um encantamento. A magia está presente na história como as primeiras manifestações do pensamento humano, ou seja, desde a pré-história há vestígios que testemunham a existência de rituais mágicos entre os neandertais, considerados os primeiros xamãs (MITHEN, 2003; GUEDES; VIALOU, 2017).

Ao longo da evolução das crenças de cunho mágico, os elementos naturais como as plantas, animais, os astros e as pedras tinham um valor mágico (ELIADE, 2002). Entre os povos indígenas do Brasil encontra-se a crença em pedras encantadas e a Pedra do Ingá proporciona essa sensação de encantamento para muitos, porque não existem até então explicações que possam ser comprovadas.

Apresenta-se neste contexto uma hierofania ou cratofania42 lítica querendo indicar o ato de manifestação do sagrado na Pedra do Ingá. A pedra nada mais é que uma pedra, mas no momento que assume um significado para um determinado grupo ela reveste-se de um novo poder e sacralidade. Se para aqueles que fizeram as inscrições na Pedra ela tinha uma utilidade, da mesma forma na atualidade a Pedra do Ingá com suas inscrições complexas só pelo fato de não ter explicação para sua origem se faz diferente e, por isso, é tão apreciada e tratada como algo mágico e ou sagrado (ELIADE, 2002).

A arqueologia cognitiva difundida por Mithen (2003) defende que a aurora do pensamento mágico revela a crença em entidades e forças sobrenaturais e evidencia os primeiros sinais da crença no divino. Segundo Mithen (2003), Guedes e Vialou (2017), os seres humanos vêm passando por um processo evolutivo, do conhecimento mágico, ao religioso e, por fim, ao científico.

42 Segundo Eliade (2000) hierofania ou cratofania é a manifestação do sagrado. Uma pedra pode ser uma

Para Mithen (2003) nossos ancestrais durante a explosão criativa43 enxergavam o mundo como um lugar povoado de seres sobrenaturais. Seriam esses os primeiros sinais da crença em uma divindade? As hipóteses de que imagens de humanos com partes animais representariam xamãs ou magos e essa crença de que o ser humano foi um animal num passado mítico faz com que tenham essa identificação mágica com os animais. Acredita-se que os mitos contados por diversos povos desde a antiguidade sejam mapas do ambiente, uma forma de guardar a localização dos lugares importantes para serem repassados aos seus descendentes.

Guedes e Vialou (2017, p. 103) defendem que:

Manifestações gráficas registradas nos suportes rochosos pelos homens e mulheres pretéritos é tanto testemunho das crenças e escolhas sociais de um grupo, quanto dos processos cognitivos dos responsáveis por essa forma de comportamento simbólico, processo que demonstra a inter-relação entre mente e cultura.

Esse pensamento sobrenatural relatado nas entrevistas a seguir revela a história de um espírito guardião de um tesouro escondido dentro da pedra, que possuía a chave que abria o portal da pedra encantada. Acreditava-se que seria o tesouro deixado pelos holandeses, pois, existem muitas lendas sobre os feitos dos flamengos em nossas terras, como abertura de túneis em várias localidades da Paraíba e as botijas, como também o tesouro deixado pelos jesuítas (CASCUDO, 1976; GARCIA; SILVA GARCIA, 2012).

O padre Francisco Corrêa Telles de Meneses em sua obra “Lamentação Brasílica” datado de 1887 relata sua procura por tesouros perdidos pelos holandeses e jesuítas, em sítios arqueológicos no Nordeste. Os depoimentos da população expostos abaixo referem-se à essas lendas:

A Pedra do Ingá tem um encanto, história dos mais antigos de lá. Tem uma pedra maior da qual sai uma menina com uma vela de lá para cá e abre e fecha a porta. Disse que todos os inscritos que tinha fora tinha dentro. Um grande tesouro, isso a gente acreditava que tinha um grande tesouro dentro. Com as grandes enchentes a chave foi carregada (TRECHO DA ENTREVISTA, 2 -5).

Quando as escolas nos levavam para a pedra, a principal lenda que havia e que atraia as crianças é de que lá existia um tesouro escondido que quando alguém conseguisse ler aquilo nas pedras ia abrir a pedra e achar o tesouro que está lá. Por isso que todo mundo ia lá tentar ler o que tinha. (TRECHO DA ENTREVISTA, 3-6)

O povo antigo contava que aquela pedra tinha um tesouro e apareceu um espírito indígena, se você estivesse em determinado horário e ele aparecer e se ele entregar o segredo, a pedra se abre e está cheio de ouro lá. (TRECHO DA ENTREVISTA, 2-5)

43 A explosão criativa, para o autor, aconteceu a aproximadamente 70.000 anos quando o homo sapiens criou

ferramentas, adornos e passou a sepultar seus mortos dando origem às primeiras manifestações do pensamento mágico (MITHEN, 2003).

Quando criança tinha essa mitologia de dizer que a pedra, dentro dela tinha ouro, até ficava curioso olhando por baixo para ver se encontrava alguma coisa de ouro. Depois também falam que a pedra se abre e ali sai uma mulher de vestido e confirma que tem ouro (TRECHO DA ENTREVISTA, 3-6).

Na região Nordeste existem tradições e costumes peculiares como a crença em botijas. As botijas44 são tesouros deixados pelos povos antigos e que muitas pessoas no tempo presente

encontram. O diferencial nessa história é que as botijas são reveladas em sonho pelo dono falecido que vem em espírito revelar o local do tesouro. Azevedo Neto et al (2015, p. 45) afirmam que a origem das inscrições do Ingá por serem desconhecidas, pela sua complexidade e mistério origina diferentes mitos e lendas que “falam a respeito de tesouros escondidos no interior da pedra que nunca foram encontrados”.

O mesmo relato também é encontrado no livro “A Pedra do Ingá” de Vanderley de Brito. O autor argumenta que as lendas de tesouros dentro da pedra aguçaram a cobiça de muitos e assim a Pedra do Ingá foi alvo da ação antrópica. Em 1959 pesquisadores do Instituto Brasileiro de Arqueologia detectaram que algumas rochas no local tinham sido destruídas a marretadas a procura de ouro (BRITO, 2017).

Uma das entrevistas de campo trouxe o relato sobre a relação de tesouros escondidos em sítios arqueológicos e que por esse motivo, foi degradado por supostos caçadores de tesouros principalmente aqueles que acreditam nas teorias de Sumé/ Tomé. Segundo o depoente:

Nas teorias dos seguidores de São Tomé afirma-se que onde haviam inscrições acreditavam que ali tinha ouro porque as pessoas faziam inscrições como se fora um mapa, guardava o ouro e ali fazia uma inscrição. Com essa ideologia foi quebrado muito sitio arqueológico, se perdeu muito e nunca foi encontrado ouro (TRECHO DE ENTREVISTA, 3-6).

44 Dinheiro enterrado, o mesmo que botija para o sertão do Nordeste, ouro em moeda, barras de ouro ou de prata,

deixados pelo holandês ou escondidos pelos ricos, no milenar e universal costume de evitar o furto ou o ladrão de casa de quem ninguém se livra. Os tesouros dados pelas almas do outro mundo dependem de condições, missas, orações, satisfação de dívidas e obediência a um certo número de regras indispensáveis (...) O tesouro é encontrado unicamente por quem o recebeu em sonho (...) se faltar alguma disposição, erro no processo de extrativo, o tesouro transformar-se-á em carvão. Todos os sinais desaparecerão, se o silêncio for interrompido, mesmo que por um grito inopinado ou por uma oração. A primeira moeda encontrada é a que deve ficar no lugar do tesouro (CASCUDO, 1998, p. 862).

Nesse ponto a narrativa contada pela população ingaense sobre um tesouro escondido dentro da Pedra encontra-se com o mito de Sumé, pois segundo os teóricos deste personagem mítico geralmente por onde Sumé passava deixava suas pegadas e inscrições indicando a existência de tesouros (BRITO, 2017; CATOIRA; AZEVEDO NETTO, 2018). Ao acompanhar um dos moradores e entrevistados às Itacoatiaras do Ingá, este mostrou uma pedra conhecida por apresentar uma pegada (Figura 41), no entanto, não fez relação entre a pegada e Sumé, mas percebem-se resquícios dessa mitologia.

Figura 41: As pegadas de Sumé?

Fonte: Autora, 2018